Projetos de popularização da ciência reforçam a importância de aproximar o conhecimento científico da sociedade

Publicado originalmente em Jornal da Universidade por Tarcízio Macedo. Para acessar, clique aqui.

Popularização da ciência | Projetos e ações de divulgação científica desenvolvidos na UFRGS promovem a difusão e divulgação do conhecimento científico produzido na Universidade para além dos ambientes de convívio acadêmicos

*Foto: Foto: Gustavo Diehl/24 set. 2019

Em 2020, a pandemia do novo coronavírus (covid-19) promoveu a reorganização da vida de bilhões de pessoas ao redor do mundo, que experimentaram uma repentina ruptura e precisaram reordenar os arranjos que até então referenciavam seu cotidiano. O fechamento das instituições de ensino e pesquisa e dos locais de trabalho e lazer levou à convergência inesperada de diferentes tipos de práticas sociais para um único ambiente, em geral o doméstico. A mudança espacial, porém, não foi a única experimentada com a chegada da pior crise sanitária do último século. Rapidamente editorias de ciências em inúmeros meios de comunicação passaram a ganhar continuado destaque. A ciência foi alçada ao papel de protagonista em um esforço mundial à procura de soluções para a covid-19.

Nos últimos dois anos, matérias sobre o funcionamento do novo coronavírus, as suas formas de transmissão e contágio, as medidas de prevenção, as etapas para a produção de vacinas eficazes, o uso de medicamentos para o tratamento da doença e o passo a passo do processo de autorização de medicamentos e estudos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estamparam as páginas e os noticiários dos principais jornais impressos e digitais, rádios e telejornais de circulação do país. Termos, conceitos e métodos próprios do universo da pesquisa – como preprint, ensaios clínicos ou pré-clínicos, PCR (uma das mais eficazes técnicas laboratoriais para a detecção do vírus), curva exponencial e teste duplo-cego – ganharam popularidade.

A Universidade, atenta ao desenrolar dos acontecimentos no Brasil e no mundo, percebeu uma oportunidade de ressaltar o protagonismo da ciência conquistado durante a pandemia, a partir da necessidade de se ampliar esforços, estratégias e mecanismos de comunicação e interação com a sociedade.

O Programa Ciência na Sociedade Ciência na Escola da UFRGS

Uma das iniciativas da UFRGS, vinda da Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq), é o Programa Ciência na Sociedade Ciência na Escola (PCSCE). A ação é voltada a estimular e apoiar docentes pesquisadores e estudantes de graduação a se engajarem e atuarem em atividades de popularização da ciência e/ou no ensino de ciências. O programa contempla projetos a partir de bolsas distribuídas em duas ênfases: desenvolvimento social e desenvolvimento do ensino de ciências. Cada um desses enfoques é acompanhado, respectivamente, pela oferta de Bolsas de Iniciação à Popularização da Ciência (Bipop) e Bolsas de Iniciação ao Ensino de Ciências (Bienc).

A continuidade do cenário pandêmico e as transformações desencadeadas no cotidiano da sociedade evidenciaram a necessidade de alterar as linhas temáticas das bolsas Bipop e Bienc oferecidas pelo PCSCE. A Propesq, então, reajustou a definição do programa para a chamada 2021-2022. Os projetos selecionados se voltaram para a difusão e divulgação científicas, com atividades remotas, no intuito de expandir os espaços de propagação para as pesquisas realizadas no âmbito da Universidade, por meio de bolsas de iniciação à popularização e ao ensino de ciências.

O eixo de desenvolvimento social destaca em sua linha temática a divulgação do conhecimento científico à sociedade. A partir das mudanças em 2021, os docentes propuseram projetos com ações destinadas a:

  1. organizar e realizar eventos virtuais de divulgação tecnológica e científica para diferentes públicos e comunidades (acadêmica, escolar ou a sociedade em geral);
  2. construir atividades educativas online e interativas envolvendo uma variedade de ambientes destinados à popularização do conhecimento tecnológico e científico (centros itinerantes, museus, planetários, bibliotecas, laboratórios experimentais, espaços de apoio à educação informal, por exemplo);
  3. produzir conteúdos de divulgação e popularização da ciência para diferentes meios de comunicação (rádio, TV, serviços de redes sociais digitais, blogs, jornais e revistas digitais);
  4. e aplicar atividades de caráter científico, a partir do uso de ferramentas e recursos digitais construídos de forma online para comunidades urbanas e rurais em situação de vulnerabilidade, procurando contribuir com o desenvolvimento social e a melhoria dos indicadores de qualidade de vida nestes coletivos.

