Povo Yanomami é vítima de, pelo menos, duas campanhas de desinformação

Publicado originalmente em *Desinformante por Matheus Soares. Para acessar, clique aqui.

Pelo menos duas campanhas de desinformação atravessam a calamidade por que passa a população Yanomami no país. Esta crise sanitária, fruto do descaso do poder público, mostra, com clareza, como informações falsas impactam de forma desigual grupos mais vulneráveis. A primeira delas, propagada por líderes políticos e seus apoiadores, criou a falsa impressão da ausência de problemas na região. Quatro anos depois, uma segunda onda tenta distorcer e negar a emergência sanitária deste povo que hoje ocupa a maior reserva indígena do país. 

Em setembro de 2019, no seu primeiro discurso como presidente na abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas, Bolsonaro explicou ao mundo os planos do governo em relação à população indígena do país. “O Brasil agora tem um presidente que se preocupa com aqueles que lá estavam antes da chegada dos portugueses”, disse o então chefe do executivo.

Porém, no final de janeiro deste ano, imagens de crianças e idosos Yanomami subnutridos circularam nas redes sociais mostrando um cenário diferente do prometido por Bolsonaro. 

De lá até aqui, como se comportou Bolsonaro e seus apoiadores em relação aos povos indígenas? 

Interrupções no envio de alimentos e na assistência médica federal às comunidades foram registrados nos últimos anos, mesmo o ex-presidente, então em exercício, estando ciente da situação. Tentativas de atrelar as populações originárias à exploração do garimpo ocorreram e prepararam o terreno para a crise que atingiu o ápice no primeiro mês de 2023.

O coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima, Edinho Batista, afirma que a condição atual da população Yanomami também é resultado da desinformação propagada por Bolsonaro e representantes governamentais para ocultar o que estava acontecendo na região.

“De forma direta, o povo Yanomami foi atingido por fake news. Foi dito que tudo estava sendo controlado, resolvido, que as florestas e os povos indígenas estavam sendo protegidos. E isso, de fato, não aconteceu”, disse Edinho.

Defensor da exploração mineral em terras demarcadas, Bolsonaro foi um dos principais difusores de desinformação sobre a Amazônia e a questão ambiental, repercutindo, por exemplo, a ideia falsa de que os povos originários apoiavam o garimpo de ouro e diamante nos territórios, atividade que explora a região e afeta a segurança e a saúde dos indígenas.

Em uma live no Youtube em 2019, que chegou a mais de 200 mil visualizações, o ex-presidente comentou que “tem um pessoal que usa o índio como massa de manobra para demarcar cada vez mais terra, para deixar ele isolado como se fosse um ser aí, um neandertal”. Tal posicionamento, no entanto, não foi apoiado pelos representantes dos povos originários.

Além disso, conforme apurou o Radar Aos Fatos, Bolsonaro mentiu sobre os Yanomami ao menos 19 vezes durante o seu mandato. Informações erradas sobre número de habitantes na região demarcada, por exemplo, foram insistentemente repetidas pelo ex-presidente, inclusive, durante o discurso na ONU de 2019.

Ainda segundo Edinho, essas desinformações chegaram a escolas, igrejas e ao Congresso. Enquanto isso, “a invasão cresceu, a destruição cresceu e a morte cresceu”, comentou.

Segunda onda de desinformação vem após denúncia da situação extrema de fome e violência 

Logo após a publicação da matéria da revista Sumaúma, no final de janeiro, algumas narrativas falsas rodaram as redes, como a de que os indígenas desnutridos eram venezuelanos, “frutos do comunismo” de Nicolás Maduro, que cruzaram a fronteira brasileira. Essa fake news foi publicada, inclusive, pela atriz Regina Duarte, que debochou da situação Yanomami, questionando a subnutrição das crianças indígena.

Tentativas de dizer que a situação não era no Brasil, mas na Venezuela também foram desmentidas e até a organização que denunciou a desnutrição da população originária também não escapou de fake news. Manchetes inverídicas afirmavam, sem provas, que a entidade desviou 33 milhões de reais públicos.

Diante de tais informações inverídicas, jornalistas e especialistas começaram a compartilhar informações nas redes sociais que desmentiam as principais narrativas. A repórter Júlia Dolce, por exemplo, explicou no Twitter por que a fome é uma realidade para os povos Yanomami.

Entenda a crise dos Yanomami

No dia 20 de janeiro, a revista Sumaúma denunciou a situação de fome e descaso sofrida pela população Yanomami durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. De acordo com a matéria, entre 2019 a 2022, 570 crianças morreram no território que se estende entre os estados do Amazonas e Roraima. Um crescimento de 29% em relação aos 4 anos anteriores.

Fotos com crianças e idosos desnutridos, com costelas à mostra foram publicadas pela matéria e chegaram nas redes sociais. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a situação foi descrita como um “colapso sanitário”, com crianças sem acesso a medicamentos e assistência médica, morrendo de pneumonia, verme e diarréia – todas doenças com tratamento. A malária, reflexo da ação ilegal de garimpeiros na região, também assolou a comunidade nos últimos anos.

No dia 21 de janeiro, o Ministério da Saúde decretou emergência de saúde pública no território Yanomami e um comitê federal foi criado para visitar o território e acompanhar de perto a assistência governamental. Ações contra o garimpo na terra demarcada estão sendo feitas para mitigar os efeitos da exploração ilegal de minerais na região.

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