Vozes da diversidade ecoam no jornalismo feito sobre, para e a partir das periferias e favelas brasileiras

Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.

Juliana Freire Bezerra
Doutoranda do PPGJOR UFSC e pesquisadora do Objethos

O Dia da Imprensa aconteceu na última quarta-feira (01/06). Em alusão à essa data comemorativa, o relatório Diversidade, Equidade e Inclusão: “devemos passar do discurso à ação” foi lançado pelo observatório de informação Media TalksO documento é formado por um conjunto de artigos e entrevistas que discutem práticas concretas de incentivo à diversidade na mídia e como elas podem ser melhoradas, bem como as consequências da falta de pluralidade de visões e opiniões na indústria da comunicação. Especialistas e jornalistas de várias partes do mundo, incluindo o Brasil, foram ouvidos quanto a essa questão.

A jornalista brasileira radicada em Londres e uma das organizadoras do Relatório, Luciana Gurgel (2022, s/p.), explica que a diversidade não é “uma causa que interessa apenas a profissionais de imprensa em busca de oportunidades iguais às de colegas que não fazem parte de grupos minoritários ou historicamente marginalizados na profissão”. Embora esta por si só já seja uma grande questão, a discussão sobre a diversidade compreende também que a qualidade e a pluralidade das informações jornalísticas podem ser maiores ou menores, a depender de quem esteja ocupando os cargos de repórter, fotógrafo, editor, chefia (GURGEL, 2022).

É que, segundo os parâmetros internacionais aprovados pela Unesco em 2005, ações concretas de diversidade na mídia buscam representar a heterogeneidade humana, contidas no pensamento, na cultura, na fala de grupos sociais historicamente silenciados, como as mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência, imigrantes, maiores de cinquenta anos, LGBTQIA+ (GURGEL, 2022). No caso específico do jornalismo, ela pode incidir nas escolhas de outras pautas investigadas, fontes consultadas, formas de apuração, bem como em novas estratégias de apresentação e socialização de informações, que sejam próximas e condizentes com as realidades vivenciadas por aquelas populações.

Embora seja um valioso instrumento nesta direção, uma sólida formação sobre as contradições sociais, em que sejam desenvolvidas também a empatia e a escuta atenta, não pode ser o único caminho percorrido pelo jornalismo para a visibilização de vozes e saberes pouco escutados. Esta questão levantada pelo professor e pesquisador da Universidade Carlos III de Madri, Luis Albornoz, em uma das entrevistas contidas no Relatório do Media Talks, lembra-nos que a diversidade abarca uma discussão já antiga em torno do direito das cidadãs e dos cidadãos de não apenas serem informadas (os), mas também de poderem comunicar suas versões da História. Se nas décadas de 1970 e 1980, a tônica deste debate se dava em torno da democratização dos meios de comunicação social (RAMOS, 2005), hoje compreende também a democratização do acesso aos cargos de decisão de grande parte da mídia, que continua preponderantemente concentrada nas mãos de poucos, em geral de homens brancos da elite econômica.

No contexto brasileiro, o assunto tem repercutido na imprensa tradicional – após pressões sociais -, mas ainda de forma tímida. Concretiza-se nos poucos casos de contratação de profissionais negros nas redações, na inserção de algumas mulheres entre vários homens em uma equipe de decisão do jornal, na busca por ouvir de vez em quando fontes especialistas que comumente não eram consultadas no noticiário televisivo, nos espaços e tempos conferidos a falas mais plurais.

