Publicado originalmente em O Estado do Piauí. Para acessar, clique aqui.

Por Juliana Andrade
Edição Luana Sena

“Chegou a nossa vez, voto aos 16!”, gritaram centenas de jovens que lotaram a Assembleia Nacional no dia 2 de março. O ano era 1988, quando, pela primeira vez, a juventude brasileira conquistou o direito de ir às urnas para escolher seus representantes políticos. Poder votar foi um sonho dos jovens nos anos 80. 

Com a vitória naquele ano, o movimento estudantil somou forças para o próximo passo: a campanha “Se liga 16”, que estimulava a juventude a participar das eleições presidenciais de 1989. Em uma era pré-internet, a informação tinha poucos meios para circular – as campanhas eram feitas através de panfletos, ganhando pequenos espaços na televisão. O que valia mesmo era um dos marketings mais antigos do mundo: o  boca-a-boca.

“Foram realizados debates nas escolas, manifestações e shows com diversas bandas teresinenses para mobilizar a juventude a tirar o título”, conta George Wellington, presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES) na década de 80. 

Reunião de entidades estudantes na campanha “Vote aos 16” em Teresina (Arquivo pessoal / junho 1988)

De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 1990, após mobilizações das entidades estudantis por todo o Brasil, cerca de dois milhões de eleitores com menos de 18 anos realizaram a inscrição do título eleitoral – dois anos depois, em 1992, o número chegou a três milhões. Desde então, “Se Liga 16” se tornou uma campanha permanente das entidades estudantis para conscientizar a juventude de seus direitos democráticos.

Para George Wellington, as demandas da juventude e a forma de fazer política mudam a cada década, pois não são apenas as lutas como a ditadura militar, a favor da democracia, o “Fora Collor” e o tempo de militância em alguma entidade que refletem o nível de conscientização política de cada geração. “Hoje, além das ruas, a juventude tem várias formas de mostrar o seu descontentamento com governos e instituições”, comenta. 

O ex-líder estudantil acredita que a conscientização política e o incentivo para que  a juventude participe ativamente da política inicia dentro de casa. “Tenho uma filha de 18 anos, mas com 16 mostrei a ela a importância do seu voto para o futuro do país”, destaca. Ele relembra ainda que, na sua época, travou muitas lutas pelo reconhecimento do papel da juventude na sociedade. “Estive incentivando vários jovens na rua na década de 80, seria inadmissível eu não conscientizar os jovens que estão dentro da minha casa”.

Panfleto do III Congresso da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES) (Arquivo Pessoal/ maio 1989) 

Medo ou desinteresse?

Uma recente pesquisa feita pelo Instituto Inteligência e Consultoria (Ipec) mostrou que seis de cada dez jovens do país preferem não comentar política nas redes sociais por medo de serem “cancelados”. Os pesquisadores estão chamando esse dado de “efeito Anitta”, em alusão ao receio que os jovens têm de ser alvo do mesmo tipo de crítica feroz que a cantora sofreu ao participar de uma sequência de lives sobre política em 2020.

A pesquisa, encomendada pela ONG global Avaaz e Fundação Tide Setubal, mostrou também que entre os jovens com até 18 anos e sem título de eleitor, 82% pretendem tirar o documento para votar em outubro. A maior fatia (29%) está motivada a fazê-lo por considerar que “o momento político é preocupante”. Apenas 2% disseram que não pretendem tirar o título de eleitor “porque o meu voto não fará diferença”.

Roberta Aquino acaba de completar 17 anos e deve votar pela primeira vez nas eleições de 2022. A nova eleitora conta que sempre acreditou na importância da juventude dentro dos processos de mudanças da sociedade mas, paralelo a isso, também não se sente confortável em falar sobre política no meio digital. Acreditando na potência da juventude dentro do processo eleitoral, ela procurou uma entidade estudantil para fazer parte. 

“Eu queria um lugar onde eu me sentisse aceita, onde minha voz pudesse ser escutada e as minhas lutas pudessem somar forças com a de outras pessoas” explica. “Foi quando conheci um jovem secundarista que me apresentou a União da Juventude Socialista”, conta. “Logo me interessei pelo propósito da entidade e fui me envolvendo dentro das discussões políticas”.

A  partir do processo de busca por lugares onde se discute política e o engajamento dentro desses espaços, Roberta entendeu que a política é tão presente na vida das pessoas que até quando você decide não participar da política, você também está agindo politicamente. “Optar por não se envolver é deixar que as coisas permaneçam do jeito que elas estão e não enxergar necessidade de mudança”. E essa não foi a escolha de Roberta. 

“Se pode votar, também pode ser preso” 

Para o cientista político Bruno Melo, a participação dos jovens no processo eleitoral é de fundamental importância. Trata-se de uma oportunidade de exercer a cidadania, de conhecer candidatos e suas propostas e de fazer valer suas ideias de cidade, estado e país. “O voto é também um processo educativo”, explica. “Temos de ter em mente que nos pleitos se definem os rumos de onde se vive. Neles se define o futuro. E, se o futuro pertence aos jovens, nada mais justo do que sua efetiva participação”, ressalta. 

Para Bruno, a falta de credibilidade e afirmações como “Se pode votar também já pode ser preso” – que traz uma conotação de falsa equivalência – subtrai dos jovens o interesse em adquirir a responsabilidade do seu papel político na sociedade. “São duas coisas diferentes e que não deveriam entrar na mesma discussão”, aponta. “É  importante entender que há uma diferença entre responsabilização por uma infração penal e imputabilidade penal”, segue explicando. “Adolescentes que cometem atos contrários à lei penal são julgados e recebem uma medida de acordo com o estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente”.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quer atrair mais jovens como Roberta. As estatísticas divulgadas pelo órgão mostram que o número de eleitores com idade entre 16 e 17 anos reduziu de 2,3 milhões, em 2016, para pouco mais de 1 milhão na eleição mais recente, realizada em novembro de 2020. Até agora, pouco mais de 631 mil adolescentes na faixa de 16 a 17 anos já emitiram o título de eleitor. 

Por conta da baixa inscrição de títulos eleitorais entre a juventude, o eleitorado jovem a partir de 16 anos de idade conta, nestas eleições, com uma página no Portal da Justiça Eleitoral totalmente dedicada a esse público. A interface traz respostas às perguntas mais frequentes sobre a emissão do título eleitoral feitas por jovens por meio das redes sociais da Corte Eleitoral.

Para chamar esse público às urnas, Bruno Melo aposta no fomento da educação cidadã, que tenta despertar a consciência política nos adolescentes. E cita como exemplo, o projeto Politize! – material didático desenvolvido para formação de professores, auxiliando a tratar temas relacionados à democracia em sala de aula. O Politize! tem acordo com os governos de São Paulo, Bahia, Sergipe, Amazonas e Roraima, mas professores de todos os estados podem solicitar acesso ao material pedagógico.

De acordo com o artigo 14 da Constituição Federal, o voto é facultativo para jovens de 16 e 17 anos, mas passa a ser obrigatório a partir dos 18. Porém, jovens de 15 anos que completarão 16 até o dia 2 de outubro deste ano, data do primeiro turno das próximas eleições gerais, também podem tirar a primeira via do título eleitoral. É necessário ficar atento com o prazo de tiragem do documento: vai até dia 4 de maio de 2022. 

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