Voto eletrônico e sistema eleitoral, uma pauta constante no mercado da desinformação

Artigo por Ana Regina Rêgo. Também disponível em Jornal O Dia e Portal Acesse Piauí.

Durante a realização do primeiro turno eleitoral no Brasil neste outubro de 2022, as Forças Armadas participaram da eleição também como observadoras do processo de votação eletrônica. Digo também, porque o exército já tem um papel definido no pleito que é o de garantir junto com as polícias, a segurança dos eleitores e a pacificidade do pleito. 

A fiscalização do sistema de votação eletrônica por parte das Forças Armadas, ao que parece, não encontrou nenhuma irregularidade, contudo, o Senhor Presidente e candidato à reeleição pelo PL, não autorizou a divulgação dos resultados do Relatório de fiscalização por parte do Ministério da Justiça. Tal informação foi repassada ao Jornal O Globo por 3 generais, sendo que dois deles pertencem ao alto comando do exército. Esta informação pode ser conferida em https://oglobo.globo.com/blogs/malu-gaspar/post/2022/10/bolsonaro-segura-relatorio-sobre-urnas-apos-militares-nao-encontrarem-fraudes.ghtml

Os ataques às urnas eletrônicas tem sido uma temática recorrente no discurso de Jair Bolsonaro já há algum tempo. Em setembro de 2018, durante o pleito daquele ano, o então candidato postou em suas contas nas redes sociais um vídeo criticando as urnas e trazendo afirmações, sem nenhum fundamento factual, de que poderia perder as eleições porque as máquinas eram fraudulentas. O vídeo ficou no ar por cerca de 30 dias e circulou em grande velocidade pelos canais de desinformação estrategicamente montados para divulgar narrativas falsas que pudessem sensibilizar o povo brasileiro em favor de Bolsonaro. Estratégia similar, porém potencializada, tem sido adotada em 2022.

Os ataques ao Sistema Eleitoral brasileiro tem sido uma constante tanto nas falas do presidente como de seus aliados. Em março de 2021, em viagem aos Estados Unidos, Bolsonaro afirmou que se não fossem urnas fraudulentas teria vencido no primeiro turno e como sempre o faz, não apresentou nenhuma prova.  Ainda em 2021 uma série de estratégias comunicacionais foram adotadas para descredibilizar o Sistema Eleitoral e o voto eletrônico, assim como, colocar em suspeição as Instituições máximas do Judiciário brasileiro como Supremo Tribunal Federal-STF e Tribunal Superior Eleitoral-TSE. O general Walter Braga Netto, então Ministro da Defesa, terminou ampliando a voz de Bolsonaro ao afirmar que não haveria eleições em 2022 se o voto impresso não fosse implantado. Em seguida Arthur Lira, presidente da Câmara Federal pôs em curso a votação da PEC 135/2019 de autoria da deputada Bia Kicis que tornaria obrigatório o voto impresso e que terminou sendo derrotada na Câmara em agosto de 2021. Todavia, tal fato não enterrou a temática e tanto o presidente Bolsonaro como seus aliados continuam investindo nos questionamentos ao voto eletrônico.

Durante o primeiro turno das eleições deste ano a temática se fez presente nas falas de Bolsonaro e de seus aliados que procuravam descredibilizar o Sistema eleitoral, preparando sua militância para reagir, caso a eleição fosse liquidada no dia 02 de outubro. Como a eleição do Lula em primeiro turno não se confirmou e houve um crescimento do número de votos em Bolsonaro, o presidente e seus aliados deram breve uma trégua nos ataques às urnas eletrônicas, contudo, com a publicação das primeiras pesquisas voltadas para o segundo turno. a temática voltou a se fazer presente tanto das falas de Bolsonaro, como nos vídeos gravados por seus aliados. 