Contabilizando 13 edições até 2021, a última chamada disponibilizou 55 cotas, 30 delas destinadas à ênfase em desenvolvimento social e 25 para o ensino de ciências. As propostas selecionadas pertencem às grandes áreas das ciências humanas, engenharias, ciências da saúde, ciências agrárias, ciências exatas e da terra.

Trazendo a genética para o dia a dia

Um dos 30 projetos focados na linha temática de divulgação do conhecimento é “Genética no cotidiano: cursos de capacitação no ensino de ciências”, coordenado por Enéas Konzen, professor do Departamento Interdisciplinar do Câmpus Litoral Norte e pesquisador do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) da UFRGS. O projeto começou suas atividades em novembro de 2020, após ser aprovado pela 12.ª edição do PSCCE com uma bolsa BIENC específica da linha temática sobre iniciação científica no âmbito educacional.

Frente à pandemia, à rápida dimensão do vírus e à necessidade das pessoas ficarem isoladas fisicamente, a importância das pessoas compreenderem o que é esse vírus e quais os seus impactos nos motivou a criar essa proposta justamente como uma oportunidade de veicular informações sobre o que é o coronavírus geneticamente, em termos de sequência de DNA, assim como outros temas em genética e como eles se relacionam na nossa vida cotidiana e não percebemos.

Enéas Konzen

Primeiramente, o projeto foi pensado para divulgar conhecimento nas escolas, direcionado em específico ao público inicial de professores da educação básica (ensino fundamental e médio). O objetivo principal consistia em capacitar esses profissionais para atividades de ensino em biologia, a partir de uma série de minicursos de aperfeiçoamento sobre conhecimentos teóricos em genética e o modo como são aplicados na vida cotidiana – direta ou indiretamente.

“Nós criamos desde análises simples, a partir de frutos, sementes e como isso tem implicações de conservação da biodiversidade e de recursos genéticos, até o tema coronavírus”, comenta Konzen. “PCR, por exemplo, também é um termo que se popularizou, que as pessoas não conheciam antes, mas que, devido às fake news, precisávamos explicar e desenvolvemos minicursos que esclarecessem, que passassem ao professor em uma linguagem mais simples o que é um PCR, como se faz um PCR, como se detecta e o que se pode detectar com ele e, especificamente, como poderíamos fazer a análise e detecção do coronavírus por PCR”. Esses foram alguns dos tópicos desenvolvidos em uma série inicial de cinco minicursos para uma capacitação de 20 horas, o primeiro deles realizado em novembro de 2020.

Imediatamente tivemos uma procura muito significativa. Nós abrimos 30 vagas, e logo já tinha mais de 70 inscritos e, em uma semana, tivemos de encerrar as inscrições. Foi uma procura bem interessante. Nós nos surpreendemos, inclusive.

Enéas Konzen

Embora a previsão fosse de que o projeto atuasse apenas na área da educação formal, o contexto pandêmico no Brasil e no mundo, a propagação de campanhas online anticiência e antivacina, a necessidade de dialogar com um público mais amplo sobre genética e os desdobramentos a partir das sugestões dos participantes dos cursos e dos próprios bolsistas ampliaram o seu escopo de ação e o aproximaram da difusão e divulgação científica. Foi assim que alguns canais de comunicação ganharam forma, lembra Konzen.

Para a primeira edição, em novembro, o projeto desenvolveu um canal no YouTube. Inicialmente, dois vídeos didáticos instrucionais sobre a provável origem do coronavírus foram criados e disponibilizados na plataforma. A ideia era que esses recursos audiovisuais pudessem servir de apoio aos professores em suas aulas de ensino com os alunos. Em seguida, o projeto viu ali uma oportunidade de compartilhar mais conteúdos e criou, em seguida, o perfil “Genética no cotidiano” no Instagram.

“Como estávamos no final de 2020 com a covid-19 chegando ao pico até o início de 2021, e vendo esse espalhamento de notícias falsas, nós julgamos importante fazer postagens esclarecendo a importância da vacinação, o que são as variantes do coronavírus, assim como trouxemos diversos outros temas, como conservação de plantas, a área a que eu dedico o meu trabalho”, destaca Konzen. Contando até o fechamento desta reportagem com 362 seguidores, o perfil no serviço de rede social recebeu um feedback bastante positivo da audiência, conforme o relato do coordenador do projeto.

Por ser um professor de genética e vendo as pessoas acreditando que, ao tomar a vacina, o celular grudava no braço, porque estariam inserindo nanopartículas que fariam o monitoramento por nanocâmeras etc., nós resolvemos fazer postagens para esclarecer e procurar compartilhar não só nesse núcleo mais fechado, que estávamos fazendo por inscrições, mas para alcance do público em geral.

