JERICOROA: A PRAIA DE ÁGUA DOCE EM TERESINA

Publicado originalmente em Portal Luneta. Para acessar, clique aqui.

Por: Alysson Dias, Ana Luiza Monteiro, Jéssica Carvalho, Nathalia Carvalho

Quando o nível das águas cai, o rio que separa estados vizinhos é o mesmo que une uma tradição. Situado nos bancos de areia do Rio Parnaíba, no perímetro urbano entre os municípios de Teresina, no Piauí, e Timon, no Maranhão, por anos o espaço que remete a um clima litorâneo tem sido o destino preferido dos que desejam aproveitar um fim de tarde rodeado por água doce e acompanhado de uma bela paisagem. Estamos falando da praia que se consolidou um dos pontos turísticos mais procurados no período mais seco do ano na capital piauiense, o Bar da Jericoroa.

Espaço do bar Jericoroa, no meio do Rio Parnaíba (foto: Alysson Dias)

O bar e restaurante oferece bebidas e comidas típicas do litoral, mas com alimentos naturais de água doce. Mas, para muito além do que se vê, ainda há muito o que explorar em 50 anos de existência do empreendimento. Nossa reportagem fez uma imersão nessa história e conta tudo a partir de agora.

Visão interna bar Jericoroa (foto: Alysson Dias)

Como surgiu a ideia do bar?

Apesar da imagem incomum, José Pinheiro, de 56 anos, mais conhecido como Zezinho, atual responsável pelo estabelecimento, conta que o empreendimento é uma tradição de família, iniciado com a mãe ainda na década de 80 e, agora, assumido por ele. Semianalfabeto, José trabalhava em um garimpo na região centro-oeste do país e veio sem muita expectativa para a capital piauiense. O nome do local homenageia o paradisíaco litoral da Jijoca de Jericoacoara, no Ceará, e foi assim batizado pelos próprios frequentadores

José Pinheiro, proprietário do Jericoroa (foto: Alysson Dias)

“Antes de mim, a minha mãe tomava conta daqui. Tudo começou por volta de 1989, quando ela decidiu deixar a cidade de Buriti Bravo e a necessidade a fez fazer disso aqui uma fonte de renda. Há 22 anos eu deixei o garimpo em Mato Grosso, vim para cá e comecei a cuidar do bar e gostei disso, achei que dava para sobreviver, na minha condição de semianalfabeto. Antes aqui era conhecido só como Barraca ou Bar de alguém, e em 2017 o nome Jericoacoara estava fazendo sucesso por aqui e eu resolvi trazer o nome pro bar e fiz o Jericoroa. É difícil? É. Muito trabalhoso, cidade grande, mas é recompensador. Trabalho com alegria, o público que temos é muito fiel. Acabei descobrindo que adoro trabalhar com gente”, afirma.

José Pinheiro (foto: Alysson Dias)

O dia a dia

José, sua esposa Keila e o filho pequeno levam uma vida dupla. Às 5 h, José já está na ativa, isso porque apesar de morarem no próprio bar, diariamente precisam se deslocar ao município de Timon, onde também possuem residência, para buscar mantimentos. O bar também não conta com energia elétrica, o que mantém o espaço ativo é um pequeno gerador de energia que necessita ser abastecido com 15 litros de gasolina.

Um outro ponto interessante é que o local só funciona por seis meses, já que com a chegada do período chuvoso é hora de retirar as mesas e desfazer a barraca, pois o nível do rio já ameaça subir.

“Eu moro aqui, eu e minha família, aqui mesmo na coroa, nesse lugarzinho aqui. Passamos seis meses do ano aqui, até quando começa o período chuvoso, porque o rio sobe e aí temos que ir pra nossa outra casa. A gente costuma dizer que é metade do ano trabalho e o restante de férias. Trabalha e vai guardando um pouquinho para comer no tempo que a formiguinha vai precisar se recolher. Não temos uma vida de luxo, o que ganhamos é apenas o necessário para sobreviver. A nossa principal dificuldade hoje é a falta de energia elétrica aqui no bar, já fizemos algumas solicitações à companhia de energia, mas dizem que não é possível porque alaga. A gente se vira com um gerador, que precisa ser abastecido com 15 litros de gasolina diariamente e ainda o gelo. Às vezes as pessoas não entendem, questionam os nossos preços, mas tudo isso aqui é um investimento.”, pontua.

Voltando no tempo

Seu José também relembra que o Jericoroa não era o único bar nas coroas do Parnaíba. Importante lembrar que em diversos pontos da extensão do rio teve história para contar, o lendário Vôlei Bar é um desses. Criado em 1980, o espaço resistiu até o início da década de 1990 e foi palco de diversos eventos esportivos e festivais de rock. Nossa reportagem também conversou com Chakal Pedreira, músico, artista e que conhece bem a história da cena punk em Teresina.

Durante a década de 80, na capital havia poucos lugares que atendiam a necessidade de grupos que buscavam esse tipo de entretenimento. De acordo com Chakal, por meio da demanda apresentada, as atividades do Vôlei Bar começaram a tomar forma.

