Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.
Imagem: Divulgação Netflix
Muito tem se falado sobre “O Golpista do Tinder”, o novo documentário da Netflix sobre Simon Leviev, homem acusado de usar o aplicativo de namoro para extorquir mulheres em diversos países. Além dessa produção, a plataforma de streaming também disponibilizou recentemente a minissérie “Mestres da Enganação”, sobre Robert Freegard, um golpista que fingia ser espião britânico e usava essa falsa identidade para enganar e sequestrar, e deve lançar nos próximos dias “Inventando Anna”, que retrata a vida da impostora Anna Sorokin.
Com tantos lançamentos sobre um mesmo tema, é comum encontrarmos, nas redes sociais,espectadores ridicularizando as vítimas das fraudes. “Eu não cairia numa ladainha dessas”, “Como essas mulheres podem ser tão burras?” ou ainda “Impossível que não tenham desconfiado, aposto que estavam gostando” são algumas das frases mais comuns. Aqui mesmo, nesta Folha, há comentários de leitores chamando as mulheres de “ingênuas” por terem sido enganadas.
A vulnerabilidade de quem caiu numa engenhosa armadilha acaba chamando mais a atenção do que a postura dos farsantes. Essa revitimização às vezes ocorre de forma pública, como o próprio filme “O Golpista do Tinder” mostra: ao denunciarem o charlatão para a imprensa norueguesa, as mulheres por ele ludibriadas foram obrigadas a ler inúmeros comentários difamatórios nas mídias sociais.
Falta empatia, claro. Ninguém cai num golpe porque quer. Ninguém perde centenas de milhares de dólares ou euros, como no caso dessas mulheres, porque quer. E elas não são poucas: no primeiro semestre de 2021, o FBI recebeu mais de 1.800 denúncias de falsos romances online nos Estados Unidos, o que resultou na perda de mais de 133 milhões de dólares.
Afirmar que ninguém é vítima de um crime porque deseja isso para si mesmo é óbvio, mas vivemos tempos em que o óbvio precisa ser repetido estratégica e incessantemente. Mas o que não parece tão óbvio assim é que estamos nos autorreferenciando como invencíveis e intransponíveis ao julgarmos a fragilidade alheia. A ideia de que somos menos vulneráveis é utópica e um tanto arrogante – quase uma “egotrip”.
Isso porque é quase impossível estarmos alerta o tempo inteiro em meio a rotinas estressantes, permeadas pelo excesso de informação que já faz parte da realidade conectada. Além disso, há uma infinidade de tipos diferentes de golpes e a cada dia surgem novos. Enquanto você lê esse artigo, estão surgindo mais modalidades das quais só teremos notícias nos próximos meses, quando se difundirem e virarem pauta na imprensa. Estelionato emocional, catfishing, falso namoro e sextorsão são apenas alguns dos tipos que atingem mais mulheres do que homens. De acordo com a empresa de segurança digital PSafe, uma em cada cinco brasileiras já foi vítima de fraude online. Mas os homens não estão imunes: é só lembrar do caso do italiano que, durante 15 anos, foi enganado por uma mulher que se passava pela modelo brasileira Alessandra Ambrosio. Ele perdeu cerca de 700 mil euros.
Ademais, crimes que envolvem transações bancárias, como golpe do pix, sequestros digitais, vazamento de dados e clonagem de cartão provam que qualquer pessoa está suscetível a perder dinheiro. Um caso clássico é o do psicólogo e professor Stephen Greenspan, que em 2008 publicou o livro “Annals of Gullibility: Why We Get Duped and How to Avoid It” (algo como “Anais da credulidade: por que somos enganados e como evitar”). Pouco tempo depois, ele descobriu ter sido vítima do esquema de pirâmide de Bernard Madoff.
É preciso um tanto de humildade em assumir que do outro lado da tela pode ter alguém mais esperto do que você, fazendo um uso da tecnologia que até então você desconhecia. Buscar informações sobre segurança nas redes, reciclando o que já se sabe, é fundamental. Diversas entidades, como a SaferNet Brasil e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), trabalham com isso, produzindo conteúdo e participando de campanhas mundiais de conscientização, como é o caso do Dia da Internet Segura, comemorado neste ano em 8 de fevereiro.
Proteger perfis, contas e dispositivos é muito importante, assim como praticar o ceticismo saudável diante de certas situações e a análise crítica e a leitura lateral de informações. Tudo isso nos ajuda a identificar nossas próprias fragilidades e a desconfiar de oportunidades boas demais para serem reais, sem tirar do horizonte a consciência de não julgarmos as vítimas. Afinal, podemos ser as próximas.
*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta