Publicado originalmente em Nujoc Checagem por Márcio Granez. Para acessar, clique aqui.
Está circulando pelo WhatsApp uma mensagem que mistura diversas teorias conspiratórias sobre a pandemia do novo coronavírus. Trata-se de mensagem anônima na qual uma mulher narra sua consulta a uma médica da região do ABC paulista. Em cerca de seis minutos de áudio, a mulher faz diversas afirmações sobre a suposta letalidade das vacinas e os planos que estariam por detrás da imunização contra o novo coronavírus, informações essas que teriam sido repassadas por sua ginecologista. A mensagem chegou à equipe do NUJOC por meio do aplicativo Eu Fiscalizo, da Fundação Oswaldo Cruz, disponível para Android e iOs.
Manifestantes antivacina: meu corpo, minha escolha. Imagem: Unsplash
A mulher começa afirmando que a vacina foi programada para atuar sobre o plasma, por meio da inteligência artificial, com o objetivo de minar o sistema imunológico. Com isso, seria possível atingir o objetivo por detrás da vacina, que seria “reduzir a população”. De que forma? “O plasma da vacina vem com uma codificação que traz uma leitura para a inteligência artificial”, explica a mulher.
Não há qualquer fundamento na afirmação de que as vacinas contra no novo coronavírus possam enfraquecer o sistema imune. O que elas fazem é justamente o contrário: estimular o sistema imune para que ele produza a resposta de defesa contra o vírus. Há diversos estudos que explicam o funcionamento e comprovam a eficácia das vacinas, como você pode conferir aqui, aqui e aqui.
A onda negacionista atual tem resultado em prejuízos inestimáveis à saúde pública. Doenças erradicadas do país, como a poliomielite e o sarampo, estão voltando a fazer vítimas porque os pais passaram a descuidar da vacinação das crianças. Mas a onda antivacina não é nova: nos Estados Unidos há grupos antivacina desde os anos 70, como você pode conferir nesta matéria aqui.
H1N1 E HIV – Na sequência do áudio, a mulher afirma que a vacina é composta por 50% do vírus da gripe H1N1 e 50% do vírus HIV, causador da aids. Isso garantiria o enfraquecimento do organismo. “Por incrível que pareça, é melhor pegar o corona que tomar a vacina”, teria afirmado a médica à narradora.
As vacinas atualmente disponíveis são comprovadamente eficazes no combate à infecção pelo novo coronavírus, obedecendo a rígidos padrões de qualidade e controle em sua produção. É absurdo e criminoso vincular o HIV às vacinas que estão sendo produzidas contra o novo coronavírus. Recentemente, a fala de um pastor que também vinculou a vacina contra a Covid-19 ao HIV foi minuciosamente checada e desmentida pelo coletivo Bereia, parceiro do NUJOC Checagem, como você pode conferir aqui.
O novo coronavírus já deixou quase 200 mil mortos no Brasil – vidas que poderiam ter sido poupadas caso as pessoas já tivessem vacinas à disposição. Médicos e cientistas afirmam que é falso e irresponsável divulgar informações sem fundamento sobre as vacinas, pois é a vida de milhões que está em jogo.
Apocalipse – A mensagem divulgada pelo WhatsApp tem também um forte viés religioso do início ao fim: logo de cara, a narrativa faz menção à vinda de Jesus Cristo – “sabemos que Jesus está voltando” – e ao fim dos tempos, pela suposta aproximação de um meteoro que em 2029 passaria bem perto da Terra e a colisão de outro meteoro com o nosso planeta em 2060.
Não há qualquer indicação de que nas referidas datas haverá evento catastrófico envolvendo a Terra e algum corpo celeste oriundo do espaço sideral. Os astrônomos costumam monitorar os céus à procura de objetos potencialmente perigosos em rota de colisão com a Terra, para que possamos nos preparar para eventuais perigos vindos do espaço – e até agora não existe nenhum estudo que aponte para catástrofes desse tipo no futuro próximo. As catástrofes mais próximas, indicam os cientistas, decorrem mais da ação do próprio homem sobre o planeta que das forças naturais – desmatamento, poluição e crescimento desordenado.
Diversas vezes as profecias e teorias que previram uma colisão catastrófica foram desmentidas pelos fatos – o mundo não acabou no ano 1000, nem no ano 2000, nem 2012, nem em todas as vezes em que se cravou uma data nas muitas profecias sobre o final dos tempos.
Ideologia de gênero e aborto – A mulher também afirma que a ideologia de gênero e o aborto fazem parte do mesmo plano de controlar e “reduzir” a humanidade: “A gente sabe que homem com homem não faz filho, nem mulher com mulher, a proposta da aprovação do aborto também, para que não venha a nascer mais ninguém”.
Relacionar a ideologia de gênero e a aprovação do aborto com a extinção da raça humana não faz o menor sentido em termos teóricos e práticos. O problema maior da humanidade nas últimas décadas, alertam os estudiosos, tem sido controlar o crescimento desordenado da população, que leva à exploração predatória dos recursos naturais. Isso sim coloca em risco a vida do Homo sapiens sobre a Terra, como explica o historiador israelense Yuval Noah Harari, nesta entrevista aqui.
Tempos difíceis – Ao juntarem crenças apocalípticas, teorias conspiratórias e assuntos como saúde pública, essas mensagens tendem a piorar a situação já delicada que o mundo enfrenta com a pandemia do novo coronavírus. Em tempos difíceis, dizem os estudiosos, as pessoas tendem a se agarrar a crenças sem fundamento, a serem dominadas pelo medo e pela inação. O risco com isso é deixar de agir no que for possível para enfrentar os problemas reais. O principal deles, atualmente, sendo a distribuição rápida e eficaz das vacinas, que, essas sim, podem contribuir para melhorar a vida de todos no planeta Terra.
Portanto, a mensagem de áudio que circula atualmente pelo WhatsApp, afirmando que as vacinas fazem parte de um plano para controlar a humanidade, é falsa, não tendo qualquer fundamento nos fatos. A equipe do NUJOC Checagem já fez várias outras verificações de mensagens que espalham teorias conspiratórias – muitas delas com o aval de médicos e cientistas. Confira nessa reunião de checagens aqui.