“Precisamos entender que o lixo pode ser matéria-prima”, afirma pesquisador da UFPR

Publicado originalmente em Agência Escola UFPR. Para acessar, clique aqui.

André Bellin Mariano, doutor em Bioquímica e pesquisador da UFPR, conversou com a Agência Escola UFPR em parceria com o portal IDe+ sobre a importância da educação ambiental e como podemos usar o lixo ao nosso favor

Por Emerson Araujo
Edição: Pedro Macedo

Você já pensou quantas vezes ouviu falar que o ser humano está acabando com a natureza e isso parece nunca mudar? No entanto, no ambiente acadêmico existem diversas pesquisas que buscam justamente mostrar o oposto: que algo está sendo feito e que podemos buscar alternativas para o lixo que produzimos.

A questão do tratamento do lixo urbano é um grande problema no nosso país. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, cerca de 40% do lixo produzido no Brasil vai parar em lixões. Isso significa que aproximadamente 30 milhões de toneladas liberam uma alta quantidade de metano na atmosfera anualmente pelos quase 3 mil lixões ativos no país.

Os problemas que possuímos hoje poderiam ser menores caso houvesse uma mudança de regulamentação décadas atrás. É o que afirma o professor André Bellin Mariano, engenheiro elétrico, doutor em Ciências (Bioquímica) e pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Uma das principais atuações do governo do país em relação ao lixo ocorreu apenas em abril de 2010, quando foi sancionada a Lei 12.305 que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, com uma série de diretrizes para o tratamento do lixo, entre elas a possibilidade da sua exploração energética.

O pesquisador conversou com a Agência Escola UFPR em parceria com o portal IDe+ e explicou sobre a atual situação do Brasil nas questões ambientais e sobre seus projetos que visam melhorar o tratamento do lixo e diminuir a poluição atmosférica.


Emerson Araujo – Quão crítica é a situação do Brasil nas questões ambientais?

André Bellin Mariano – Na questão ambiental, o Brasil está relativamente bem. O Brasil tem 66% das suas áreas de florestas preservadas quando comparamos com a época dos descobrimentos. A Amazônia está com 88% da flora preservada do que era no início. Em relação ao uso de energia, o Brasil é uma vitrine para o mundo. A gente tem energia elétrica, etanol, biodiesel e 84% de energias renováveis. O uso da energia eólica e solar está aumentando bastante. Então, estamos muito bem nesses pontos.

A maior preocupação que precisamos ter hoje é com o uso dos recursos naturais, para não ser escasso no futuro. Ao compararmos com a Europa, por exemplo, eles não têm florestas preservadas nem matas ciliares. A matriz energética deles é basicamente feita por óleo e carvão. Quando desligam uma usina nuclear por risco, precisam criar mais termelétricas para compensar. Então, em um contexto geral, o Brasil é um exemplo para o mundo. O que falta é a divulgação da informação para que a nossa sociedade saiba disso e a gente se sinta parte de uma matriz exemplar. Talvez quando entendermos essa questão será possível olharmos para outros pontos importantes para continuar essa preservação.

Hoje a mais grave questão em nosso país é a questão da poluição dos rios nas cidades. Está havendo agora uma mudança de política sanitária e houve um grande aumento de investimento nessa questão. Atualmente, parte do esgoto não é coletado e parte do coletado não é tratado.

Para o professor André Bellin, o lixo pode ser usado como uma eficiente fonte de matéria-prima quando feito o processo certo. Foto: Marcos Solivan, ACS.


Emerson – Qual a importância das energias renováveis para o planeta?

André – De extrema importância. Por exemplo, os combustíveis fósseis (aquela emissão do carbono que vem da queima de combustível) é um carbono estocado na terra, isso aumenta a concentração dele na atmosfera. O uso do combustível direto também traz outros problemas para a terra como material particulado na atmosfera e monóxido de carbono. A presença dessas substâncias na atmosfera acaba gerando ainda mais complicações, como o smog fotoquímico, onde os raios ultravioletas interagem com esses materiais e isso impacta diretamente na saúde das pessoas.

Quando comparamos com os combustíveis fósseis normais, os combustíveis renováveis vão causar menos impacto por duas razões. Aquele CO₂ da queima de um combustível renovável é uma molécula que já estava na atmosfera, então não tem tanto impacto no geral e estudos dizem que o uso do biodiesel e o do etanol, produzem menos poluentes quando são usados em veículos. Além disso, existe o biogás que pode virar biometano, sendo um combustível mais limpo, ainda podendo substituir o gás natural.

A importância das energias renováveis se dá pelo fato de que ao deixarmos de usar as energias de matriz fóssil, ainda temos alternativas. Ao invés de usar carvão mineral, posso usar madeira, renovável. Outro ponto interessante das energias renováveis é a geração de divisas. A partir do momento que você tem uma divisão da matriz, você tem geração de renda para o país. O uso da energia renovável também diminui o impacto das energias fósseis na atmosfera. Por exemplo, se no Brasil usássemos mais usinas hidrelétricas, energia eólica e energia solar, precisaríamos de muito menos combustível fóssil. Consequentemente, diminuiríamos a poluição atmosférica.

O que precisa ser claro é que a energia vindo de combustível fóssil não é horrível. É graças à energia do carvão, do óleo que a maioria dos países consegue purificar a água, manter hospitais. Mas a longo prazo, sempre precisamos priorizar as energias renováveis.