Enéas Konzen

O professor do Ceclimar da UFRGS acredita que esse contexto tenha levado inúmeros projetos para essa linha de atuação, no intuito de revelar a importância da ciência e da Universidade para o bem-estar social. “Para mostrar que nós, enquanto Universidade, mesmo online, queremos que as pessoas saibam a relevância da ciência e que, veja só: conseguiu a vacina, conseguiu contornar, de certa forma, essa pandemia, e agora, com o avanço da vacinação, quem sabe em breve cheguemos ao final dessa crise“, enfatiza.

Mas pesquisar, entender a origem do coronavírus, a sequência do material genético dele e como ela foi usada para criar as tantas vacinas que estão nos protegendo agora é só o primeiro passo. É importante reconhecer a missão de comunicar esse trabalho não só na escola, mas para a sociedade em geral, que deve continuar acompanhando e entendendo a importância que a Universidade tem.

Enéas Konzen

Na 13.ª edição do PCSCE, o projeto “Genética no cotidiano” foi também contemplado com uma bolsa Bipop voltada para a divulgação da ciência. Com esse recurso, Konzen explica que o projeto está atuando continuamente na ampliação de diferentes conteúdos e formatos de divulgação científica para se aproximar de outros públicos. Entre esses novos trabalhos está a produção da série “Curiosidades genéticas” no Instagram do projeto, com a primeira edição – “Por que os humanos não têm cauda?” – lançada em dezembro de 2021.

Primeiro, você faz a pesquisa. Ela traz resultados, mas, quando você comunica isso para a comunidade científica, é preciso seguir critérios, uma linguagem muito tecnicista. Fazemos pesquisa para gerar um produto, um resultado, uma contribuição. E nada mais justo do que a sociedade se apropriar disso também. Eu considero que essa iniciativa da Propesq valoriza o conhecimento científico ainda mais, estimulando pesquisadores e alunos a esmiuçarem, deixarem a ciência mais palpável para a sociedade, permitindo que as pessoas compreendam, de fato e com uma linguagem mais simples, o que os cientistas estão fazendo.

Enéas Konzen

A equipe também trabalha na criação de podcasts – chamados de geneticasts -, a serem disponibilizá-los em serviço de streaming. Para o futuro, o projeto pretende lançar ainda um curso em MOOC, sigla para a expressão Massive Open Online Course, um tipo de curso aberto oferecido por meio de ambientes virtuais de aprendizagem. A iniciativa é desenvolvida com a contribuição do Núcleo de Apoio Pedagógico à Educação a Distância (Napead) da UFRGS. A previsão é que o curso seja disponibilizado na plataforma Lúmina até o ano que vem.

Todas essas ações são desenvolvidas por um total de cinco bolsistas dos cursos de ciências biológicas (biologia marinha e costeira) do Câmpus Litoral Norte da UFRGS, sejam de iniciação científica, de popularização da ciência ou de extensão, que contribuem com a produção de conteúdos no perfil e em outras frentes de atuação do grupo. O projeto também recebe apoio de colegas de departamento e de outras universidades, além da colaboração de estudantes de pós-graduação (mestrado e doutorado) orientados por Konzen.

O coordenador da iniciativa destaca ainda a relevância do Programa Ciência na Sociedade Ciência na Escola para a própria formação dos alunos. “Isso muda a forma como os alunos constroem a sua formação. Já na graduação o aluno tem a perspectiva de, ao mesmo tempo em que aprende a linguagem mais técnica, aprender também a desmistificá-la para a sociedade”, reforça. Na opinião do professor, o crescimento da presença dos serviços de redes sociais no cotidiano dos alunos, sobretudo na última década, estimula que eles entrem na universidade com um engajamento para promover a construção do conhecimento e a sua divulgação científica desde cedo.

Konzen avalia esse cenário como favorável para o movimento de curricularização da extensão ainda em curso. “Por muito tempo a universidade ficou muito distante, talvez não existisse a ponte adequada, e esses canais, essas iniciativas da Propesq e da UFRGS são realmente inovadoras, muito importantes no sentido de estimular e trazer a ciência de uma forma mais próxima, mais simples e mais ampla para todo mundo“, finaliza.

