Publicado originalmente em Educamídia por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui-.
Exposição do estupro e da gravidez da atriz revela o lado nefasto do jornalismo de celebridades e da curiosidade mórbida da audiência
Até onde as pessoas estão dispostas a ir por cliques, curtidas e comentários? A resposta para essa pergunta ainda não existe porque, a cada dia, os parâmetros para respondê-la se renovam de forma perversa. O caso de Klara Castanho é, infelizmente, um terrível exemplo disso.
A sucessão de violências a que a atriz de 21 anos foi submetida nos últimos dias beira o inacreditável. Vítima de estupro, Klara engravidou e entregou a criança para a adoção, num processo que deveria ter sido sigiloso tanto no âmbito médico quanto jurídico, pois além da proteção garantida pela legislação esperava-se um comportamento ético dos profissionais envolvidos.
Mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. Klara não teve o direito de processar em silêncio as múltiplas dores pelas quais está passando. Ao ser exposta por jornalistas de celebridades e influenciadores digitais com milhões de seguidores, sua história se tornou pública rapidamente, gerando uma avalanche de especulações, comentários maldosos e ataques nas mídias sociais.
Em uma carta aberta, ela afirmou como se sente violentada também pelos julgamentos alheios. “Ter que me pronunciar sobre um assunto tão íntimo e doloroso me faz ter que continuar vivendo essa angústia que carrego todos os dias”, diz um trecho de seu angustiante texto publicado no Instagram.
Esse caso reúne tudo de pior que habita as redes sociais, de falta de ética a discursos de ódio, passando por destruição de reputação e difamação. E só tomou essa proporção justamente pela lógica do engajamento que alguns comunicadores entendem como ninguém, fazendo dela seu instrumento mais precioso de trabalho, mesmo que a utilizem sem empatia alguma.
Isso porque engajamento é dinheiro. Cada clique em matérias irresponsáveis e sensacionalistas, cada retweet em determinados jornalistas e cada visualização de vídeo em que seu drama foi enunciado, somados aos comentários misóginos de internautas julgando as decisões de Klara, adicionaram uma camada de dor no seu sofrimento.
É necessário, porém, lembrar outra obviedade: a atriz só foi revitimizada em progressão geométrica porque há quem interaja com esses conteúdos. E não é pouca gente. A divulgação de detalhes da vida privada de pessoas públicas não é nenhuma novidade, mas se antes esse tipo de informação ficava aprisionada em programas na TV aberta e em revistas especializadas, hoje a dinâmica é outra, e é exponencial: quem consome as “fofocas” de personalidades tem voz ativa para comentar e amplificar, nas redes sociais, esses acontecimentos que nada lhe dizem respeito, contribuindo ativamente para prejudicar a saúde mental de alvos como Klara.
Por mais que portais de notícias e colunistas apaguem matérias e ocorram ações meritórias, como de fato aconteceu, não é possível deixar de lado que essa produção midiática baseada no sofrimento e na intimidade alheias, que passam muito longe de ser de interesse público como o bom jornalismo deve prezar, só existem para alimentar a sanha curiosa da audiência.
Mas por que encaramos isso como notícia? Por que queremos saber das entranhas do martírio alheio? Por que clicamos nesses links? Quem se beneficia da aflição de uma mulher estuprada? Essas perguntas precisam ser feitas e é preciso pensar no nosso papel nesse processo. Não se trata de consumir apenas conteúdos construtivos, informativos e até mesmo edificantes, mas de repensar o que encaramos como entretenimento e para onde direcionamos nossa atenção e, consequentemente, nosso engajamento.
Enquanto não nos conscientizarmos do poder que temos literalmente nas nossas mãos, escolhendo não interagir com esse tipo de informação leviana e irresponsável, continuaremos lidando apenas com as consequências da exposição de pessoas. A indignação gerada com esse caso não anula a dor de uma mulher que foi obrigada a vir a público contar a história da sua violência, revivendo seu trauma e tendo a sua angústia desmerecida.
Talvez a resposta para a pergunta que abre este artigo esteja justamente aí: as pessoas estão dispostas a ir por engajamento e, portanto, dinheiro, até onde haverá quem consuma esse tipo de publicação abjeta.