Marco Zero: ‘Quem esconde de onde vem o dinheiro está escondendo sua linha editorial’

Publicado originalmente em Reconfigurações Jornalísticas UFF por Victor Guedes. Para acessar, clique aqui.

Sérgio Miguel Buarque, jornalista, fundador e coordenador executivo da Marco Zero Conteúdo, conta como a organização jornalística do Recife busca sustentabilidade e a desconstrução das narrativas da grande mídia

Marco Zero Conteúdo foi fundada em 2015 por um grupo de sete jornalistas veteranos de Pernambuco. Sonhavam em conseguir realizar um jornalismo comprometido com problemas sociais e econômicos graves do seu entorno e que não encontrava espaço nas mídias tradicionais. Em meia década de trabalho, o veículo se tornou uma referência do novo jornalismo de qualidade produzido em seu estado e já conquistou prêmios importantes por suas reportagens, como pelos especiais Suape pelo avesso e Óleo no Nordeste, que venceram o Prêmio Cristina Tavares em 2020. Nesta entrevista, concedida no dia 10 de agosto de 2021 pelo aplicativo Zoom, o jornalista Sérgio Miguel Buarque, fundador e coordenador executivo do site, autor de inúmeras reportagens importantes do veículo, expõe com clareza como o processo de gestão foi amadurecendo nestes anos. Marco Zero optou por não trabalhar com publicidade e não recebe dinheiro de empresas ou governos; é uma organização jornalística sem fins lucrativos e busca transparência como garantia para grandes e pequenos doadores, sejam eles entidades do terceiro setor ou pessoas físicas que colaboram para dar sustentabilidade e, ao mesmo tempo, reforçar a rede de leitores.

As questões territoriais e as difíceis condições de vida no Recife e em áreas rurais do Nordeste estão entre as principais questões abordadas pela Marco Zero, tema de projetos especiais, como À espera d’água, de 2020. Este ano, o site se destacou na cobertura dos protestos realizados no Recife contra o governo federal em maio, com episódios de violência contra os manifestantes. De acordo com o jornalista, a perspectiva apresentada pela Marco Zero se diferencia daquela em geral apresentada em veículos da grande mídia estabelecida. O site se diz posicionado a favor dos direitos humanos, de questões de mobilidade, de pautas identitárias, o que faz com que seja identificado politicamente à esquerda. Mas Sérgio Miguel Buarque destaca: “Apesar de nós termos um jornalismo posicionado, nosso jornalismo não é opinativo”. As reportagens se baseiam em muita apuração, contato com as fontes e dados. A necessidade de buscar uma argumentação mais interpretativa e analítica surgiu na pandemia e encontra expressão em projetos como o podcast Arrumadinho, criado em 2020, e na seção Diálogos do site.

A Marco Zero Conteúdo é um dos nove veículos do jornalismo nativo digital que compõem o conselho executivo e deliberativo da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), criada em junho deste ano. As parcerias com outros nativos digitais são um dos pilares da atuação da Marco Zero: “nossa fortaleza mesmo são essas parcerias. (…) o que não conseguimos atrair em dinheiro trazemos em recursos humanos, em ideias e mobilização. Isso faz com que a gente areje, traga novas ideias e torne nossa pauta mais plural, faz com que a gente fale de locais diferentes, tanto do ponto de vista de território quanto do ponto de vista de raça, de gênero, classe”.

A entrevista foi integralmente transcrita (ver abaixo) e encontra-se disponível neste vídeo gravado para o site do projeto de extensão Reconfigurações Jornalísticas, da graduação em Jornalismo do Departamento de Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Transcrição da entrevista com Sérgio Miguel Buarque, da Marco Zero Conteúdo

Realizada e transcrita por Vitor Guedes da Rocha

Revisão da transcrição e minutagem: Rachel Bertol

Data de realização da entrevista: 10 de agosto de 2021

Projeto: Reconfigurações Jornalísticas – UFF

Coordenação: Profa. Rachel Bertol

0:12 Eu sou Sérgio Miguel Buarque, eu sou jornalista aqui do Recife. Nasci no Recife mas fui criado durante muito tempo em Olinda, cidades vizinhas. Mas toda minha vida profissional, acadêmica, foi toda tocada aqui no Recife, me formei em Jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco e trabalhei durante quinze anos no Diário de Pernambuco, comecei na parte de esportes, depois fui editor na parte de esportes, política. Quando eu saí do Diário eu era editor executivo, saí para começar esse projeto da Marco Zero Conteúdo, um projeto de jornalismo independente.

1:5 Como surgiu o jornalismo na sua vida? Qual a sua formação?

1:9 SMB: Eu me formei em Jornalismo, mas não foi uma coisa automática. Embora eu… desde a época do colégio eu me dava bem em redação, mas não foi minha primeira opção. Primeiro fiz Direito, logo que concluí o Ensino Médio eu fiz vestibular para a Universidade Federal e passei em Direito, e cursei durante um tempo. Mas, nesse período, eu comecei a me interessar – já tinha certo interesse -, e vi que não era exatamente Direito que eu queria e fui descobrindo que o que eu queria fazer mesmo era Jornalismo. Como eu fazia Direito na Universidade Federal [de Pernambuco], eu fiz vestibular para Jornalismo na Universidade Católica, no primeiro momento com a ideia de conciliar os dois cursos. Mas quando eu comecei Jornalismo eu vi que realmente era o que eu queria. Sequer voltei para trancar a faculdade de Direito, assim entrou nas férias e nunca mais voltei, fiquei só no Jornalismo mesmo. Me formei, já comecei a estagiar na época da faculdade. Tive uma coisa que eu acho importante: esses três anos que eu passei fazendo Direito fizeram com que, primeiro, entrasse no curso de Jornalismo com uma maturidade maior, mais velho, já sabendo bem mais claro aquilo que eu queria, do ponto de vista profissional; e também trouxe essa bagagem do Direito, o curso da Universidade Federal, é um curso de Direto muito bom, não considero que foram três anos perdidos, para mim, trouxe uma base que me ajudou e me ajuda até hoje na carreira como jornalista.

3:10 Pesquisando, nós vimos que você trabalhou por dezesseis anos no Diário de Pernambuco, e a gente gostaria de saber como foi a sua trajetória nesse jornal.

