Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta. Para acessar, clique aqui.
O papel de um curador é bastante discutido nas esferas jurídica e artística. Na primeira, é ele quem representa os interesses daqueles impossibilitados de fazê-lo; na segunda, sua função é selecionar, organizar e supervisionar a exposição de obras de arte. Na educação, no entanto, esse conceito ainda é pouco aplicado, especialmente no Brasil, apesar de se fazer tão necessário.
Em tempos de pós-verdade e infodemia, é preciso expandir a ideia de curadoria também para o universo educacional, trazendo os professores para o centro desse debate. Afinal, são eles os responsáveis pelos primeiros contatos de crianças e jovens com o conhecimento científico, matemático, histórico, linguístico, geográfico, etc. Também são os educadores que escolhem, em meio a tantas possibilidades – e, claro, sob uma gama de obrigatoriedades dos sistemas de ensino –, como apresentar tudo isso para eles. Há, portanto, muita responsabilidade e criatividade nessas tarefas.
A crença de que as novas gerações, formadas pelos chamados nativos digitais, aprendem tudo de maneira independente e autônoma precisa ser derrubada. Se isso realmente acontecesse, não teríamos dados como os apresentados pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que mostrou que 67% dos alunos brasileiros de 15 anos não conseguem diferenciar fatos de opiniões, e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), que revelou que 60% dos jovens do País não sabem qual a finalidade dos antibióticos e 25% creem que vacinar crianças seja perigoso.
A escola é, e continuará sendo, o pilar central no desenvolvimento do pensamento crítico. A tecnologia não substitui o professor nem o ambiente escolar – ao contrário: eles nunca foram tão importantes no desenvolvimento de habilidades que ajudem crianças e adolescentes a mediarem a sua relação com a informação e o conteúdo abundantes no mundo conectado.
Para as educadoras Lisa Donovan e Sarah Anderberg, autoras do livro “Teacher as Curator: Formative Assessment and Arts-Based Strategies”, publicado em 2020 nos Estados Unidos, a consciência do papel de curador do conhecimento por parte dos professores é fundamental para que eles repensem suas práticas em tempos digitais, passando a atuar também como facilitadores. “Quando você pensa em si mesmo como um curador, mapeando seu processo, isso cria um ciclo de feedback. Você constrói reflexão e cria uma situação em que está constantemente aprendendo. Essa é a beleza de ser professor”, explica Lisa.
Mas, para que isso ocorra na prática, sabemos que a formação docente precisa ser repensada, algo que vem sendo apontado por especialistas há anos no Brasil, para incluir conceitos de educação midiática, informacional e digital. Carecemos também de políticas públicas, em níveis municipal, estadual e federal, que realmente ouçam e olhem a diversidade de professores e contextos socioculturais de um país de extensão continental.
Não se trata de incumbir mais uma tarefa aos docentes, uma classe trabalhadora sobrecarregada e sobretudo mal valorizada, mas sim de reforçar a importância deles em um mundo onde tudo parece mais acessível e disponível. Professores, mais do que nunca, ajudam a pavimentar e apontar caminhos – e a educação é o principal deles.
*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta