Publicado originalmente em Jornal O Cidadão. Para acessar, clique aqui.
Pesquisa: Ellen Ferreira
Entrevistas: Ana Cristina da Silva e Carolina Vaz
Texto: Carolina Vaz
Com informações de Brasil de Fato,Agência Brasil eUOL
No dia 30 de maio, cerca de 1600 policiais do Rio de Janeiro começaram a utilizar câmeras em suas fardas. O fato foi marcado por uma cerimônia de lançamento, com a presença do governador Cláudio Castro e do secretário de Estado de Polícia Militar, coronel Luiz Henrique Marinho Pires. Embora esta ferramenta seja uma demanda antiga da sociedade civil, foi justificada como um modo de fornecer segurança jurídica aos policiais e garantir transparência para a sociedade.
Como vai funcionar
Na primeira etapa, os equipamentos foram disponibilizados para ações de patrulhamento – e não operações policiais, por exemplo – para agentes de uma companhia independente (a 1ª Companhia Independente da Polícia Militar em Laranjeiras), e oito batalhões: Botafogo, Méier, São Cristóvão, Tijuca, Olaria, Ilha do Governador, Copacabana e Leblon. Anteriormente, a Maré constava entre os batalhões contemplados, mas no dia da implantação o bairro não foi incluído. A expectativa é, até o final do primeiro semestre de 2022, as unidades operacionais da PM estarem usando 8 mil câmeras.
Segundo informações divulgadas no lançamento, a câmera deve começar a ser utilizada no início do expediente de cada policial, e deve estar com pelo menos 95% de sua carga. Com carga total ela pode funcionar por até 12 horas, sempre transmitindo as imagens em tempo real para um centro de comando da PM. Após esse uso, as imagens ficam arquivadas por 60 dias. As que envolverem alguma ocorrência podem ficar armazenadas por um ano, sem acesso do público. O tempo pode ser até maior, pois se a gravação corresponder a uma investigação interna da corporação, não será disponibilizada até o encerramento do processo, o que pode levar anos.
Operações em favelas
Um dos primeiros estados a implementar as câmeras em fardas foi São Paulo, e lá, desde o início do uso em 2020, os batalhões que passaram a utilizar tiveram uma redução de 87% nas ocorrências de confronto. A ocorrência de mortes durante intervenção caiu de 705, em 2020, para 480 em 2021. Aqui no estado do Rio, a expectativa da população sobre o início do uso das câmeras é reduzir os abusos policiais, incluindo assassinatos, sobretudo nas operações em favelas. No entanto, não há previsão para esse uso, o que foi afirmado pelo próprio governador Cláudio Castro. Ele alegou que filmar a incursão policial nas favelas poderia revelar a estratégia da polícia, mesmo que esteja explícito que as imagens são enviadas exclusivamente para o próprio comando da PM.
O POVO FALA
O Jornal O Cidadão foi atrás da opinião das e dos mareenses sobre esse assunto, confira abaixo. Os nomes foram ocultados para preservar a identidade dos entrevistados.
C, 25 anos, Morro do Timbau:
Eu acho que tem dois pontos de partida. Acho que eu concordo pelo ponto de conseguir registrar com mais facilidade, ter mais provas. Tanto para a própria defesa do policial, quanto para a acusação, para conseguir realmente registrar aquele fato e conseguir ter uma perícia mais apurada, ter o fato registrado das operações e todas as incursões que a Polícia Militar faz no Rio. Mas meu receio é que essas câmeras tenham algum tipo de manipulação, que os policiais que estejam fardados com essa câmera evitem estar em certos locais, em certas situações, para que não tenha prova de algumas barbaridades que a polícia faz e que a gente sabe que faz. (…) E como a câmera também tem áudio, eles ficam sempre um tentando encobrir o outro pra que não seja registrado o fato. Então assim, tem duas facetas né, uma que é registrar o fato (…) porque qualquer coisa que acontece, principalmente em incursões na favela, a gente sabe que fica o dito pelo não dito e pobre não tem voz nem tem vez. Eles entram na casa, eles abordam, fazem um monte de coisa e a gente nunca é ouvido, nunca é noticiado, isso nunca vai pra frente a não ser que seja algo muito específico.
A, 16 anos, Nova Holanda
Eu acho bom o uso de uma câmera na farda do Policial Militar, até porque tem vezes em que os policiais cometem crimes e não sofrem nenhum tipo de sentença, e na maioria das vezes é por não ter provas. Muitas das vezes morre alguém por bala perdida, e algumas das vezes, realmente, foram balas disparadas por policiais e eles falam que não, que não fizeram isso.