3:19 SMB: Eu comecei… antes de ir para o Diário, nesse período entre sair da faculdade e começar no Diário, teve ali um período em que eu trabalhei em empresas. Essas coisas que vão encaminhando. Eu comecei num estágio na Brahma, um estágio que pagava bem. Trabalhei na Brahma, depois passei um tempo como prestador de serviço na Brahma, aí fui trabalhar na Alcoa, outra grande empresa, acabei indo, mas sempre com aquele desejo de ir para o jornal. Mas você fica dividido entre ter aquela boa remuneração e… Até que surgiu a oportunidade de eu ser correspondente de um jornal esportivo, o Lance, um jornal, ainda existe até hoje, mas ele estava começando a se lançar e precisava de um correspondente aqui. Como eu sempre tive muita ligação com o esporte, sempre gostei, eu fiz um teste e passei a ser o correspondente. Eu conciliava o trabalho na Alcoa com o de correspondente do Lance. Foi um período interessante porque o jornal ainda ia ser lançado. Então, de certa forma, mesmo à distância, participei um pouco desse processo de construção do jornal. Eu lembro que eu ia para os jogos, fazia reportagens, mandava, ia testando e não saia. Fazia o número zero, testava, como se fosse fazer o jornal mesmo. E passei um ano sendo correspondente. Então, foi um período muito interessante, uma coisa que eu gostava, eu ia lá cobrir treino de futebol, outras competições esportivas e o que tivesse de esportes aqui em Pernambuco. Cheguei a fazer matéria até na Paraíba, e fui fazendo, trabalhando. Trabalhando em esportes no Lance, eu recebi um convite para ir pro Diário de Pernambuco, para a editoria de esportes, e aceitei. Isso já é em 1998, finalzinho de 98 eu fui para a editoria de esportes e passei um tempo nessa editoria. De 98 até 2002 trabalhei como repórter e em 2002 passei a ser editor assistente. Passei de 2002 até 2004 como editor assistente na editoria de esportes. E, para minha surpresa, eu recebi um convite numa sexta-feira quando estava fechando o jornal, na edição na sexta-feira à noite, no “pescoção”, a gente fechava a edição de sábado e a edição de domingo já. Em esportes, a edição de domingo é super caprichada, o grande dia de esportes é o domingo. E, eu estava lá, quando acabou a diretora de redação me chamou – eu disse sexta-feira à noite não deve ser coisa boa, deve ser alguma bronca… Fui lá aí ela fez o convite, se eu topava assumir a editoria de política. Eu, obviamente, na hora fiquei com medo. Eu ainda novo, com apenas quatro anos ali no jornal e sem experiência, nunca tinha trabalhado na editoria de política. Sempre acompanhei a política e tal, sempre tive uma participação, sempre gostei, sempre acompanhei, e nas reuniões com os editores eu sempre me posicionava, do ponto de vista jornalístico, das coberturas. E também não tinha ninguém melhor, uma crise danada que estava na área de política… Eu fiquei com medo, titubiei um pouquinho, pedi um tempo para pensar, aí ela disse: “é sexta-feira de noite e na segunda-feira de manhã você tem que me dizer”. Pensei, pensei e acabei aceitando. Aceitei e passei de 2004 até 2007 na editoria de política. Eu entrei em 2004, em maio. Ela me chamou em abril, tinha umas férias para tirar, tirei e quando voltei em maio já era para assumir e já estar naquele processo de eleição de 2004 [ano de eleições municipais no Brasil]. Então já entrei num processo de eleição e tive uma muito boa experiência com a eleição de 2004 e depois com a eleição de 2006 [ano de eleições presidenciais]. Então, isso é um trabalho pesado, duro, mas traz uma boa bagagem, uma boa experiência. Em 2007, eu fui… recebi um convite para ser o editor executivo do jornal. Começou com as férias do antigo editor executivo, depois dessas férias teve outras férias, depois fiquei ali, e acabei virando o editor executivo. Nessa parte tem um trabalho ali, de tocar o jornal, o dia a dia do jornal, o fechamento das edições, de encaminhamento. Fiz essa parte de comandar o jornal nos plantões, tinha um revezamento importante todo final de semana. Ali uma vez por mês, eu ficava à frente do jornal, para fechar a primeira página, não deixa de ser uma experiência boa. Mas depois, já um ano depois, eu comecei a fazer parte de uma equipe que estava planejando uma transição do jornal impresso – não ia deixar de existir, aos trancos e barrancos ainda existe o Diário de Pernambuco -, mas era um processo que a gente chamava de convergência da redação, que era, na época, uma coisa que estava começando a acontecer pelo mundo, que era de juntar a produção que o jornal tinha no site com o impresso e fazer isso de forma coordenada, sem choques, e a gente começou a desenvolver modelos e estudar melhores formas. Então a gente fundiu as equipes da redação, que antes eram duas coisas totalmente separadas, inclusive fisicamente separadas, ficavam e outra sala, então a gente juntou tudo. Testamos algumas formas. E foi outro processo muito importante de transição desse modelo totalmente impresso para um modelo que convergia várias mídias. E aí começou um trabalho de… com as equipes também, os repórteres começaram a produzir também, tanto para o jornal quanto para o portal, claro que aí tem alguns conflitos, há uma mudança de cultura, é muito complexa, e também o jornal pensa muito no ponto de vista de economizar recursos, às vezes começava a sobrecarregar as equipes, que, a partir dali… antes você tinha só que escrever a matéria, agora você tinha que fazer vídeos, tinha que gravar coisas para a TV, o jornal também tinha uma TV. Foi um processo lento, e que gerou alguns conflitos, mas também teve coisas boas. Isso também me proporcionou a conhecer outras realidades. O jornal acabou bancando um curso de Master de Jornalismo Digital, no Instituto Internacional de Ciências Sociais, eu fui para São Paulo fazer esse curso master. Então isso abre muito, é um curso muito importante, na época bastante inovador, um curso voltado para gestores de veículos de comunicação, e aí você tinha um intercâmbio: lá tinha gente d’O Estado de S. Paulo; gente d’A Tarde, da Bahia; tinha gente do exterior também, tinha repórteres da Venezuela, você tinha professores também – era um curso ligado à Universidade de Navarra, na Espanha – então você tinha professores espanhóis. Visitei redações; do Clarín, da Argentina, visitas técnicas; visitei redações aqui no Brasil também; passei tempo no Correio Braziliense, que na época tinha um trabalho muito avançado nessa parte de produção jornalística. Então foi uma experiência muito boa para tentar trazer isso para o jornal. Isso, já estou falando de 2010/2011, da mesma forma que abriu muito os horizontes para as novas formas de fazer jornalismo, começou também esse. Foi meu processo de afastamento do jornal, porque aí começou. Eu comecei a ver. Eu estou falando “eu” porque a entrevista é comigo, mas tinham outras pessoas envolvidas nesse processo, era uma equipe que estava nesse processo, eu como editor executivo tinha um certo protagonismo ali, e tinha uma outra pessoa muito importante nesse processo que era a editora do site diariodepernambuco.com.br e do pernambuco.com, que era o portal que juntava ali as várias mídias do Diário de Pernambuco, que fazia parte do grupo dos Diários Associados. Então, Carol Monteiro era uma pessoa que foi fazer esse curso master comigo também, e que estava ali, a gente tocando isso no dia a dia. Mas aí começou o processo de você não conseguir aplicar essas novas ideias, porque, no fundo, os jornais