Religioso que rezou com Bolsonaro e clama por golpe militar é padre católico romano

Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Magali Cunha. Para acessar, clique aqui.

Um padre foi destaque nas mídias de notícias em 12 de dezembro passado. Nesse dia, o religioso conduziu um momento de oração na frente do Palácio Alvorada, onde estava o atual presidente da República Jair Bolsonaro e apoiadores que não aceitam a derrota da reeleição nas urnas e demandam um golpe militar. O evento ocorreu no dia da diplomação, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de Luis Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, respectivamente presidente e do vice-presidente da República eleitos em outubro passado

Vídeos e postagens de mídias sociais, inclusive as do próprio presidente Bolsonaro, mostram o padre ajoelhado diante do presidente, pedindo coragem aos militares dos quadros do governo federal para impedirem “um bandido safado” de comandar o país. 

Pessoas em uma praça

Descrição gerada automaticamente
Imagem: reprodução de vídeo publicado no perfil de Jair Messias Bolsonaro no Facebook

No discurso entremeado de orações, além de comparar Bolsonaro ao evangelista João Batista por “pregar no deserto”, o padre clamou: “Abençoai, Senhor, por estes dias de angústia e sobretudo o futuro da nossa Nação… O povo brasileiro, por 14 anos, foi roubado e estuprado por uma organização criminosa…. Abençoai, Senhor, o nosso capitão. Abençoai cada soldado da pátria, que aprendeu nas escolas que o filho não foge à luta… Aprendeu nas escolas que é independência ou morte. Nós confiamos no Bolsonaro”. 

Dirigindo-se ao presidente, o religioso proferiu: “Deus disse, vai lutar, eu estou com você… Pelo amor que o Senhor tem em Deus, não decepcione estas crianças”. 

Imagem: reprodução do Twitter

Vestido de forma tradicional, com batina e capelo, o religioso convocou quem está ao lado do presidente para “lutar com todas as forças e alma para que o nosso Brasil seja livre, independente”. 

Cada frase dita pelo padre era repetida pelas pessoas presentes. “Bolsonaro, eu estou aqui, o senhor me representa! Abençoai, Senhor, as nossas Forças Armadas, abençoai nossos soldados, oficiais, praças, suas famílias, dai coragem a eles e inteligência para que nunca prestem continência para um bandido safado”, gritava o sacerdote. 

O padre, que também rezou uma Ave Maria e um Pai Nosso, abençoou o Bolsonaro por não ter obrigado as pessoas a tomarem vacinas contra a covid-19. Nos agradecimentos, ele incluiu a eleição de bolsonaristas para diversos cargos em outubro e disse que “o povo brasileiro quer dizer, democraticamente, que não quer ser roubado”.

Os registros em vídeo mostram que Bolsonaro acompanhou em silêncio o religioso, que, ao final de sua intervenção, convocou apoiadores a prestarem continência ao presidente, e se declarou um “soldado da pátria”.

Padre ou um falso religioso?

Matérias na imprensa divulgaram o evento. Algumas delas mantiveram o padre anônimo, outras o identificaram como Genésio Lamounier Ramos, da Diocese de Anápolis (GO), da Igreja Católica.

Imagem: reprodução da Folha de S. Paulo

Imagem: Matéria publicada pela Folha de S. Paulo em 12 dez 2022 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/12/bolsonaro-faz-oracao-com-criancas-e-padre-apos-diplomacao-de-lula.shtml 

Imagem: reprodução do site da revista Veja

Ao acompanhar o caso, Bereia observou que comentários de leitores nas matérias jornalísticas e algumas publicações em mídias sociais questionavam a identidade do religioso ou afirmavam que ele seria um falso padre.

Imagem: reprodução de site da Folha de S. Paulo
Imagem: reprodução do Twitter
Imagem: reprodução do Twitter

Bereia fez contato com a Diocese de Anápolis para checar se Genésio Ramos é padre e se está vinculado à diocese e obteve a seguinte resposta por texto: “Sim. Ele é incardinado na Diocese de Anápolis”. 

A incardinação está prevista no Código de Direito Canônico da Igreja Católica, Cânones 265-272, e se refere à situação de um membro do clero (sacerdote ou diácono) é são colocado sob a jurisdição de um determinado bispo ou superiores eclesiásticos. 

Em consulta ao website da Diocese de Anápolis, sob a jurisdição do bispo Dom João Wilk, é possível ver o nome do Padre Genésio Lamunier Ramos, 48 anos, entre os clérigos, com o registro de sua ordenação como sacerdote, em 13 de maio de 2005, de ser residente na diocese e, atualmente, Administrador Paroquial da paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus, Terezópolis (GO).

Antigo apoiador de Jair Bolsonaro

Matérias jornalísticas posteriores ao evento de 12 de dezembro, no Palácio Alvorada, ofereceram mais detalhes sobre a atuação política do padre Genésio Ramos. Apurações mostram que ele já era conhecido entre bolsonaristas e em mídias que publicam materiais em favor do presidente da República, atuando como militante desde 2018, tendo sido “curado do PT”, como afirma nestes espaços. 