A, 51 anos, Parque Maré
Eu acho muito boa essa nova providência dos policiais usarem câmeras acopladas aos seus uniformes. Vejo isso com muita esperança porque a transparência sempre traz confiança nas relações. Essa é uma providência adotada em vários locais do mundo e ela sempre esteve associada à diminuição da chamada brutalidade e letalidade policial, né. Eu acredito que vá ser uma ferramenta pro bem, pra resolver essas dúvidas que ficam sobre as operações da polícia. Infelizmente, pelo que fiquei sabendo, espero estar enganado, essas câmeras não serão usadas nas operações em favelas, tomara que isso não seja verdade e que realmente aconteça, porque quem vive o dia a dia na favela sabe que até a vinda da perícia técnica pra apurar as cenas de crime que acontecem nas comunidades, nas favelas, é precária, quase nunca vem. Então as câmeras vão poder ajudar na elucidação de muitas situações em que fica a dúvida se realmente houve confronto, se foi execução, quem foi que atirou.
J, 16 anos, Rubens Vaz
Na minha opinião eu acho isso bom, para identificar se a pessoa é um criminoso ou não, porque tem várias vezes em que a pessoa vai presa injustamente, pensam que a pessoa é criminosa, mas é inocente. Então se as câmeras nas fardas funcionarem para reconhecer um criminoso, já é bom para não prender inocentes.
R, 20 anos, Morro do Timbau
Eu acho que pode ser bom porque pode evitar que eles acabem infringindo a lei de que eles deveriam dar segurança pros moradores, e na verdade não é bem isso que acontece. Então eu acho que pode ser os moradores voltando a se sentir um pouco seguros com os abusos de autoridade que sempre acontecem quando tem operação nas favelas. Ou até fora também, em casos de racismo, de assédio sexual que sempre rolam também, e quase nunca acontece alguma coisa. Eles dizem que não têm provas dos abusos, então acho que a gente pode se sentir, talvez, um pouco mais seguro de novo. Não é seguro 100% mas pode ser uma tentativa, porque é a nossa palavra contra a palavra do Estado, fica difícil de competir.
T, 39 anos, Baixa do Sapateiro
A minha opinião eu acho que se divide em duas. Ao mesmo tempo em que eu acho que pode minimizar algumas ações da própria polícia, ações de truculência mesmo, eu acho que eles vão encontrar um jeito de burlar isso. Acho que isso é só uma questão de tempo mesmo para eles encontrarem meios para dizer que a câmera não funciona, está ruim, desligar, e continuar cometendo as ações de truculência.
J, 34 anos, mora em Freguesia, Jacarepaguá
Eu morei 21 anos em comunidade, então eu acabei tendo uma visão muito negativa do que é a polícia, por toda a truculência que eu vi, o fato também de eu ser negro… o meu ponto de vista é que eu não acredito muito no Estado de direito do Brasil. Pensando dessa forma eu acho que a ideia é até legal, outros países usam, como os Estados Unidos, (a câmera) é uma ferramenta boa para isso, para tentar manter um controle sobre a polícia. Mas o fato de o Brasil ser um país onde a democracia é questionável, um país extremamente racista, eu acredito que em várias ocasiões essas câmeras serão desligadas ou vão apresentar defeito. Os carros da polícia, se eu não me engano, têm GPS para eles manterem o itinerário e não irem para outro lugar, mas eu acho que várias vezes esses GPSs acabam sendo desligados porque a polícia vai pra outro lugar, deixa corpo… então como eu não acredito na democracia do Brasil, acho que isso facilmente vai ser burlado. (…) Acho que crimes pequenos, tipo na Lagoa Rodrigo de Freitas, eles vão ter a câmera lá. Mas acho que chacinas como acontecem no Jacaré, ou aqui na Maré, acho que vai estar desligada.
E, 45 anos, Parque União
Eu sou a favor dos policiais usarem câmera no uniforme, porque quando tem operação eles invadem as casas das pessoas e não tem como a gente falar nada, não tem como ver. Tem muitos que mexem em tudo, quebram tudo, não são todos, mas tem alguns que fazem isso.
T, 25 anos, Parque União
Eu sou a favor de câmera na farda porque acredito que, pra maioria das mulheres, isso vai dar um pouco mais de segurança quando for parada, porque uma vez eu fui parada, o policial me colocou contra a parede e me fez um monte de pergunta que não tinha nada a ver e eu só fiquei com medo e doida pra sair dali logo. Se tivesse uma câmera na farda dele provavelmente ele não teria feito isso, porque estaria tudo gravado. Então eu sou super a favor, acho que vai ser um método, talvez né, mais eficaz de segurança.