como um todo são conservadores. Não só do ponto de vista político, editorial, mas do ponto de vista de modelo de negócios. As mudanças não aconteciam. A gente começa a abrir os horizontes para novas ideias, novas formas de fazer, novos modelos, e aquilo você não consegue implementar. Num primeiro momento, você acha que consegue fazer uma transformação por dentro. E chegou um ponto em que eu vi que não dava mais, aquele jornalismo que eu imaginava, que eu acreditava, do ponto de vista do fazer jornalismo, do ponto de vista de modelo de negócios e de estruturação, e também do ponto de vista editorial. O jornal estava cada vez mais complicado, era um jornal que existia – e eu estou falando isso do jornal em que eu trabalhava, mas eu estendo isso de maneira geral -, a mídia tradicional como um todo era uma mídia que defendia os interesses dos grupos econômicos. No caso daqui, especificamente, do Recife, interesses muito fortes do mercado imobiliário, da indústria automotiva, discutia cada vez menos a cidade, a gente fazia cada vez menos reportagens aprofundadas. A estrutura também diminuindo, cada vez mais demissões, e ficando cada vez mais difícil de você fazer aquele jornalismo que você acreditava, tanto do ponto de vista da qualidade das reportagens como também do ponto de vista editorial. Não foi um processo simples, de eu começar a perceber isso, até ter coragem de sair. E, paralelo a isso, muito com as experiências que eu tinha visto, comecei a observar o jornalismo, as redações dos jornais tradicionais, as grandes redações. Mas, paralelo a isso, comecei a ver experiências no mundo que estavam acontecendo, de inovação no jornalismo independente. Eu comecei a perceber que surgia, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, mas também aqui pela América Latina. Em 2011, comecei a ver em São Paulo, quando estava fazendo o curso master, e acompanhei o surgimento da Agência Pública, que é uma agência de jornalismo independente pioneira nesse modelo que a Marco Zero tem. Comecei a ver isso e comecei a pensar no que fazer no pós-jornal, no pós-redação, e junto com Carol. A partir daí, comecei a pensar, nas minhas férias de 2012 fui para São Paulo, visitei a Agência Pública, comecei a trocar ideias, a fazer pesquisa. Eu e Carol, a gente começou a chamar outros colegas que estavam… e aí eu já estou começando a entrar na história de como surge a Marco Zero Conteúdo. A gente já começa a ver outros colegas que pensavam parecido isso do jornalismo, muitos já tinham saído das redações tradicionais, estavam fazendo coisas aí fora, e a gente começou a conversar e a convergir para alguns pontos, e pensar num modelo que não repetisse os mesmos problemas, tanto do ponto de vista do modelo de negócios, quanto do ponto de vista do fazer jornalismo e do ponto de vista editorial, cometer os mesmos erros que víamos na mídia tradicional, e foi aí que começou a surgiu a Marco Zero. A gente tomou algumas decisões, quando a gente estava pensando a Marco Zero, que norteiam, isso foi em 2014 para 2015, a gente começa com algumas decisões: uma que a gente ia construir uma organização sem fins lucrativos, a Marco Zero começou a se estruturar na forma de uma ONG. Paralelo a isso, a gente também decidiu que não ia trabalhar com publicidade, nem aceitar dinheiro de governo ou empresas públicas e privadas, isso era uma forma de reafirmar nossa independência editorial. Fomos sete jornalistas nesse processo, além de Carol Monteiro e eu; Inês Campelo, que era diretora assistente de imagens, do Diário; Inácio França, que nessa época já tinha saído da mídia tradicional, já tinha passado por várias experiências, e tinha trabalhado no Unicef, no sistema das Nações Unidas e já tinha tido uma série de outras experiências, até como secretário de imprensa da prefeitura de Olinda; Laércio Portela, que tinha trabalhado em Brasília durante muito tempo, chefiando a redação do Ministério da Saúde, e depois trabalhando como assessor de Lula e depois de Dilma, mas tinha voltado para o Recife; Samarone Lima, que era professor, trabalhou muito tempo na Folha de S. Paulo, na Veja, nos jornais daqui, mas que estava trabalhando como professor e como assessor às vezes em alguns projetos específicos; Luiz Carlos Pinto, professor universitário, tinha trabalhado muito tempo em jornal e estava se dedicando à carreira acadêmica. Nós sete nos juntamos, tínhamos em comum ter trabalhado na mídia tradicional e sermos mais ou menos da mesma geração, e esse desejo de fazer um jornalismo que a gente não conseguiu fazer, e que levou todos nós, de alguma forma… Eu já tinha saído, outros já tinham saído, e Carol e Inês que saíram um pouco depois, um ano depois. Então a gente tinha tido uma experiência na redação sobre como os anunciantes e o poder econômico interferiam na independência. E como o governo, que era o principal anunciante da maioria dos jornais, também interferia na pauta. Então, como é que você poderia fazer um jornal independente numa cidade como Recife, que, naquela época, estava vivendo o processo “Ocupa Estelita”, um movimento muito forte de discussão muito forte do espaço urbano. Então, Recife é uma capital extremamente densa, com uma densidade demográfica muito grande, e extremamente verticalizada, por ter uma área muito pequena – é a menor capital brasileira em área. Isso força com que o espaço urbano seja muito disputado, e os interesses imobiliários ali são muito fortes, e o jornal tinha o mercado imobiliário como seu principal anunciante, o segundo principal, e o principal, o governo. Então como é que você vai fazer um jornalismo independente, se você tem total dependência do governo, do mercado imobiliário e da indústria automotiva, que também não tinha como discutir o Recife, da forma do jornalismo sério, sem discutir a questão de mobilidade urbana, que é um problema muito sério. Então, você ter anúncios da indústria automotiva, do mercado imobiliário e do governo, você não poderia ter essa independência. Com a decisão extremamente acertada, a gente começou com esses dois pontos: se organizar como uma organização sem fins lucrativos e sem receber dinheiro de empresas públicas, privadas e governos. Então como é que a gente iria se sustentar era o grande desafio. A partir daí, a gente desenvolveu um modelo de negócios que apostava na diversificação das fontes de recursos, que a gente tivesse várias fontes de recursos, que não a gente não tivesse dependência de uma só, e que fossem fontes de recursos que não interferissem na linha editorial. Fomos testando várias coisas, quando começou a gente tinha uma loja que vendia produtos da Marco Zero, tinha camisas com frases de jornalismo. Fazíamos cursos, com temas voltados para o jornalismo, isso também era uma importante fonte de recursos. A gente disputava editais, e foi ali construindo, sabendo que tínhamos ali mais pra frente dois objetivos, que a gente precisava se consolidar primeiro, essa a nossa primeira fase. Não tinha dinheiro, a gente trabalhou muito tempo, nosso primeiro ano na Marco Zero foi investindo dinheiro sem nada de retorno, porque a gente sabia que precisaríamos consolidar a marca, precisaria de uma produção consistente, mostrar qualidade da nossa produção para podermos partir para essa nova etapa, que era um modelo que a gente viu, de jornalismo sem fins lucrativos, que estava ganhando muita força na Europa e nos Estados Unidos, e que a Pública – a Agência Pública -, já tinha esse modelo.