Uma pesquisa realizada pela Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas ( DAPP-FGV) através do Projeto Democracia Digital e publicada nos primeiros meses do corrente ano, analisou 394.370 postagens que continham referências a fraude nas urnas eletrônicas e/ou voto impresso e que foram publicadas por 27.840 contas, entre páginas, perfis pessoais e grupos públicos no Facebook. Segundo o relatório da pesquisa essas quase 400 mil postagens tiveram 111.748.309 interações.

Vale destacar que a Pesquisa da DAPP/FGV foi realizada ao longo de 15 meses de observação, especificamente entre novembro de 2020 e janeiro de 2022. 

Dentre as quase 28 mil contas que produziram e/ou propagaram desinformação sobre o sistema de votação eletrônico, doze contas se destacam pelo potencial de alcance e engajamento dentro do Facebook. Essas doze contas tiveram um volume de interações maior do que 1 milhão cada. A maior parte dos desinformadores com grande poder de repercussão detectados pela pesquisa,  eram representantes  eleitos, incluindo o próprio presidente Jair Bolsonaro, mas a campeã de postagens foi a deputada federal Carla Zambelli ( PSL-SP) que publicou no período, 1.576 posts com desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro, o que lhe rendeu 7.961.826 interações, e que dá uma média de 5.051 interações por postagem. 

Outros políticos também tiveram uma grande performance desinformativa e obtiveram um grande engajamento mesmo com um número de postagem inferior, tais como a deputada Bia Kicis (PSL-DF) muito conhecida dos jornalistas/checadores pela prática da desinformação durante a pandemia, como também Filipe Barros (PSL-PR). De acordo com os resultados da pesquisa, os dois publicaram respectivamente, 256 e 261 posts com desinformação eleitoral e obtiveram, Bia Kicis, 6.855.975 interações e Filipe Barros, 4.884.829 interações, o que revela que Bia Kicis teve uma média de 26.781 interações por postagem, ao passo que Filipe Barros obteve 18.715 interações por cada post com desinformação sobre temática analisada na pesquisa.  

Bolsonaro também se destaca, mesmo com apenas 42 postagens no período observado, atingiu um volume de 3.878.011 interações, o que dá uma média de 92.333 interações por publicação.

Carla Zambelli, Bia Kicis e Filipe Barros foram reeleitos entre os parlamentares mais bem votados, o que significa que a prática criminosa da desinformação no Brasil, além de não ser punida a contento, é recompensadora para a quem a pratica. 

O relatório destaca que “ao todo, 23 contas postaram mais de mil vezes sobre temas relacionados à desconfiança eleitoral dentro do Facebook.  A figura de Jair Bolsonaro é referência_ em apoio ou oposição_ a todas essas páginas e grupos públicos, com destaque para o “Movimento Brasil”, com 11.656 posts, e Bolsonaro 2022, com 7.413 publicações”.

O relatório aponta ainda que cerca de 40 postagens que falavam de fraude nas urnas se tornaram as mais populares, gerando sozinhas, um engajamento da ordem de 6.809.193. Vale destacar, que das 20 primeiras mensagens, 13 ou seja,  32,5% são da própria página de Jair Bolsonaro. Estes 13 posts de Bolsonaro sozinhos atraíram metade das interações o que configura um volume de 3.227.981 (47%) ao todo. 

Por outro lado, mais de 130 mil postagens que continham links internos e externos ao Facebook representaram 23,9% do engajamento. Segundo o relatório da pesquisa intitulada Desinformação on-line e contestação das eleições, essas postagens estiveram em circulação por até 435 dias. 

Vale, portanto, parar e pensar que a desinformação é um mal que se espalha pelas mentes dos brasileiros, confundindo grande parte do eleitorado que termina votando não somente em seus opressores, mas ratificando a prática da desinformação na política. Para ter acesso a todo o relatório entre em  https://democraciadigital.dapp.fgv.br/estudos/desinformacao-on-line-e-contestacao-das-eleicoes/.

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