Mestres e grupos folclóricos são reconhecidos como Patrimônio Vivo do Piauí

Publicado originalmente em O Estado do Piauí por Vitória Pilar e edição de Luana Sena. Para acessar, clique aqui.

Na localidade de Vazante Grande, zona rural da cidade de União, Benjamin Rios de Araújo arrancava as primeiras notas de um cavaquinho. O instrumento havia sido dado pelo pai, aos quatro anos de idade, quando ele percebeu que a criança era surda e não conseguia se enturmar com a família, diferente dos outros filhos. O menino, no entanto, era autodidata e logo a família percebeu que havia um talento diferente na criança. 

A medicina tradicional ajudou e, aos poucos, a surdez da criança melhorou. Se encantou com uma sanfona e a partir daí virou o Mestre Beija. “Lembro que comecei com uma de dois ‘baixo’, ela não prestava”, relembra. “Eu queria uma de verdade, já estava começando a inventar música da minha cabeça, foi quando meu pai um dia falou: ‘Vem Beijin, vem ver a sanfona que eu trouxe do Maranhão’. Depois disso, tudo começou”, conta. 

Hoje, aos 94 anos, o Mestre Beija conta da porta de sua casa, no bairro Vila Operária, zona Norte de Teresina, sobre as histórias que a sanfona lhe proporcionou dentro e fora do Piauí. Como da vez em que tocou com o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, lá em Floriano, na década de 50. Ou das inúmeras apresentações feitas nos grupos musicais piauienses, como o ABC – antigo e conhecido grupo musical de forró de 1980.

Há dez anos ele trocou a vida católica pela doutrina evangélica. Agora que é crente, como ele diz, não canta mais forró, só música gospel. No entanto, fez uma exceção, e durante conversa com o oestadodopiaui,  cantou um forró autoral – composto em tempo real para a repórter. “Assunte, menina”, diz ele antes de abrir o gogó para cantar. 

“Eu comprei uma casinha na praia, com uma rede na varanda pra gente balançar. Tem laranja, manga rosa, acerola,  tem coração e uma viola para te dar. Vem, meu amor, vem”, diz a canção.

A história de vida de Mestre Beija e mais 29 mestres e grupos folclóricos foram certificadas no dia 5 de novembro – Dia Nacional da Cultura – como Patrimônio Vivo do Piauí. Além da certificação, os selecionados devem contar com um auxílio vitalício de R$600 para pessoa física e de R$1.200 para grupos. 

De acordo com a Secretaria de Cultura do Estado do Piauí (Secult-PI), cerca de 90 inscrições foram realizadas, mas apenas trinta registros foram escolhidos. A edição foi a primeira e deve continuar sendo realizada a cada ano. Segundo o antropólogo Edmundo Machado, a certificação é uma forma de mostrar que não apenas aquilo que é visto, sentido ou ouvido é um patrimônio, mas uma forma de produzir significado através da existência humana. 

Ele explica, que dentro da antropologia, há um conceito nomeado como “heritage” – herança, em português – que significa o primeiro entendimento daquilo que temos sobre o mundo. Por isso, a voz, o saber, uma tradição também podem ser considerados um patrimônio, além de manter viva as tradições cultivadas no Piauí. “A gente não consegue tocar, mas vê que isso é um símbolo”, analisa o especialista. “E ao tombar isso, damos um valor simbólico e um reconhecimento maior às capacidades humanas mais tradicionais”, pontua Edmundo. 

“É o reconhecimento de uma vida toda”, declara o Seu Rifirí, o Bumba-Meu-Boi Brilho da Lua, de União. Ele, que parou o jogo de baralho para falar com a reportagem, conta que começou a brincar de boi desde 1986. “Eu ainda era um frangote”, conta entre risos. “Desde então, isso se tornou meu chamego”, destaca. 

Rifirí detalha que hoje, aos 65 anos, por conta da idade, não chega mais a se vestir de boi e dançar na cidade. Mas, todo mês de maio até o dia 22 de junho, ele é o maestro da apresentação em União. Apesar das dificuldades financeiras para manter a equipe e a vestimenta, ele nunca deixou o município sem a tradicional apresentação do Boi Brilho da Lua. 

Agora, com a gratificação, ele espera poder ajudar nos trajes e na preparação do boi. Isso porque, nos últimos anos, mesmo contando com um auxílio da Prefeitura de União, o dinheiro não era suficiente para realizar a apresentação dos seus sonhos. “Tem muito tempo que venho brincando de boi. Essa brincadeira que me faz feliz e eu quero ver ela continuando, bonita, altiva e forte”, finaliza Rifirí. 