22:30 A próxima pergunta tem um pouco disso que você nos contou. Que a Marco Zero surgiu no ano de 2015. O que motivou a sua criação?

22:49 SMB: É justamente a vontade de produzir um jornalismo que a gente acreditava, sem as amarras que a gente sentia, que a gente ficava preso, sem liberdade, dentro das redações. Interferências do poder econômico e do poder político. Então a gente queria construir, poder fazer um jornalismo mais aprofundado, com reportagens que trouxessem contexto, isso é importante, com enfoque muito forte nos direitos humanos, e dando visibilidade para pautas e assuntos que eram invisibilizados pela mídia tradicional. A gente não só trazia histórias que não estavam na mídia tradicional, como a gente trazia novas fontes. Então, isso que motivou a criação, e a gente sabia que, para isso, precisávamos ter um modelo de negócio que nos desse independência do poder econômico e do poder político. Por isso que construímos esse modelo de organização, uma ONG. A Marco Zero, juridicamente, é uma ONG. Nós temos conselho diretor, conselho fiscal, temos eleição para presidente do conselho diretor, para vice-presidente, diretor administrativo. A cada dois anos temos uma nova eleição, nós temos os sócios-fundadores. Então nós temos uma estrutura de ONG, e temos uma forma de captação de recursos que mescla várias fontes. Mas a gente começou… sempre tivemos em mente também que queríamos construir um modelo de negócio sustentável, e que a Marco Zero não seria uma segunda opção de trabalho da gente, como às vezes acontece. A gente ia se dedicar àquilo e íamos viver daquilo. Sempre tivemos em mente que a Marco Zero seria o nosso meio de sustento. Então a gente dedicou muita energia para isso, a gente investiu muito tempo e recursos para que desse certo. Isso também é um fator muito importante, mergulhamos fundo ali, de cabeça. Claro que, certos fundadores não foram direto, foi um processo gradual. No primeiro momento, à medida que a gente ia conseguindo captar mais recursos e conseguindo captar mais recursos e se estruturar melhor, a gente foi, eu e Laércio primeiro, a gente começou a se dedicar – dedicação exclusiva -, no ano seguinte veio Inês, depois, no ano seguinte, Inácio, e a partir daí fomos construindo a redação. E hoje nós temos quatro – cinco dos nossos fundadores sendo remunerados, quatro exclusivamente da Marco Zero, uma pessoa ainda é professora e trabalha na Marco Zero, e duas pessoas saíram por questões profissionais, quiseram se dedicar a outros assuntos na sua vida, e assim não fazem parte mais do dia a dia da Marco Zero, mas estão ali, pessoas próximas, de vez em quando ajudando a produzir. Hoje são cinco sócios fundadores, dentro de uma estrutura de uma redação, somos 11 pessoas na redação da Marco Zero

26:04 A Marco Zero surgiu em 2015, que foi uma época de muita efervescência desses veículos mais de um jornalismo mais alternativo. Muitos veículos surgiram nessa onda também baseados nos protestos de 2013. Você acredita que esse evento, quando houve uma nova movimentação das mídias, apontando para outras possibilidades de cobertura jornalística, foi importante para a concepção do projeto de vocês, a Marco Zero?

26:34 SMB: Não, assim. Eu acho que 2013 foi um marco para isso, que se refletiu em 2015. É impressionante quando você coloca isso num gráfico. A Marco Zero faz parte do conselho diretor da Ajor, Associação de Jornalismo Digital, recém-formada. Passou um ano construindo, articulando, já são mais de 40 organizações de jornalismo digital, a gente discute muito. Uma das primeiras ações da Ajor foi fazer uma pesquisa aprofundada com as organizações associadas da Ajor, e é interessante que uma das perguntas que surge na pesquisa, que chama atenção, é o ano de fundação. E é um boom, em 2015 o gráfico dá uma subida e uma descida, é impressionante, e nós estamos aí nesse boom. Mas, por uma série de fatores, a gente não foi em 2013, exatamente, diretamente, pelo menos, o que aconteceu com muitas das organizações. Mas acho que indiretamente tem uma influência, porque também ficou muito exposto para a gente, e para parte da sociedade. Em 2013, a forma como a mídia cobriu aqueles eventos mostrou que tinha alguma coisa errada com a mídia tradicional. E isso motivou. A cobertura de algumas organizações que já existiam, daquilo, chamou atenção. Então, se não foi uma forma… o principal motivador, ou tivesse uma relevância importante para a Marco Zero, diretamente, os eventos de 2013, mas o trabalho da mídia, de organizações que já existiam, aquilo chamou atenção da gente, e motivou, sabe? Então, não exatamente os eventos de 2013, mas a cobertura que a mídia independente fez, sim, principalmente a Agência Pública. Eu me lembro que a Mídia Ninja também chamou muita atenção, e aquilo foi muito importante. A gente começou a frequentar congressos, um ponto de convergência que muita gente desse universo participava. O congresso da Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, que acontece tradicionalmente em São Paulo. A Abraji era um ponto de encontro, a gente começava conversas ali, trocava ideias, e eu acho que isso desaguou em 2015, mas, repito de novo, surgiram muitas ali, continuaram surgindo, não como em 2015. Mas assim, eu diria que 2013 foi [importante] de forma indireta, não direta, para a Marco Zero.

29:18 Desde 2017, vocês publicam relatórios anuais e até balanços. Nós podemos consultar no site também o Estatuto Social do Centro de Estudos da Mídia Marco Zero Conteúdo, criado em 2017. O que aconteceu nesse ano, especificamente?