Naquelas eleições, circulou um áudio atribuído a Genésio Ramos, no qual ele ataca outro padre, Marcelo Rossi, depois que o religioso desmentiu que seria eleitor de Bolsonaro. Ramos teria chamado Rossi de funcionário da Rede Globo. Na época, uma gravação falsa divulgava uma fala de Marcelo Rossi em defesa do atual presidente, com críticas à esquerda. Esta gravação ainda circula periodicamente em espaços religiosos e já foi checada pelo Bereia.

Imagem: Ex-deputado estadual Delegado Francischini divulga em seu perfil no Facebook, em 2018, apoio ao padre Genésio Ramos à campanha de Jair Bolsonaro e a confusão entre o religioso e o Padre Marcelo Ramos 

Em outubro de 2022, foi divulgado um áudio do padre Genésio Ramos no qual ele afirmava que Deus desaprovava eleitores de Lula e pedia a excomunhão deles, com base em conteúdo desinformativo que atribui crimes ao PT: “Aquela pessoa que colaborou (com o pecado) é responsável por cada um deles. E quando chegar no tribunal de Deus vai falar ‘nunca matei e nem roubei’. Matou e roubou sim, matou crianças muito pequenas. Roubou sim, ajudou o seu país a ser assaltado. Você é responsável”.

Em 13 de dezembro, um dia depois da oração no Palácio Alvorada, ele gravou um vídeo que circulou amplamente na rede digital bolsonarista em que diz: “Todos aqueles, não só caminhoneiros, empresários, todo mundo que puder parar o Brasil e vir para as manifestações, agora é a hora”. 

O vídeo foi gravado em uma das bases de articulações antidemocráticas, na frente do Quartel General em Brasília, na denominada “Tenda Católica”. A gravação ocorreu horas depois dos atos de vandalismo ocorridos na capital, em protesto contra a diplomação de Lula e Alckmin no TSE. 

“Nos grupos, peçam que venham para Brasília, que venham para o QG. Padre, e se for muita gente? Se for tanta gente, que o QG derrame. Ocupemos todas as ruas de Brasília, o recado está dado. Fomos lá, motivamos o presidente, demos a ele alegria e ele nos deu também”, prosseguiu o padre Ramos na gravação.

Para o padre da Diocese de Anápolis (GO), as Forças Armadas são “última linha de defesa entre o comunismo e a sociedade de bem” para “colocar bandidos na cadeia”. “Se eu, padre, tiver que pedir bênção para bandido para viver no meu país, eu prefiro a morte”, afirmou na publicação em vídeo que ainda circula na internet.

Imagem: Vídeo com a convocação do padre Genésio Ramos, publicado em 13 de dezembro em perfil no Twitter

Um abaixo-assinado, intitulado “Carta Aberta ao bispo de Anápolis Dom Frei João Wilk”, de “cristãos de todos os cantos do Brasil”, com denúncias sobre a postura do padre Genésio Ramos, tem circulado na internet desde 15 de dezembro. A carta alega que o sacerdote faz uso de “aleivosias e mentiras explícitas, enganando, ludibriando e, pior, se utilizando da alto figura  sacerdotal, para estimular  pessoas  ao ódio, papel diverso e absolutamente contrário aos ditames fundantes e basilares do cristianismo” e pede que ele seja disciplinado. Veja a íntegra do documento

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Com base na pesquisa, Bereia classifica como verdadeiras as postagens e matérias jornalísticas que reconhecem Genésio Laurentino Ramos como padre católico romano, vinculado à Diocese de Anápolis (GO). O sacerdote é apoiador do presidente Jair Bolsonaro desde a campanha de 2018 e milita nas articulações antidemocráticas que demandam um golpe militar, depois da derrota do atual presidente nas eleições de outubro de 2022.

Referências de checagem:

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/12/bolsonaro-faz-oracao-com-criancas-e-padre-apos-diplomacao-de-lula.shtml  . Acesso em 18 dez 2022

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/12/padre-que-rezou-com-bolsonaro-incita-atos-antidemocraticos.shtml  Acesso em 18 dez 2022

Veja, https://veja.abril.com.br/coluna/radar/no-alvorada-padre-se-ajoelha-diante-de-bolsonaro-e-faz-discurso-golpista/  Acesso em 18 dez 2022

Código de Direito Canônico da Igreja Católica,  https://bit.ly/3jTIAT4   Acesso em 18 dez 2022

Diocese de Anápolis (GO) , https://www.diocesedeanapolis.org.br/clerigo/pe-genesio-lamunier-roams  Acesso em 18 dez 2022

Metrópoles, https://www.metropoles.com/brasil/padre-que-orou-para-bolsonaro-defendeu-excomunhao-de-quem-vota-em-lula  Acesso em 18 dez 2022

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Foto de capa: reprodução do Facebook

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