Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio UFPA. Para acessar, clique aqui.
Por Edmê Gomes Foto Oswaldo Forte/Agência Belém
Uma pesquisa do Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ), da Universidade Federal do Pará (UFPA), indica que a atuação policial no Pará sofre influência de marcadores como território, raça e classe social. A conclusão é do advogado Antônio José Martins Fernandes, que, de 2020 a 2022, pesquisou a ação da Polícia Militar em dois bairros vizinhos: Jurunas e Batista Campos.
Na dissertação Em busca da mancha: a atuação policial nos bairros do Jurunas e da Batista Campos, Fernandes procurou sanar uma questão que o tomou como inquietação dentro e fora da Academia. Morador de um bairro tradicional da capital paraense, o pesquisador passou a se incomodar “com o discurso massificado da segurança pública e do policiamento, demonstrando a PM como uma instituição de proteção dos indivíduos. No entanto, tive contato com relatos, testemunhos, vivências de violência policial que contrariam frontalmente essa percepção de instituição protetora. Em que pese nunca ter vivido nenhuma violência direta da polícia, passou a me chamar atenção essa contradição”.
Apesar de vizinhos, lembra Fernandes, os dois bairros analisados possuem origens e desenvolvimento muito diferentes. Enquanto o Jurunas figura como um dos principais bairros periféricos de Belém, tido como perigoso e habitado por pessoas com baixa condição econômica; Batista Campos, em oposição, destaca-se como região centralizada, urbanizada, segura e economicamente valorizada, habitada por uma população majoritariamente branca e rica, destaca o advogado. Diante dessa contextualização, Fernandes procurou, então, compreender a atuação policial e as diferenças reveladas de acordo com os territórios e as estruturas de classe e raça.
“A estruturação desses territórios sofreu forte impacto em questões de classe e raça, o que gerou um perfil de comportamento e de população bastante diferente. Ao fim da minha pesquisa, constatei meu pressuposto de que havia – e há – uma diferenciação na atuação da polícia nesses locais, começando pelo fato de que eles não são policiados pelos mesmos batalhões”, enfatiza o pesquisador, lembrando que, após uma reorganização, o bairro Batista Campos passou a ser monitorado pelo 2° Batalhão da PM, ao passo que o Jurunas permaneceu coberto pelo 20°. “Essa diferenciação ocorre em razão dos fatores de vulnerabilização. Raça, classe, gênero e o próprio território estão entre esses fatores”, salienta.
Pesquisa aponta necessidade de reforma na atuação policial
Além de técnicas de levantamento bibliográfico e documental, Antônio José Martins Fernandes entrevistou policiais militares com atuação direta nos bairros pesquisados. Para ele, não há dúvidas de que a polícia está estruturada por desigualdades, o que acaba garantindo os interesses da elite, enquanto promove o controle da população vulnerabilizada.
“As pessoas pobres foram empurradas para viver no Jurunas, pois se tornou caro viver em Batista Campos, onde havia condições mínimas de dignidade como projetos de urbanismo, bonde, luz elétrica, entre outros”, explica Fernandes.“ Ao fazer a seleção criminalizante, a polícia é direcionada por fatores de vulnerabilização. Assim, é óbvio que a polícia terá mais facilidade em selecionar crimes que ocorreram em território periférico, pois ele próprio é um fator de seleção criminalizante”, conclui o pesquisador.
Para Antônio José Fernandes, seu estudo aponta para a necessidade de se discutir uma reforma da polícia. “A atuação policial precisa ser construída a ponto de não reproduzir desigualdades, não centralizar forças contra pessoas e grupos vulnerabilizados”, avalia. “O principal desdobramento da minha pesquisa é trazer uma perspectiva empírica para esse debate. A importância dessa discussão é justamente repensar o modelo de atuação policial, repensar a própria prática da polícia para que possamos compreender como essa instituição pode agir sem perpetuar desigualdades, sem reproduzir injustiças e violência”, finaliza.
Sobre a dissertação: Em busca da mancha: a atuação policial nos bairros do Jurunas e da Batista Campos foi defendida por Antônio José Martins Fernandes em 2022, no Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD/ICJ), da Universidade Federal do Pará. A orientação foi da professora Luanna Tomaz de Souza.
Beira do Rio edição 166