29:33 SMB: Na verdade, a gente começou em 2015, mas a gente investiu muito no jornalismo, mas a gente não tinha experiência na parte de gestão. O nosso primeiro CNPJ era um CNPJ de MEI – MEI não, era de Simples, empresa do Simples. Sempre tivemos uma decisão de trabalhar dentro, cumprindo todas as formalidades, dentro da legalidade. A gente aposta muito nessa coisa da transparência e na ética, de como a gente trata as coisas. Então, a gente paga todos os impostos que temos que pagar, a gente emite nota fiscal. Desde o começo, a gente tinha que botar dinheiro do bolso da gente até para pagar contador, para poder fazer as coisas. Mas a gente sempre trabalhou dentro da legalidade, e mais para frente, isso tem sido muito importante para gente, uma dessas decisões fundadoras, que a gente tomou na hora de fundar, muito importante. Começamos a ver que precisávamos, começamos a repercussão nas nossas reportagens, no nosso site. A gente começou a se tornar referência, e a gente começou a sentir que precisávamos investir na institucionalização da Marco Zero, na governança. Não era só jornalismo, era gestão também, e isso é fundamental. Fomos procurados, com um ano que tínhamos, em 2016, no meio do ano de 2016, fomos procurados pela Oak Foundation, uma fundação inglesa que investe em vários projetos pelo mundo na área de direitos humanos, na área de mobilidade. Ela já tinha aqui, na região metropolitana do Recife, uma série de projetos que ela apoiava. E a Fundação Oak percebeu que essa pauta das organizações que ela apoiava, umas 15 a 16 organizações, não tinham espaço na mídia tradicional. Eles começaram a conversar com esses parceiros deles, essas organizações que eles apoiavam, e queriam saber se existia alguma organização de jornalismo independente, como tinha lá na Europa, em outros lugares, como tinha em São Paulo a Agência Pública – eles já apoiavam a Agência Pública -, aqui em Pernambuco. E todo mundo falou: “A Marco Zero, a Marco Zero, que está começando. É um pessoal muito bom, faz umas matérias muito boas”. E eles conversaram com a Agência Pública também, e perguntou se no Nordeste tinha já uma outra pessoa da Oak e ela disse: “No Nordeste, lá tem o pessoal da Marco Zero. Eles estão começando, e são muito bons”. Convergiu isso, e eles procuraram a gente. Tivemos reuniões, veio gente lá, o chefe do… dessa área, desse projeto, chamado Projeto Brasil, é um australiano, Aiden, e tinha que fazer perguntas. Nos reunimos e tal, discutimos, e no fim das contas ele disse: “agora vocês precisam se organizar do ponto de vista de gestão”. E aí a gente resolveu mergulhar nisso, começamos a nos preparar, pesquisar. Foi quando a gente cria nosso estatuto, faz uma associação. E esse ano de 2017, do estatuto, na verdade é o ano em que a gente registrou no cartório. Ele já existia, informalmente, mas ao registrar no cartório, ele tem um custo muito alto, e que a gente não estava preparado. Com essa possibilidade da Oak, que aí você tem que ter a contabilidade. A gente gastou mais de R$ 4 mil (quatro mil reais) só na legalização da Marco Zero. Então, precisávamos ter o mínimo de recursos para que pudéssemos dar esse passo. Com a possibilidade da Oak, e com alguns projetos que a gente começou a fazer, e o dinheiro que começou a entrar, aí a gente investiu nisso. Começamos esse processo em 2016, em 2017 ficou pronto, e aí sim. Conseguimos nosso primeiro grant, nosso primeiro financiamento institucional da Fundação Oak, que deu para a gente montar nossa redação. Eu, Laércio e Inês começamos a trabalhar: Inês ficou responsável pela parte de imagem, eu pela parte de gestão, e Laércio pela parte de conteúdo. E aí a gente começou a tocar. Contratamos nossas duas primeiras repórteres, e depois renovamos nossa parceria com a Oak, e começamos a fazer outras parcerias ali, e começou a entrar recursos. Em 2018, já ampliamos a redação, já entra Inácio – para ser editor -, a gente já começa a reformar, amplia a redação, já traz uma pessoa pro design, já começa a trazer outros repórteres, e chega na estrutura que a gente tem hoje, da redação.

34:28 Sobre as fontes de financiamento, uma das formas da Marco Zero é a realização de cursos, consultorias e palestras. Eu gostaria de entender um pouco mais sobre esses métodos, especificamente.