Confira todos os selecionados como Patrimônios Vivos do Estado do Piauí de 2021:

  • Albino de Brito Veras (Mestre Albino). Grupo Escravos Brancos, em Teresina – PI.
  • Ambrósio de Carvalho Sousa (Mestre Ambrósio). Sanfoneiro de Reisado. Boa Hora – PI.
  • Antônio José da Costa (Antônio Feliciano). Mestre de Reisado, em Valença – PI.
  • Benjamim Araújo Neto (Mestre Beija). Sanfoneiro cantador de São Gonçalo. União / Teresina.
  • Domingos Viana da Silva (Mestre Viana). Mestre de Reisado, em N S de Nazaré – PI
  • Francisca Rodrigues dos Santos (Chica Lera). Grupo Encantadeiras. Mulheres quebradeiras de coco. Comunidade Tapuio, zona rural de Esperantina – PI
  • Francisco de Assis Oliveira (Seu Rifiri). Bumba-meu-boi Brilho da Lua. União – PI
  • Francisco Peres de Sousa (Chico dos Romances). Poeta da Literatura de Cordel, em Piripiri – PI.
  • Inês de Carvalho Costa (Tia Inês de Bernardo). Artesanato de palha. Comunidade Várzea Queimada, zona rural de Jaicós – PI.
  • Isaias Neres Santiago (Mestre Isaias). Mestre de Reisado e Roda de São Gonçalo. Comunidade Quilombola Malhada Alta, em São Raimundo Nonato – PI
  • João Francisco dos Santos (Mestre João Herundino). Sanfoneiro de Reisado. Povoado Buriti Alegre, zona rural de Beneditinos – PI.
  • João Pereira de Oliveira (João Oliveira). Artesanato em madeira e Escultor. José de Fretas – PI.
  • Joaquim Hipólito Ferreira (Joaquim Hipólito). Mestre de São Gonçalo. Povoado Santo Antônio, zona rural de Jaicós – PI.
  • José Gomes de Resende (Zé Messias). Mandador de Reisado. Povoado São João, zona rural de Boa Hora – PI.
  • José Guilherme da Silva (Cacique Zé Guilherme). Indígena Tabajara. Piripiri – PI.
  • Juarez Pereira da Silva (Mestre Juarez). Reisado Reis de Ouro. TeresinaPI
  • Luis José de Oliveira (Luis Ciríaco). Tambor de Crioula. Comunidade Guabiraba I. Zona rural de Porto – PI.
  • Maria Antonieta Maranhão (Dona Niêta). Bandolinista. Bandolins de Oeiras – PI.
  • Maria Antonieta Maranhão (Dona Niêta). Bandolinista. Bandolins de Oeiras – PI.Olenor de Sousa Andrade (Dona Olenor). Rezadeira e cantadeira. Festa do Divino. Comunidade Quilombola Marmelada, zona rural de Gilbués – PI
  • Maria Pereira Lopes (Mãe Maria Pereira). Comunidade Tradicional de Terreiros de Umbanda. Teresina – PI.
  • Raimundo Antônio Carlos Alves (Raimundão da Mutamba). Lezeira. Reisado. São Gonçalo. Comunidade Quilombola Mutamba, zona rural de Paquetá – PI
  • Raimundo Antônio de Abreu (Mestre Raimundo Branquim). Mestre de Reisado. Povoado Boquinha. Zona rural de Teresina – PI.
  • Raimundo Nonato de Oliveira (Raimundo Careta). Careta de Reisado. Povoado São Raimundo, na Boa Hora – PI
  • Raimundo Nonato Sousa Machado (Raimundo Preto). Tambor de Crioula. Comunidade Maricá, zona rural de Porto – PI
  • Joaquina Maria de Sousa (Kindou Marques). Memória. Museu do homem rural. Comunidade Lagoa Grande, zona rural de Bocaina – PI.
  • Honório Santos Neto (Honorinho). Cantor e compositor popular. São João do Piauí – PI.
  • Maria Sebastiana Torres da Silva (Sanfoneira Sebastiana). Sanfoneira e cantora. Comunidade Serra Branca, zona rural de São Raimundo Nonato – PI.
  • Associação Cultural Reisado do Piauí (Mestre Severo). Bairro Primavera. Teresina – PI.
  • Grupo de Tradições Culturais Samba de Cumbuca. Comunidade Quilombola Salinas, zona rural de Campinas do Piauí – PI
  • Batuque do Curral Velho (Ivonilde da Silva Rodrigues). Baião e Cabeça de Bale. Comunidade Quilombola Curral Velho. São João do Piauí – PI.

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