Emerson – Você participou de uma pesquisa sobre a transformação de resíduos sólidos urbanos não recicláveis (lixo) em energia elétrica. Como foi a realização e a importância dessa pesquisa?

André – Para falar sobre isso, precisamos falar sobre o lixo. Nas questões ambientais, o esgoto e o lixo são problemas. Hoje temos a política nacional de resíduos sólidos que, em 2010, propôs que todos os lixões se transformassem em aterros sanitários, mas isso ainda não aconteceu.

É muito difícil fazer isso em um país transcontinental como o Brasil. Cada pessoa produz de 1 kg a 1,5 kg de lixo por dia e devemos analisar isso como uma fonte de energia. O lixo possui energia solar, pois a planta faz fotossíntese. O ser humano come o alimento e o que sobra é energia solar pura. O grande problema é que estamos jogando essa energia diretamente no aterro. Se o aterro é bem controlado, essa matéria orgânica se transforma em biogás que é possível ser recolhido.

Então, se coletamos esse gás e o queimamos, estamos o transformando em CO₂ e consequentemente diminuindo em 34 vezes a poluição que ele causaria. Precisamos entender que ao invés de o lixo ser um problema, o lixo hoje pode ser matéria-prima. Nós produzimos aqui na universidade um equipamento que consegue fazer essa transformação de todo lixo da instituição. Caso seja aprovada a utilização, a universidade poderá economizar algo entre 200 mil a 400 mil reais por ano em tratamento de resíduos com a conversão em eletricidade de forma sustentável.

Emerson – Você também trabalha em uma pesquisa que relaciona essa queima do lixo com uma tecnologia que alimenta as microalgas. Como funciona o processo e no que essas microalgas se transformam?

André – As microalgas precisam de CO₂ para crescer e a fumaça produzida na queima do biogás produz uma alta quantidade de CO₂. Então, nesse processo nós direcionamos esse gás carbônico que iria para a atmosfera. O que se transformaria em poluição, se transforma em microalgas. O carbono vira carboidrato, lipídio e açúcares dentro das algas. Depois desse processo, essa biomassa das algas é utilizada para produzir biodiesel ou também fazer parte do processo de produção do etanol e do petróleo. É um processo complicado com a utilização de muita química, mas já é uma realidade.

O professor André é também gerente do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Energia Autossutentável (NPDEAS) da UFPR, que trabalham com pesquisas focadas na sustentabilidade. Foto: Marcos Sollivan, ACS

Emerson – Esses processos já podem ser colocados em prática na sociedade?

André – A tecnologia de incineração já é completamente dominada, onde várias empresas já comercializam esses equipamentos. O que nós fizemos foi pegar esse equipamento que existe no mercado e o adaptamos para a realidade da universidade ou da nossa cidade.

Essa metodologia já pode ser utilizada em qualquer lugar do Brasil e nós temos a patente desse sistema. Nós também já transferimos essa tecnologia para uma empresa gaúcha, o que é um ponto bem avançado. Essa empresa que está trabalhando conosco, está contactando prefeituras e oferecendo esse novo sistema. Nós já recebemos a visita de vários prefeitos para conhecer a estrutura e analisar o investimento. Está sendo analisado que é uma oportunidade para os municípios, que ao invés de sobrecarregar o aterro com lixo, vai ser possível transformar em energia elétrica e diminuir muito a quantidade de resíduos.

Emerson – Quais são as dicas para que as pessoas tenham participação nessa transformação dos resíduos sólidos?

André – As pessoas precisam principalmente exigir metas dos agentes públicos. Prefeituras grandes e organizadas como Curitiba atingem as metas ambientais prometidas, no entanto, a grande dificuldade são os municípios menores. Se a população entrar nessa discussão, até elegendo os representantes com metas em relação a assuntos ambientais, já é o começo da mudança. É preciso ter o pensamento de analisar se ao invés de continuarmos pagando para o lixo ser recolhido e enterrado, será que não existem outras maneiras mais efetivas de trabalhar com esse lixo? E isso parte diretamente da sociedade.

Emerson – Como você acredita que a Educação Ambiental pode mudar a situação em que vivemos?

André – Eu acredito que a educação é responsável por todas as boas mudanças na sociedade, em todos os setores. Um exemplo disso é aquela campanha que tivemos em Curitiba desde a época de 1970 do “Lixo que não é lixo, não vai pro lixo. Separe”. Isso foi feito desde a população adulta até nas escolas. E hoje podemos afirmar que a população da capital paranaense é bem conscientizada em relação à importância de separar o lixo.

Agora se formos em outra cidade e querermos de uma hora para outra que a população comece a fazer isso, não vamos conseguir. Então tudo precisa ser feito desde a base. É preciso começar um trabalho de conscientização dentro das escolas com as crianças mostrando quais são as melhores práticas ambientais possíveis. Mostrar para elas exemplos de cidades conscientes, explicando que a cidade no qual ela vive ainda não é assim. A ideia é devolver a questão para ela e perguntar: O que a gente pode fazer para reverter isso? Nós precisamos ensinar desde cedo a população, para poderem identificar problemas e fazer parte da solução.

Imagem destaque: Um dos processos de incineração do lixo para transformação em matéria prima realizado pelo NPDEAS da UFPR. Foto: Marcos Solivan, ACS.

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