34:40 SMB: Isso aconteceu no nosso primeiro ciclo, nos dois primeiros anos, essas aí eram as nossas principais fontes de recursos. A partir do momento, em 2017, com toda essa reformulação que teve, estatuto, a gente começa a implementar modelos, contrata uma pessoa que passa a fazer consultoria de projetos, ela começa a administrar esse projeto que a gente tem com a Oak, porque, quando a gente consegue financiamento institucional, a gente consegue isso em cima de um projeto. A gente tinha objetivos, metas, indicadores que medem aquilo, e a gente tem de prestar contas de cada centavo que a gente usa, tem que estar dentro daquele projeto que a gente desenvolveu. Então, tínhamos X para contratar pessoal, X para aluguel, X para equipamentos. Tínhamos toda essa gestão, e a gente tinha que estar prestando contas. A gente contratou com o recurso da Oak uma auditoria externa. Uma das principais auditorias do terceiro setor, do Brasil. Então, anualmente, a gente passa por uma auditoria, para ver todos os nossos processos, porque a gente acha que a transparência, além de ser uma questão ética, de estar na nossa filosofia, a gente acha que a gente tem a obrigação de ser transparente, porque a gente cobra a transparência dos governantes, a gente cobra transparência das empresas, então a gente sempre acreditou que a gente tem de ter também ter nossa transparência. Por isso, a gente publicas nossos balanços, relatórios da auditoria – inclusive já vai entrar lá agora -, o de 2020 ficou pronto agora. Já temos agora versão em português e em inglês, essa próxima que vai entrar no site, já foi aprovada e gente já encaminhou para nossos financiadores. A gente tenta ampliar ao máximo essa transparência. Porque também a gente acredita que isso é estratégico. Se a gente vive de doações, hoje nossas principais fontes de doações são ou de grandes doadores como a Oak ou – no que eu vou chegar agora – do nosso programa de membros, que são pequenas doações de leitores. A gente precisa, a gente tem a obrigação de ser transparentes, e a gente percebeu que, quanto mais transparente somos, mais vontade essas pessoas têm de doar seu dinheiro. Porque vão estar doando para uma coisa em que sabem onde seu dinheiro está sendo usado, que esse dinheiro está sendo usado com transparência, que esse dinheiro está sendo investido em jornalismo. Essas fontes de recursos, que tinha ali quando começamos e que a gente ainda faz esporadicamente, foi o que sustentou a gente. Foi fundamental para a gente. A partir do momento em que temos um financiamento da Oak, nosso primeiro financiamento, nós recebemos US$ 105 mil [cento e cinco mil dólares], é um dinheiro razoável, deu para a gente se estruturar bem, da Oak. Depois, prestamos conta desse dinheiro, investimos e passamos por auditoria, e vimos que esse dinheiro tinha sido muito bem empregado, dentro dos objetivos que tínhamos traçado, cumprimos nossas metas, e conseguimos uma renovação de grant, de R$ 150 reais (cento e cinquenta mil reais). Então, a gente já teve uma ampliação. Já estamos, agora, negociando, estamos agora num momento em que estamos gravando esse vídeo, a gente está num processo de renegociação para o quinto ano, e já acordamos mais quatro anos, ou seja, temos mais quatro anos de apoio, da nossa principal fonte de financiamento. Mas, a partir daí, a gente conseguiu outros financiamentos, e, nesse período, a partir do momento em que a gente começou a ter mais recursos e a se estruturar, a gente sentiu cada vez mais a necessidade de ter um desenvolvimento institucional. Então nós começamos a nos capacitar e nos preparar para que a gente captasse mais recursos, ampliasse, porque mais recursos é mais jornalismo. Mais dinheiro é mais jornalismo. Esta é uma equação que a gente começou a ver na prática, que ela é muito direta. A gente começou também a ter a necessidade de gastar melhor esse dinheiro, então, a gente, essas auditorias em que a gente passou, mostrou a necessidade de cada vez mais administrar melhor esse dinheiro, fazer com que esse dinheiro seja melhor empregado. Isso faz com que a gente atraia mais recursos, então a gente começou a se capacitar. Eu já citei aqui que a gente tinha contratado uma pessoa para cuidar da gestão desse projeto da Oak, mas a Marco Zero começou a se tornar, e a gente começou a ter mais recursos do que, necessariamente, [recebíamos d]a Oak. Então, a gente precisava de uma visão mais global da gestão da Marco Zero. Então, a gente começou, por um lado, a investir, a gente começou a contratar ferramentas de gestão, começamos a comprar ferramenta de gestão das nossas contas, dos nossos projetos. Começou a ter uma gestão financeira muito mais elaborada, a gente tem uma conta bancária para cada projeto, e a gente começou a conseguir a ter consultorias. Então a gente teve uma consultoria de desenvolvimento institucional, a gente conseguiu recursos através do Repórter Sem Fronteiras, recursos para fazer. Então teve uma consultora top, Adriana Garcia, uma consultora de nível internacional, e a gente começou a ter consultoria para a gente reestruturar nossas divisões de tarefas dentro da Oak, nosso organograma, e os fluxos e processos de produção dentro da Marco Zero, isso com a equipe. Então, a partir dessa consultoria, a gente reestruturou a Marco Zero. Começamos a ter uma Marco Zero, a pensar em um de nós sendo o gestor que cuidava da Marco Zero para fora. Um ponto forte da Marco Zero são as parcerias, construímos nesse último ano mais de dez parcerias diferentes, com organizações diferentes. Mais de dez projetos diferentes, que envolvem mais de 60 (sessenta) organizações e instituições diferentes, dessas parcerias. Então, a gente tem uma coordenação de relações institucionais que olha a Marco Zero para fora, e administra essas parcerias, e a relação da Marco Zero com o externo, assim, com os parceiros, financiadores, do ponto de vista institucional. A gente organizou uma coordenação, de nós, que é a Marco Zero olhando para dentro, que é a coordenação executiva, que sou eu, que cuida da parte da gestão, dos recursos humanos, da captação de recursos, da parte de elaboração de projetos para captar recursos. Ou seja, as relações institucionais mantêm uma relação ali com outras instituições, veem a possibilidade de captação e negociam. Aí entra a coordenação executiva, para a elaboração de projetos e para a gestão financeira e a gestão desses projetos e desenvolvimento interno, de melhorar nossa estrutura, da gestão do patrimônio, de todas essas coisas. Então, é a Marco Zero olhando para dentro. Criamos uma coordenação que é nossa, é a coordenação de conteúdo, que toca a redação, as pautas, o que a gestão da redação de toda essa parte da edição das matérias, do que vai entrar, quando vai entrar, então é essa coordenação de conteúdo. E criamos uma que a gente chama de coordenação de engajamento, que é a coordenação que vai… ela é de engajamento e imagem, design, toda essa parte, dentro dessa coordenação de engajamento. Ela é o elo entre essas várias coordenações, então ela é a que dá transversalidade a essa estrutura da gente. Porque ela é como se fosse uma prestadora de serviços para dentro da Marco Zero. Então, por exemplo, ela é a coordenação de conteúdo, a coordenação de engajamento é que coordena toda a parte de redes sociais da Marco Zero. Dentro dessa coordenação tem o designer, um analista de redes, tem a pessoa que cuida das imagens, a edição de vídeos, está tudo dentro desse guarda-chuva. Então, ela fornece conteúdo para as redes sociais, a partir do que é produzido dentro da coordenação de conteúdo, na captação de recursos a gente precisa fazer campanhas, a gente precisa usar as redes sociais, mensurar todas essas partes de métrica, de inteligência de negócios, a coordenação de engajamento faz essas métricas. A gente trabalha em conjunto para fazer as campanhas de captação de recursos, que a gente – como eu vou chegar depois -, que é o nosso eixo de dinheiro de projetos, mais o dinheiro de doações, que é nosso programa de membros. Isso precisa de muito engajamento para atrair as pessoas, então a coordenação fornece o trabalho em conjunto, a captação de recursos com o engajamento. A mesma coisa com as relações institucionais, então, nas nossas campanhas institucionais, todos os nossos projetos especiais, que a consultoria de relações institucionais [faz], ela é responsável por esses projetos especiais. Um exemplo de um projeto especial que fizemos agora, recentemente: um edital para jornalismo de periferia. A gente forneceu bolsas para organizações de jornalismo da periferia para produzir de reportagens, a gente publicou no site. Isso é um projeto especial que é tocado pela coordenação de relações institucionais, então a gente precisa também do apoio do núcleo de engajamento. Existem essas organizações que trabalham em conjunto, ou seja, pelo que eu falei aqui já dá para perceber que a gente trabalha sempre em