Publicado originalmente em Brasil de Fato por Cida Pedrosa. Para acessar, clique aqui.
Está em curso uma campanha robusta pelo reconhecimento da Chapada do Araripe como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco, organismo das Nações Unidas para a Educação, Cultura e Ciência. Não é para menos. Esse acidente geográfico de 180 km de extensão e mais de 60km de largura se estende como um impressionante paredão verde entre os estados de Pernambuco, Ceará e Piauí. Além de deslumbrante, é uma fonte de abastecimento de água para muitas populações que vivem em suas encostas e um dos principais sítios paleontológicos do Brasil, berço de animais pré-históricos gigantescos que, se não tivessem existido de fato, seriam um alimento farto para criar mitos e lendas de toda sorte.
Esse valioso patrimônio foi declarado Área de Proteção Ambiental (APA) no ano 2000, de acordo com a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Entretanto, a medida não tem sido suficiente para proteger a chapada do desmatamento e da exploração desordenada. Nesse momento, ela se vê às voltas com a ameaça da soja, que começa a se insinuar entre as espécies nativas da caatinga, como uma perigosa ameaça à fauna e à flora.
Um levantamento do professor Tarsio Thiago, do Instituto Federal de Ouricuri, encaminhado ao Ibama, comprova que mais de 500 hectares já foram desmatados e queimados nos municípios de Santana do Cariri (CE) e Exu (PE) para plantação de milho e soja, destinados à produção avícola. Embora a criação da APA não impeça a exploração econômica, a lei estabelece que os recursos naturais devem ser usados de modo sustentável. Mas, segundo pesquisadores e fiscais do ICMbio, nenhum desses projetos citados teve estudo de impacto ambiental antes de serem executados.
Esses são apenas dois exemplos recentes de exploração insustentável, mas quem conhece a região se assusta com o surgimento de “clareiras” cada vez maiores em meio à mata nativa. Mata, aliás, que ainda guarda muitos segredos e riquezas desconhecidas. Afinal, dizer que toda floresta tem mais valor em pé do que deitada não é só um aforismo, é uma verdade inconteste. As descobertas científicas que se multiplicam estão aí para provar isso.
O plantio de soja pode ser uma grave ameaça aos aquíferos da região, que beneficiam populações de três estados. E o fato é que não há nenhuma justificativa para correr tal risco em nome do desenvolvimento. Afinal, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) já assegurou que o país tem tecnologia para produzir o grão em larga escala sem desmatar vegetação nativa, como a capacidade de recuperar áreas já devastadas pela pastagem. Embora o estudo tenha sido direcionado à floresta amazônica, pode perfeitamente ser aplicado a outras regiões que carecem de proteção.
Seja como for, não podemos permitir que um dos principais sítios paleontológicos do mundo, fonte do produto mais precioso do planeta – a água – e berço de espécies endêmicas de aves, como o soldadinho do Araripe, seja simplesmente transformado em pasto. Em vez disso, lutaremos por uma chapada imponente e preservada, como deve ser todo patrimônio natural da humanidade