Chakal Pedreira, músico e compositor (foto: reprodução/instagram)

“Acredito que a partir dessa necessidade, começou a surgir esses espaços como bares e o voleibol. A galera não se sentia integrada e criava seu programa. Tinha muito disso no tempo, a abertura de espaços e eventos organizados por conta própria”, destaca.

O espaço por muitos anos foi o destino principal dos jovens que simpatizavam com música, esporte e dança. Era o ponto no qual os artistas lançavam discos, realizavam apresentações de músicas autorais e cover; além do público interessado nos eventos esportivos. As atrações organizadas e idealizadas pelos frequentadores, reuniam multidões no centro do Rio Parnaíba. Com o passar dos anos, a localização sofreu algumas mudanças devido ao processo geográfico.

Formação das coroas

Quando uma grande quantidade de sedimentos fica acumulada ao longo do leito do rio, devido a baixa vazão, temos a formação das coroas. O professor de geografia da Universidade Federal do Piauí, Lucas Almeida, explica que todo e qualquer local onde a sociedade se instala algum impacto ocorrerá. E essa relação do homem com a natureza é o que chamamos de geossistema.

Lucas Almeida, geógrafo (foto: Ana Luiza Monteiro)

“O Rio Parnaíba em períodos de cheia, que aqui no estado do Piauí acontece entre os meses de novembro a março, acaba tendo uma maior quantidade de água e vazão. Assim, o rio tem mais força para carregar sedimentos que estão no seu leito. Em períodos menos chuvosos, principalmente nos meses de agosto até outubro, nós temos uma baixa vazão e pouca força para transportar esses sedimentos que acabam ficando acumulados no seu leito e formam as coroas”, explica.

Teresina é a única capital do Nordeste que não tem praia de água salgada, logo, são nas coroas do rio Parnaíba que a população busca esse momento de lazer e descontração. No entanto, o especialista chama atenção para a preservação ambiental. “É importante que haja placas nesses locais, como: “evite jogar lixo”, “despeje no local adequado”. Quando a água do rio subir ela levará consigo até o oceano todos os objetivos que tiverem sido jogados na coroa para o oceano formando as ilhas de lixo”, conclui.

O empresário Ney Brito é frequentador do bar Jericoroa há mais de 40 anos, quando o local ainda nem pertencia aos atuais donos. Ele ressalta que sua infância foi marcada por comemorações realizadas no local e destaca que Teresina, por meio de seus representantes, poderia se atentar na valorização e revitalização do espaço turístico.

Ney Brito, frequentador (foto: Alysson Dias)

“De todas as capitais do nordeste, a nossa é a única que não tem praia. Em outras cidades grandes do Brasil, há políticas de incentivo para esses espaços, proporcionando um atrativo para os visitantes”, ressaltou o frequentador.

Morador do centro de Teresina, conta que os residentes da zona Leste – região onde se concentra o maior número de opções de lazer na capital – olham para a Jericoroa com preconceito. Para ele, seguir com o legado de família é importante pois mostra a vontade de continuar com o ponto turístico. “Toda semana eu venho para assistir o pôr do sol e me desligar dos afazeres da cidade. É uma sensação de estar em paz”, frisou.

Questionado quanto a qualidade da estrutura, Ney Brito relata que deveria haver um incentivo das empresas de energia elétrica, tanto do Piauí quanto do Maranhão, já que o fornecimento é feito somente através de gerador. “O governo precisa criar um projeto para a orla do rio, pois é uma marca da nossa cidade e merece ser valorizada. Não podemos ficar atrás das outras capitais”, finalizou.

Cervejinha, areia nos pés e vento no rosto

Cervejinha, areia nos pés, vento no rosto e um belo pôr do sol são os principais atrativos, não dá para negar. Para quem deseja conhecer o Jericoroa, pode visitar em qualquer dia da semana, entre 6 h e 18 h. Quem prefere um ambiente mais tranquilo pode optar pelos dias úteis, já quem quiser um clima mais de fim de semana pode optar pelo sábado, domingo e feriado, onde geralmente acontece o maior fluxo de pessoas. O próprio dono do bar afirma que o espaço é regularizado e passa por constantes vistorias de órgãos de vigilância.

“Meio de semana o movimento é no máximo de 20 a 30 pessoas, mas aos fins de semana é muito mais cheio, já chegamos a ter 400 clientes em uma tarde, essas cadeiras ficam todas ocupadas e ainda gente em pé. Os órgãos públicos sempre vêm visitar, já tivemos a visita da Marinha que fez uma vistoria para avaliar se estamos atrapalhando a navegação, está tudo ok, corpo de bombeiros também sempre vem para dar uma checada, orientar, estamos todos regularizados”, assegura.

Como chegar

Mas, então, depois dessa baita viagem na história da Jericoroa ficou com vontade de conhecer esse local incrível? O ponto de encontro fica nas margens da Avenida Maranhão, Centro, ao lado do chamado Troca-Troca. A entrada do bar é gratuita, mas para se deslocar até lá é preciso ir de barco. O senhor Sebastião Carlos é quem toca esse empreendimento desde 1977. Ele transporta pessoas entre os estados do Maranhão e do Piauí por meio do rio Parnaíba em embarcações de madeira movidas por um motor. A passagem custa R$ 2,50 e, segundo Sebastião, cerca de 500 a 800 pessoas por dia usam o transporte alternativo. 

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