conjunto. Relações institucionais e captação de recursos, que é a coordenação executiva, trabalham muito em conjunto, quando desenvolvem… ao invés de uma relação, uma parceira, a gente vai desenvolver um projeto em conjunto. A coordenação executiva entra ali para fazer orçamento, pensar o projeto, estratégia, está todo mundo trabalhando em conjunto, e a gente tem, todas as segundas-feiras, uma reunião das coordenações. A gente tem, periodicamente, a reunião do conselho diretor da Marco Zero, formado pelo presidente, que é eleito pelo vice-presidente e pelo diretor administrativo-financeiro. Esses cargos duram dois anos, e mudam. E a gente tem a assembleia geral da Marco Zero, e são todos os sócios fundadores, que é a instância máxima, que decidem, entre o estatuto, todas as funções. Então, nós coordenadores, respondemos ao conselho diretor, que responde à assembleia geral da Marco Zero, então essa é a estrutura de gestão, e isso a gente desenvolveu a partir… esse modelo que está, e os fluxos que têm, das reuniões que temos… em torno dos processos internos, a gente desenvolveu a partir dessa consultoria de desenvolvimento institucional. Paralelo a isso, a gente também teve uma… contratou através de recursos que conseguimos num edital do Instituto Clima e Sociedade, a gente conseguiu recursos para contratar uma consultoria de captação de recursos. A partir dessa consultoria, ela fez um diagnóstico da Marco Zero, envolvendo toda a parte de captação de recursos, ela fez um estudo do – entre aspas – do “mercado”, mas de como as outras organizações de jornalismo independente têm se mantido, e de outros tipos de organizações não governamentais – já que a gente também é uma organização -, e a partir daí, traçou um diagnóstico situacional, de como estava a Marco Zero, e de uma série de estudos e reuniões entre a gente aqui, de debates, nós elaboramos, através de uma consultora, um plano de mobilização de recursos, de três anos, que tem dois pilares, que é a captação de grandes doadores, esse dinheiro que a gente capta da nossa principal fundação, a Oak, mas a gente também capta de outros, e o que a gente chama no plano de doação de pessoa física, que são os pequenos doadores, que aí a gente elaborou esse plano de membros, que a gente tem ele como se fossem assinantes, só que o conteúdo nosso é aberto, todo nosso conteúdo é aberto e pode ser usado por qualquer pessoa. A gente acredita, é um dos princípios nossos, que o conhecimento é para ser compartilhado, e gratuitamente, então a gente não cobra por nada. Então assinante não faria sentido porque nós não fechamos o conteúdo, mas o nosso membro, ele é uma pessoa que acredita que precisa colaborar com a Marco Zero para que exista um jornalismo que esteja ao lado dele e defenda pautas que são do interesse dele. Então, nós temos um problema, nós fechamos um contrato com a Doação Solutions, que é uma empresa que fornece uma ferramenta de captação de recursos, de gerenciamento e de relacionamento com esses nossos doadores, isso tudo a partir desse plano de doação. A gente tem metas, a gente tem objetivos ali traçados, como atingir esses objetivos, e dentro desse plano de captação de recursos; aí quando dialoga, a gente colocou as duas consultoras, Adriana e Flávia, para evitar conflitos entre as duas consultorias. O ponto de interseção desses dois planos é o núcleo de engajamento, que é subordinado à coordenação de engajamento, mas que também, com a participação da coordenação executiva, porque aí entra também a pessoa que cuida da relação com os grandes fornecedores. Esse núcleo de engajamento é o que a gente tem investido muito agora, que ele cuida da nossa presença nas redes sociais, ele potencializa nossos canais de relacionamento com nossos leitores, nossos doadores. Desenvolvemos uma newsletter, que é conteúdo exclusivo; temos redes de transmissão no Whatsapp; desenvolvemos produtos específicos para o “Minuto Marco Zero”, que é semanal; a gente tem um programa de podcast, o “Arrumadinho”, que é semanal e a gente dialoga, é a parte mais de uma opinião nossa. O núcleo de engajamento é quem potencializa todas essas coisas ali e dá uma unidade nisso. Para isso funcionar, a gente contratou uma consultoria de redes, então, durante quatro, cinco meses, nós passamos por uma consultoria que estruturou nossa estratégia de redes sociais. Desenvolvemos uma persona, vimos o tom da nossa linguagem, como a gente ia estruturar os fluxos, e a partir daí a gente conseguiu impulsionar. Junto com essa consultoria de redes, a gente contratou, através também dos recursos que conseguimos com o Repórter Sem Fronteiras também, uma consultoria de SEO, e a gente conseguiu, através de organizações não governamentais e do Google Brasil, um programa que eles têm, é um Google para organizações sem fins lucrativas, e tem o Google Ads, que você tem um crédito de US$ 10 mil mensais, e você não recebe esse dinheiro, recebe em crédito, para que você possa investir em anúncios dentro do Google, e ajustar seu SEO. Com isso, a gente consegue nos posicionar muito melhor dentro das buscas do Google. E isso tem um impacto na audiência. Então, a gente melhorou através de uma consultoria de redes sociais, aumentamos o engajamento e o nosso relacionamento com o público leitor. A gente melhorou nosso posicionamento dentro das buscas do Google, e melhoramos a arquitetura de SEO do nosso site, isso tudo através de consultorias. Nós fomos buscar profissionais capacitados. Fomos buscar recursos primeiro, para melhorar isso. Nós melhoramos nossa gestão e processos de trabalho através de uma consultoria de desenvolvimento institucional, e melhoramos nosso potencial de buscar mais recursos através de uma consultoria de captação de recursos, que desenvolveu um plano de mobilização de recursos. Com isso, nós já aumentamos em mais de 600% nossas visualizações de página, aumentamos em impressões no Twitter, aumentamos nossos seguidores. Todas as métricas que envolvem engajamento e audiência. Foi surpreendente a rapidez desse resultado. Porque isso passa por uma coisa que a gente aprendeu, e que é importante para as organizações – para qualquer organização, mais para organizações de jornalismo independente -, que é investir nas atividades mesmo, na capacitação, na gestão, para que a gente possa produzir mais jornalismo. O resultado disso é que a gente aumentou em 40% a nossa produção de conteúdo. Nós passamos a… já ganhamos dois prêmios importantíssimos, aliás, três prêmios importantíssimos nesses últimos 12 meses. Estamos fechando e conseguimos ampliar um apoio institucional que a gente tinha, que era anual, depois passou para dois anos e ampliamos para quatro anos agora. E com valores maiores do que os que a gente tinha. Isso, no nosso relatório de auditoria, que vai para o site agora que ficou pronto, ele veio sem nenhuma ressalva, pela primeira vez nossa auditoria vem sem nenhuma ressalva, porque a gente… paralelo a isso, a gente contratou um dos principais escritórios de contabilidade de terceiro setor no Brasil. A gente resolveu investir dinheiro nisso, e até que não é um investimento tão alto assim, e esse é um escritório especializado em terceiro setor, então ele já ajustou, nesse último ano, os métodos de controle, os métodos de escrituração, de tudo, dentro da Marco Zero, então isso refletiu na auditoria. Quando você tem um engajamento maior, do seu público; quando você é achado mais facilmente no Google, qualquer notícia que as pessoas vão procurar sobre aqui, o Recife, a gente está bem rankeado lá dentro do Google. Então tem transparência nos seus números, resultados apresentados ali através do balanço, você consegue captar mais recursos. Isso gera um círculo vicioso: você capta mais recursos, você produz mais jornalismo; então você produz mais jornalismo, você impacta mais as pessoas; quanto mais impacto, você traz mais doadores; com mais doadores, você traz mais ali; e a gente consegue… Eu tô falando tudo isso, mas isso é difícil, e isso é um trabalho que é preciso… no momento em que estamos gravando isso, a gente está num momento de crise econômica profunda, no meio de uma pandemia, num governo fascista, que tenta sufocar o jornalismo – não só o jornalismo -, principalmente o jornalismo independente, [um governo que] é inimigo das organizações não governamentais, e tenta dificultar tudo o que persegue, persegue do ponto de vista jurídico, persegue do ponto de vista de violência física mesmo. Felizmente, ainda não aconteceu com a Marco Zero, mas alguns colegas nossos do jornalismo independente e ativistas sofrem da violência… um governo homofóbico, machista. Todas essas coisas estão dentro da linha de cobertura da nossa pauta, que a gente cobre essas coisas, então, eu estou falando tudo isso, mas é dentro de muito esforço, muita dificuldade, e que ainda está longe do que a gente precisaria para poder se contrapor a todo esse ambiente hostil que a gente tem vivido no Brasil

