Pré-vestibulares sociais são espaços de preparação para a docência

Publicado originalmente em Jornal da Universidade por Maria Clara Centeno. Para acessar, clique aqui.

Educação | Estudantes de graduação e pós-graduação trabalham voluntariamente como docentes, conciliando obrigações acadêmicas com planejamento de aulas, preparo de materiais e realização de encontros

*Foto: Flávio Dutra/JU

Em 2017, Rafael Dora era vestibulando e queria cursar Engenharia Cartográfica. Para se preparar, frequentava o CEUE, pré-vestibular social da Escola de Engenharia. Ao longo da preparação, decidiu mudar sua opção de graduação para Licenciatura em Geografia, devido à vontade de ser professor e à influência de Artur Klassmann, um docente do CEUE da época que admirava. Ao relatar a intenção a esse professor, o vestibulando foi convidado para ministrar uma aula de geografia aos colegas. Ele conta que, apesar do nervosismo, gostou muito da experiência. Hoje, Rafael é graduando em Licenciatura em Geografia e docente da disciplina no CEUE. 

Assim como Rafael, diversos estudantes de graduação e pós-graduação dão aulas em cursos pré-vestibulares ligados à UFRGS. Nesses ambientes, a maior parte do corpo docente é formado por esses alunos, além de graduandos de outras universidades e profissionais formados. 

Os pré-vestibulares populares são cursos gratuitos ou de baixo custo em comparação a cursos privados. Eles buscam auxiliar, principalmente, egressos de escolas públicas e de baixa renda a ingressarem na universidade, explica Letícia Rodrigues, mestranda do Programa de Pós-graduação em Biologia Animal (PPGBAN) e professora de biologia no Projeto Educacional Alternativa Cidadã (PEAC), cujas atividades ocorrem no Câmpus do Vale. 

“Um espaço desses [pré-vestibular popular] faz uma transição entre escola e ensino superior. Nós conseguimos apresentar para eles não só o que vai cair no vestibular, mas mostrar que a universidade pública também é deles”, diz Guilherme Batistela, estudante de Licenciatura em Geografia e professor no pré-vestibular popular Liberato, ligado ao Departamento de Educação e Desenvolvimento Social (DEDS) da UFRGS. Para Rafael, a educação popular “é um instrumento de formação cidadã e de emancipação”.

Bruno Pontes e Igor Ponticelli (de touca) se preparam no PEAC – Projeto Educacional Alternativa Cidadã, no Câmpus do Vale da UFRGS, para o vestibular em Ciências da Computação; Julia Maciel Flores, para Arquitetura (Flávio Dutra/JU)
Semelhanças e diferenças

O CEUE, o PEAC e o Liberato são iniciativas apoiadas pela Universidade. Ainda que todos prezem pelo ideal da educação popular, cada um possui uma lógica de funcionamento singular – assim como os processos seletivos para ingresso nesses cursos, que são independentes entre si.

Rafael explica que o CEUE se identifica como um “pré-vestibular social”, e não popular. Isso ocorre pois há cobrança de mensalidade – atualmente R$ 70 – , diferente de um curso popular, que é totalmente gratuito. São oferecidas bolsas integrais de monitoria, ou seja, para alunos que auxiliam o professor, e de renda, para egressos de escolas públicas e bolsistas de instituições particulares, com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo por pessoa do grupo familiar. O PEAC cobra um valor de R$ 350 na matrícula, mas diz que, caso o aluno não consiga arcar com os custos, deve se inscrever e conversar com a equipe do projeto.

O Liberato e o Educamed – projeto vinculado à Faculdade de Medicina cujos professores são discentes de graduação e pós-graduação da UFRGS – são gratuitos. No caso do Liberato, ainda há a reserva de 50% das vagas para estudantes do terceiro ano, familiares e ex-alunos da Escola Municipal de Educação Básica Doutor Liberato Salzano Vieira da Cunha, no bairro Sarandi, em Porto Alegre, parceira do projeto.

Uma similaridade entre os projetos é o problema da evasão. Integrante da coordenação do Educamed e estudante de Licenciatura em Pedagogia, Luísa Grando Orfali destaca que, das 90 vagas ocupadas no início do ano, apenas 30 alunos seguem ativos em junho. Essa mesma questão também é observada no curso Liberato: dos 100 estudantes que iniciaram o curso, por volta de 80 continuam acompanhando, diz Guilherme.

Com a pandemia, os cursinhos tiveram que se adaptar ao formato remoto. O Liberato, que antes tinha aulas presenciais na escola parceira, agora possui atividades virtuais. O Educamed e o CEUE também estão realizando suas atividades na modalidade ensino remoto. No caso do CEUE, Rafael diz que, para o próximo ano, as aulas voltarão a ocorrer presencialmente, estando em discussão a possibilidade de se manter turmas EAD para os alunos que tiverem essa demanda. Já o PEAC está com aulas presenciais – que acontecem no Câmpus do Vale – , além de continuar tendo uma turma na modalidade remota.

Estudantes-professores

O trabalho é voluntário no Educamed, no PEAC e no Liberato, com possibilidade de converter as horas trabalhadas em créditos complementares; já o CEUE remunera os professores. Mas os cursinhos também são espaços de formação na carreira docente. Rafael, por exemplo, conta que teve a primeira oportunidade de ser professor no CEUE – como ele trabalha durante o dia, não consegue participar de atividades como bolsas de iniciação à docência. “Se não fosse o cursinho popular, eu só teria contato com a sala de aula nos estágios curriculares, que ocorrem a partir do 6.º semestre”, explica. 

Guilherme também teve seu primeiro contato com a docência no Liberato, onde leciona desde 2020. Ele destaca que lidar constantemente com a imprevisibilidade da sala de aula é um ponto fundamental para a formação como docente: “No início, eu queria planejar cada fala minha, e não é assim que funciona”. 

Voluntária do PEAC, Letícia diz que os estágios obrigatórios da Licenciatura em Ciências Biológicas são curtos, enquanto no PEAC é possível acompanhar os alunos por mais tempo. Além disso, é o pré-vestibular popular que permite que ela continue em contato com a docência. “Depois do mestrado, pretendo trabalhar em sala de aula. Com certeza, vou aplicar muitas coisas que estou aprendendo”, comenta. 

Nas imagens acima e na capa, estudantes assistem aula presencial de literatura no PEAC (Foto: Flávio Dutra/JU)

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