O impacto do jornalismo na conscientização sobre a desinformação relacionada à Covid-19

Por Ana Regina Rêgo

Artigo também disponível em Jornal O Dia e Portal Acesse Piauí.

Estudo realizado pelos pesquisadores Sacha Altay, Ramus Kleis Nielsen e Richard Fletcher dentro do Projeto Misinformation, Science and Media do Reuters Institute for the Study of  Journalism e University of Oxford com o apoio do BBC World Service ( como parte da Trusted News Iniciative) e da Oxford Martin School, revela que a relação entre jornalismo e desinformação possui fluxos distintos, podendo em grande medida, contribuir para informar devidamente a sociedade, como requer o campo jornalístico. Contudo, a pesquisa parte das suposições de que o jornalismo também poderia contribuir para desinformar ao dar visibilidade a fake News para posteriormente, desmascara-las.

A pesquisa envolveu três países cuja composição mercadológica e concentração midiática, assim como, a dieta de mídia da população é bem distinta, a saber: Brasil, Reino Unido e Índia. A motivação primeira foi identificar se as mídias noticiosas exacerbam ou reduzem os problemas ocasionados pelo fenômeno da desinformação. Nesse sentido, os investigadores realizaram  a pesquisa em duas ondas ( janeiro de 2022 e fevereiro de 2022) com as mesmas pessoas selecionadas para ambas as coletas. O objetivo foi investigar  o efeito das notícias e o uso das plataformas digitais na conscientização e na crença da desinformação acerca da Covid-19. As amostras foram reunidas usando cotas nacionalmente representativas para idade, sexo, educação e região nos três países, no entanto, os pesquisadores alertam para uma possível assimetria  a ser considerada no estudo realizado, tendo em vista que a inclusão digital ocorre de modo distinto nos países participantes do estudo. A penetração da Internet é relativamente baixa no Brasil e na Índia, logo as amostras são mais representativas da população online, que por sua vez é mais instruída e abastada do que a população nacional – e na Índia a pesquisa foi realizada apenas em inglês, o que significa que a pesquisa é, na melhor das hipóteses, representativa apenas da população online de língua inglesa.

Os resultados dão conta de que, no que concerne ao conhecimento político foi identificado que entre a primeira e segunda onda houve um ganho relativo que possui vinculação com o consumo de notícias no período. Os pesquisadores detalham que entre as ondas inseriram novas perguntas sobre conhecimento político referentes a eventos que aconteceram após a onda inicial. A diferença se mostrou estatisticamente significativa no Brasil e no Reino Unido e alinhada com pesquisas  já existentes, levando à conclusão de que o consumo de notícias ajuda as pessoas a adquirir conhecimento político.

No que se refere à conscientização de alegações falsas e enganosas sobre a Covid-19 e a relação com o consumo de jornalismo, os resultados revelam que na Índia e no Reino Unido, os consumidores  contumazes de notícias ganharam uma consciência mais ampla das falsas alegações de COVID-19 entre as ondas 1 e 2, todavia, os resultados no Brasil revelam que não houve uma grande influência dos canais jornalísticos nesse processo de conscientização da sociedade.

Quanto à crença na desinformação, no cenário brasileiro e indiano o consumo de notícias não teve efeito estatisticamente significativo, ao longo do período pequisado e, no Reino Unido, o uso mais frequente de notícias na verdade a enfraqueceu.

Em síntese, a pesquisa revelou que o consumo mais frequente de notícias levou a um maior ganho de conhecimento político ao longo do tempo no Brasil e no Reino Unido (na Índia, os resultados não foram estatisticamente significativos);  por outro lado, o consumo mais frequente de notícias ampliou a conscientização sobre falsas alegações sobre a Covid-19 na Índia e no Reino Unido (os resultados não foram significativos no Brasil) e, por fim, o uso mais frequente de notícias não aumentou a aquisição de falsas crenças em nenhum dos países – e enfraqueceu significativamente a aquisição de falsas crenças no Reino Unido.

No âmbito das plataformas digitais a pesquisa aponta para o fato de que o uso de várias plataformas não tem efeitos significativos no conhecimento político, na conscientização da desinformação ou na crença na desinformação. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores ponderam os diferentes usos e possibilidades ofertadas por cada plataforma, contudo tal resultado, vale ponderar, é bem controverso considerando o modelo de negócios das plataformas que monetiza os conteúdos com maior visibilidade, o processo de atração comportamental para a atenção permanente e extração e mineração de dados, com vistas a compor o capital de predição comportamental formado a partir da experiência humana.

É preciso também considerar as alegações dos pesquisadores que informam que o foco principal na análise foram as notícias, “mas como a desinformação não é exclusivamente sobre mídia ou plataformas, em todas as nossas análises estatísticas controlamos uma série de outros fatores, incluindo demografia, status socioeconômico, interesse político, confiança nas notícias, orientação”.

Nesse escopo mais ampliado, a pesquisa revelou algumas particularidades. Por exemplo, no Reino Unido,  os participantes que se identificaram como de esquerda eram menos propensos a acreditar em falsas alegações do que os participantes no centro do espectro político, enquanto os participantes sem filiação política (geralmente pessoas que se sentem desconectadas das formas tradicionais de política partidária )  eram mais propensos acreditar em fake News. Na Índia o efeito não foi significativo para orientação política a partir da desinformação. No Brasil, onde alguns políticos de direita espalharam informações falsas sobre o COVID-19, os participantes que se identificaram como de direita eram mais propensos a acreditar em alegações falsas do que os participantes no centro do espectro político ou de esquerda.

Para os pesquisadores, os resultados do estudo colocam em xeque a questão de que a mídia jornalística desinformaria ao chamar atenção para conteúdos falsos, ao contrário, segundo a pesquisa, o consumo do conteúdo jornalístico em geral, termina por contribuir para que as pessoas se informem  e resistam à desinformação. Obviamente, que em muitos casos a desinformação parte de canais noticiosos, mas não são regra e sim exceções que devem ser combatidas.

Nas palavras de Ramus Nielsen, as descobertas “ levantam questões para empresas de plataforma e mídia de notícias. As plataformas digitais podem não sentir que é seu trabalho garantir que o público esteja bem informado, ou pelo menos não desinformado. Mas centenas de milhões de pessoas em todo o mundo confiam nelas para acessar e encontrar notícias e informações e qualquer que seja o papel das próprias empresas, é importante entender os efeitos que eles têm sobre os usuários”.

Para acessar mais informações entre em https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/news/can-news-help-new-evidence-links-between-news-use-and-misinformation

Para acessar diretamente o relatório da pesquisa entre em https://psyarxiv.com/7tm3s

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