Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio por Bruno Roberto. Para acessar, clique aqui.
O Pokémon Go, jogo feito para smartphones, fez sucesso mundialmente em 2016 ao utilizar a tecnologia de Realidade Aumentada (RA). Diferentemente da Realidade Virtual, cujo usuário é levado para um universo digital, a RA faz o inverso, insere o fictício no mundo real. No caso do Pokémon Go, é possível ver as criaturas do jogo em lugares reais capturados pela câmera do celular. Entretanto não é apenas no mundo dos games que essa tecnologia tem utilidade. A Realidade Aumentada pode ser uma aliada no contexto educacional, principalmente com conteúdos abstratos.
A utilização da tecnologia no processo de ensino-aprendizagem foi o ponto de partida da dissertação Uso da Realidade Aumentada no Ensino Médio: um estudo de caso aplicado às Ciências Exatas contextualizado ao ciclo de queimadas na Amazônia, apresentada no Programa de Pós-Graduação de Ciências da Computação (PPGCC/ICEN) da Universidade Federal do Pará, de autoria da engenheira de computação Sara das Mercês Silva. O estudo faz parte do Projeto Meninas Paidéguas.
Nesse estudo, um software de Realidade Aumentada foi desenvolvido, o CiênciAR. Ele pode ser acessado tanto em dispositivos móveis quanto em computadores, no site criado para divulgar informações da pesquisa. O CiênciAR apresenta três módulos (Química, Física e Matemática) com textos explicativos, imagens em 2D e em RA. Ao final do processo, é possível responder a um quiz sobre o assunto ministrado. O objetivo é contribuir para um ensino participativo e atraente para os alunos do ensino médio e contextualizado com a realidade deles.
No Enem, as disciplinas são o “calcanhar de Aquiles”
A escolha pelas Ciências Exatas na pesquisa, orientada pelos professores Josivaldo de Souza Araújo e Fabíola Oliveira Pantoja Araújo, foi feita com base na dificuldade dos estudantes nessa área. De acordo com a dissertação, Física, Química e Biologia são as matérias com os piores desempenhos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), e 68,1% dos alunos brasileiros de 15 anos não possuem conhecimento básico em Matemática (Pisa/2018).
A dissertação abordou as disciplinas de uma forma contextualizada com o ciclo de queimadas da Amazônia. Dados da pesquisa indicam que o Pará foi o estado que mais desmatou a Amazônia brasileira, sendo responsável por 42% do desmatamento (Imazon/2020). “Nós moramos na Amazônia, estamos inseridos nesse contexto ambiental e ele precisa ser debatido em sala de aula”, explica Sara das Mercês.
Para combinar os assuntos de Física, Química e Matemática com a proposta ambiental, foi utilizado o método de sequência didática, que ensina um determinado conteúdo por etapas, a partir de um tema geral. “Na primeira etapa da sequência, trabalhamos o desmatamento por meio da Física. Na segunda, as queimadas, pela Matemática. Na última etapa, usamos a Química para falar sobre as consequências. Além disso, foi escolhida a abordagem Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA), pois ela abrange esses temas de uma maneira mais atrativa para os alunos’’, detalha a engenheira.
O enfoque do projeto foi no ensino médio, porém a Realidade Aumentada pode ser aplicada do ensino infantil ao superior, em qualquer disciplina. Vale ressaltar que a RA ajuda na aprendizagem de conteúdos abstratos, pois facilita a sua visualização. Na Matemática, por exemplo, seria possível ver figuras geométricas em 3D por meio da câmera de um dispositivo. No caso da pesquisa, dentro do módulo de Química, há uma maquete, modelada em 3D, de uma floresta queimada e a representação ilustrada da produção e liberação de gases na natureza.
CiênciAR recebeu avaliação positiva dos especialistas
Para avaliar o CiênciAR, oito especialistas (professores) responderam a questionários antes e depois de testarem o software. A partir disso, concluiu-se que os resultados são positivos. Mais de 85% dos especialistas concordam que o CiênciAR é fácil de usar e todos acreditam que ele agrega valor ao processo de ensino-aprendizagem. A totalidade dos especialistas também concordou que a ferramenta de RA ajuda na visualização das imagens, sendo mais eficaz do que os métodos tradicionais, aspecto importante para o ensino de conteúdos abstratos. A respeito da contribuição do projeto para a conscientização acerca do ciclo de queimadas na Amazônia, ninguém discordou.
Os especialistas indicaram sugestões de aperfeiçoamento do CiênciAR. Entre elas, destacam-se: desenvolver uma ferramenta de Realidade Aumentada que funcione sem a necessidade de internet, expandir o uso do software para outras disciplinas, enriquecer o texto do módulo de Física e corrigir bugs ocorridos em dispositivos com sistema operacional IOS.
Um dos objetivos iniciais da pesquisa era promover oficinas e palestras sobre o meio computacional, além de realizar atividades que auxiliassem na recuperação escolar de disciplinas de Ciências Exatas, contudo a pandemia impediu todo tipo de ação presencial. “Não conseguimos ter contato com os alunos, tivemos que mudar nosso método de avaliação e realizar os testes somente com os especialistas. Foi difícil até falar com os professores. Recebemos muitos ‘nãos’, pois era difícil aplicar os testes a distância”, lembra Sara das Mercês Silva.
Em contrapartida, o experimento ser feito apenas no modelo virtual possibilitou mostrar que o uso da Realidade Aumentada funciona tanto no ensino presencial quanto no remoto. De modo geral, esse período de ensino remoto expôs a necessidade de usar tecnologias na educação, as quais já estão integradas na sociedade, embora não para todos. ‘’Infelizmente a realidade das escolas públicas na nossa região não é tão favorável para o uso de tecnologias. Por isso a importância de projetos que levem, com pouco recurso, o ensino da computação às escolas. A educação só vai melhorar quando investirmos nela. E investir vem ao encontro da inserção de novas tecnologias no ensino’’, argumenta a autora.
Projeto Meninas Paidéguas
O Projeto Meninas Paidéguas, chancelado pelo Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, promove a inclusão de meninas na área das Ciências Exatas. “O número de meninas nas Ciências ainda é muito pequeno, e uma das razões é a falta de conhecimento sobre o campo e a falta de acesso às tecnologias”, revela Sara das Mercês. A pesquisa sobre o CiênciAR, que está inserida no Meninas Paidéguas, não conseguiu atrair garotas para a Computação, já que a pandemia da covid-19 inviabilizou o contato com os alunos. Mas a temática geral, usada para contextualizar as matérias de Exatas, foi escolhida por meio de votação nas redes sociais do projeto. “Sustentabilidade e Meio Ambiente na Amazônia” obteve mais votos do que “Artesanato Paraense” e “Arquitetura Paraense”.
Serviço: Você pode acessar o CiênciAR no link https://sites.google.com/view/projeto-realidade-aumentada
Beira do Rio edição 162