Finalização de uma das edições do curso “As quatro letras da vida”, realizado pelo projeto Genética no Cotidiano com professores da educação básica e superior (Foto: Arquivo pessoal)
Respondendo a perguntas sobre o universo da física

Centro de Referência em Ensino de Física (CREF) do Instituto de Física (IF) da UFRGS é uma instituição destacada de ensino, pesquisa e extensão que se preocupa com a formação inicial e contínua de docentes. Durante seus mais de 20 anos de existência, o CREF acumula em seu histórico a promoção de várias atividades vinculadas ao ensino formal de física, incluindo seminários, colóquios, congressos, encontros, mostras, oficinas, palestras, materiais didáticos e cursos.

Entre esse conjunto de ações, um local de destaque é assumido pelo “Pergunte ao CREF“, um serviço que atua diretamente na difusão e popularização de conhecimentos científicos a partir de respostas para questões sobre temas relacionados à física. O site recebe perguntas elaboradas por um amplo e variado público, que abrange de professores e cientistas até estudantes e interessados em aprender sobre as curiosidades da disciplina. “Os temas abordados nas postagens são muito heterogêneos, variando desde questões técnicas de física até temas do cotidiano”, comenta o coordenador da iniciativa e professor do IF-UFRGS, Fernando Lang.

Pergunte ao CREF se tornou uma referência para muitos professores, estudantes e interessados em física, ultrapassando as expectativas que motivaram sua criação. Com frequência, as perguntas são formuladas por professores que não souberam respondê-las quando questionados por seus alunos; outras vezes, por leigos preocupados com questões do dia a dia. Por vezes, os professores tomam conhecimento do site por meio dos seus alunos.

Fernando Lang

Criado em maio de 2010, a partir da transferência de perguntas respondidas pelo seu idealizador no Yahoo Respostas, o site concentra hoje um total de 1.547 publicações respondidas por aproximadamente 50 professores do IF-UFRGS e 20 colaboradores externos, segundo dados do coordenador. Em um artigo publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física, em 2021, Lang apresenta uma descrição sobre o site e reconstrói sua trajetória, alcance e impacto junto à comunidade de professores e alunos lusófonos até o período em que registrava 8,3 milhões de visualizações.

Mais de uma década após o início de suas atividades, o site acumula mais de 10,5 milhões de visualizações, de acordo com o relatório anual de 2021 do Pergunte ao CREF. “Em 2021 tivemos em média 4,5 mil visualizações por dia, sendo que por diversos dias passamos de 10 mil visualizações”, comemora Lang. Para ele, esse gradual aumento de visibilidade é resultado da prioridade com que mecanismos de buscas como o Google, por exemplo, exibem as postagens do Pergunte ao CREF nos resultados de pesquisa. “As visualizações iniciais de novas postagens acontecem, pois as divulgo em cerca de 20 comunidades de física do Facebook”, esclarece o coordenador.

As postagens estão acessíveis em um índice geral organizado em ordem cronológica a partir da mais recente até a mais antiga. A coleção de perguntas respondidas ao longo dos mais de 10 anos do site também está acessível em 49 categorias localizadas na barra lateral direita. “Qualquer pessoa pode encaminhar através do site um questionamento, assim como comentar em qualquer uma das postagens. Atualmente há 4,4 mil comentários”, explica Lang. Basta que a pergunta esteja dentro das normas e que o interessado preencha o formulário disponível no site.

Embora o Pergunte ao CREF seja voltado para resolver questões e dúvidas conceituais sobre o campo da física e do ensino formal da disciplina, tópicos variados de áreas como matemática, história e filosofia da ciência também já foram respondidos. Ao longo dos anos, o canal tem se preocupado em atualizar os recursos e formatos usados para divulgação do conhecimento, além de construir parcerias com outras organizações científicas. Em 2020, por exemplo, o site inaugurou uma nova seção no formato de vídeos, elaborados a partir de temas desenvolvidos no repositório e compartilhados na plataforma YouTube.

Em 2021, o Pergunte ao CREF dedicou 13 de suas publicações ao combate de notícias falsas, desmistificando, por exemplo, a controvérsia em torno da “vacina magnética”. Conforme o relatório do site, essa postagem foi a que obteve a maior visibilidade entre as demais, acumulando 95 mil visualizações e 66 comentários. No mesmo ano, o canal estabeleceu uma parceria com a Sociedade Brasileira de Física (SBF) para repercutir as publicações do VeriFísica, uma comissão de checagem de notícias a respeito da física criada pela SBF.

Em síntese, o Pergunte ao CREF tornou-se não apenas uma forma de divulgação científica que atende uma ampla comunidade, mas também um recurso didático precioso para professores que queiram inovar os conteúdos abordados em sala de aula.

Fernando Lang

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