Não por acaso, é justamente na práxis dos jornalismos desvinculados da imprensa tradicional e gestados por uma equipe dirigente com outro perfil, que as possibilidades de associar Direito ao Trabalho e Direito à Comunicação, tão caros à temática da diversidade, acontecem de forma mais robusta no país.  Em especial, destaca-se no Brasil o trabalho desenvolvido pelo jornalismo profissional feito sobre, para e a partir das periferias e favelas brasileiras. Tendo alcançando certa sustentabilidade financeira para remunerar seus profissionais e assumindo como critério fundamental a contratação de pessoas provenientes das periferias e favelas brasileiras, parte deste jornalismo insere no mercado de trabalho grupos que historicamente encontram barreiras discriminatórias para acessá-lo. Fortalecem este movimento em torno da diversidade nas redações as iniciativas jornalísticas Voz das ComunidadesNós, mulheres da PeriferiaDesenrola e não me enrolaPeriferia em MovimentoFavela em Pauta,  Alma PretaAmazonia RealAgência Mural.

Das mãos e das mentes dos (as) Sujeitos (as) Periféricos (as) e Favelados (as) (pessoas negras, indígenas, brancas, jovens e experientes, femininas e masculinas), que dirigem, coordenam e produzem esse jornalismo, nascem histórias pouco contadas sobre as periferias e favelas brasileiras. Com o olhar apurado e sensível de um (a) morador (a) favelado (a) e/ou periférico (a), os (as) jornalistas destas iniciativas revelam que aquelas realidades não se resumem à violência, à pobreza e ao tráfico de drogas como historicamente foram retratadas. Visibilizando pautas, personagens, fontes, que até então eram desconhecidas publicamente, geram conhecimentos plurais sobre os diversos Brasis existentes no nosso país e mostram que a cultura periférica e favelada é pura potência, dinâmica em termos econômicos, intelectuais, políticos, artísticos. Faz parte do compromisso histórico deste jornalismo também denunciar a ausência e os desmandos do Estado nestas realidades. Complexificando e por muitas vezes corrigindo a imprensa comercial, por conhecerem intimamente as realidades sociais a que se reportam, iniciativas com esse perfil se aproximam dos preceitos e princípios estabelecidos pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, como a defesa dos Direitos Humanos. Ciente da relação entre a diversidade da força produtiva e a qualidade dos produtos jornalísticos, a Agência Mural de Jornalismo das Periferias, em São Paulo, disponibiliza em seu site uma declaração sobre essa questão.

“Nossa rede de correspondentes comunitários é formada por dezenas de comunicadores que moram ou cresceram em bairros de 36 distritos e em 17 cidades da região metropolitana de São Paulo. Temos entre 18 e 60 anos e somos de diferentes credos e religiões, etnias e raças, gênero e orientação sexual, além de possuirmos formação em várias áreas — jornalismo, publicidade, secretariado, economia, entre outros. Como uma agência de jornalismo, a diversidade em nossa redação colabora para que a nossa apuração e produção jornalística considerem, respeitem e promovam a pluralidade de visões de mundo que constrói a identidade das periferias paulistanas. Como moradores de lugares onde os índices de desenvolvimento humanos (IDH) são baixos, buscamos expor realidades além das violências sofridas — habitualmente exploradas na imprensa tradicional — e contar histórias a partir de perspectivas que não são consideradas oficiais: a dos cidadãos (residentes nas localidades onde o correspondente também mora)”

Redações diversas como essa, com cargos de decisões ocupados por pessoas que historicamente estiveram fora deles por motivações racistas, homofóbicas ou de discriminação de gênero, classe e/ou território, têm, portanto, a potencialidade de gerar cumulativamente versões múltiplas, e não únicas, sobre o que ocorre no mundo. E embora seja válido o argumento de que não há como garantir no plano individual que, ao ocupar um cargo de poder, alguém detentor de uma característica específica – seja quem for – irá caminhar no sentido do aprofundamento democrático, é certo que, coletivamente, as chances de redações diversas e inclusivas contribuírem na prática para o avanço do aprendizado social acerca das lutas por cidadania são altíssimas. O jornalismo feito sobre, para e a partir das periferias e favelas brasileiras tem escancarado isto e ao que parece a imprensa tradicional brasileira tem muito a aprender com ele.

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