57:08 O ano de 2020 foi o ano da crise da pandemia, que infelizmente ainda não acabou. Foi um ano difícil para as economias num geral, só que para vocês, o ano foi de uma vitalidade muito forte, como você citou, com prêmios, houve vários projetos, colaborações. O que aconteceu ano passado [2020], com a Marco Zero Conteúdo?

57:30 SMB: A gente refletiu muito sobre isso já. Porque se for ver direitinho, se você for lá nas nossas prestações de conta, a gente teve uma queda, um pouco, na captação de recursos. Mas a gente estava preparado para gerir melhor esses recursos, então conseguimos, através da gestão – de como a gente investiu esse dinheiro -, melhorar. A gente também imagina se não tivesse essa pandemia, e todas essas coisas, talvez tivesse sido muito melhor o ano. Foi bom porque a gente estava preparado, mas muitos dos nossos projetos tiveram que ser engavetados, tem coisa ali que a gente queria fazer e a gente não pode fazer. E a gente conseguiu… tem uma vantagem das organizações de jornalismo independente, por sermos estruturas melhores, mais enxutas, a gente consegue se adaptar melhor às adversidades e às coisas que estão acontecendo. A gente conseguiu mudar nossa pauta, produzimos desde o começo da pandemia mais de 170 conteúdos relacionados à Covid. E a gente conseguiu… fontes de financiamento que se fecharam por causa da Covid, a gente conseguiu abrir outras. Ganhamos um edital de apoio emergencial do Google, de US$ 5 mil (cinco mil dólares), para investir em reportagem de coronavírus, da cobertura da pandemia. Então a gente investiu, criou o programa “Arrumadinho” [podcast], que trata basicamente, principalmente no início, sobre a pandemia. A gente conseguiu também algumas economias, economia com transporte, a gente negociou o aluguel e conseguimos reduzir seu custo, porque começamos a trabalhar em home office. E a gente conseguiu juntar algumas economias, redirecionar alguns recursos, apertar daqui, apertar dali, e investir. A gente foi captar recursos para… já que estava ali dentro e precisou fazer uma reflexão, precisou arrumar novas formas de trabalhar dentro desse ambiente de pandemia, de trabalho à distância, que é muito difícil fazer jornalismo em home office, mas a gente conseguiu dar conta. Vi muita criatividade, muito esforço, mas a gente resolveu: “Já que tinha que ajustar isso, vamos ajustar para valer”. Aí começamos a olhar para dentro da Marco Zero, o que a gente podia melhorar, e precisava. Chegamos à conclusão, dentro da pandemia, que precisa se reorganizar, porque estávamos mudando de patamar, e se a gente não adequasse nossa gestão e nossa maneira de se organizar, a gente não ia conseguir acompanhar, a gente ia regredir. Chegamos a um ponto onde você, ou você melhora – muda de patamar -, ou você vai para trás. E a gente tomou essa decisão, foi difícil ali fazer tudo isso online, isso gera uma série de dificuldades, mas a gente conseguiu. Então, 2020 foi bom porque a gente investiu na nossa profissionalização. Se, o primeiro ciclo, dos dois primeiros anos, a gente costuma chamar internamente, quando estamos apresentando a Marco Zero em palestras, para estudantes ou o quer que seja, a gente chama de fase do existir, era da consolidação de uma marca, precisávamos de uma marca forte. O segundo período, que chegou até o quarto ano, era o período da institucionalização, a gente precisava se institucionalizar. Isso quer dizer que a Marco Zero precisava ser mais do que éramos nós, ela tinha que existir além de nós, dos fundadores. Essa terceira etapa, que a gente está agora e que começou no quarto para o sexto ano, que a gente está indo agora, é a que a gente chamou de fase de profissionalização. A gente começou a tornar nossos processos, nossos fluxos, nossas relações, mais profissionais. Então a gente começou a trazer consultorias, vários tipos de consultorias, e a gente começou a criar procedimentos ali dentro, nós tínhamos vários, então, essa é a fase da institucionalização. Agora, a gente precisa mudar de patamar, sabe, e é.. agora a gente está minimamente organizado para crescer, porque se começássemos a crescer – como sinalizava que a gente estava crescendo -, de forma desordenada, depois para ajustar isso… dificilmente conseguiríamos ajustar. A gente está agora na fase da profissionalização de nossos processos.

1:02:16 A Marco Zero tem uma relação muito forte com o território, vocês se propõem a “reconstruir a cidade”. Como é que a cidade foi “construída” pela mídia tradicional, construída entre aspas? Qual o papel da Marco Zero nessa reformulação?

1:02:30 SMB: Toda construção da cidade, tanto do ponto de vista urbanístico mesmo, literal, como do ponto de vista das narrativas da construção da cidade, essa narrativa é feita pela classe dominante, que construiu a cidade, e essa narrativa é construída através mídia tradicional, a mídia tradicional é que cria e conta as histórias dessa cidade que ela cobre. É uma cidade centralizada, contada a partir do centro dos bairros mais “nobres”, entre aspas, os bairros mais ricos; ela esquece e invisibiliza as periferias, ela cria portões invisíveis, em que essa periferia não consegue entrar dentro da cidade, criada por essa narrativa, que é uma narrativa branca, heterossexual, muito masculina… muitas vezes masculina, e de classe média/rica. Quem entra nas páginas do jornal e nas histórias são esses personagens, e são essas fontes que falam, é esse especialista que fala para o jornal, que se enquadra nessa cidade. A Marco Zero, quando começa a construir uma narrativa, ela tenta construir uma narrativa a partir da periferia, não que sejamos todos das periferias, mas contar, abrir espaço. A gente não vai dar voz à periferia e nem a gente é a “a voz da periferia”, a gente não tem essa pretensão. A gente vai deixar que as pessoas da periferia contem essas histórias, que as pessoas que são excluídas dessa cidade que foi construída, desse território que foi construído, dessas narrativas, que elas comecem a contar suas histórias. Por isso, a Marco Zero tem tantas matérias que falam de pessoas trans, tantas que falam da juventude negra que está sendo exterminada, tem tantas matérias dos impactos socioambientais. A gente não começa a contar a histórias do impacto socioambiental a partir da praia de Boa Viagem, que está sendo poluída, ou dessa cidade idealizada branca, ali do meio. A gente conta da violação socioambiental quando não é feito o tratamento de esgoto, quando tem esgoto a céu aberto e não tem água tratada, nas periferias, quando os megaempreendimentos, como a transposição do São Francisco, por exemplo, impacta na vida dos mais vulneráveis. Então a gente começa a contar essas narrativas e a cidade a partir dessa ótica, é a cidade que se contrapõe ao mercado imobiliário. A lógica do mercado imobiliário é excludente, é uma lógica que torna cada vez mais o metro quadrado mais caro, que empurra mais as pessoas para longe, e as pessoas têm que se deslocar de muito longe para trabalhar. Isso interfere na mobilidade das pessoas dentro da cidade, isso interfere no acesso das pessoas aos equipamentos públicos, é muito mais difícil você ter acesso a postos de saúde. Recife é uma cidade que tem um número de farmácias per capita estúpido, assim, fora de qualquer padrão aceitável, mas tudo concentrado nos bairros ricos, para você comprar um remédio, para quem é da periferia, é muito mais difícil. Então, a localização… o território interfere em todas essas coisas, e a gente se propõe a tentar contar as histórias por uma outra ótica, vendo de fora para dentro, e não… de fora para o centro e não do centro para fora.

1:06:43 Vocês apresentam um posicionamento político bem marcado, isso pode ser visto, por exemplo, na seção “Diálogos, do site, ou no podcast “Arrumadinho”, assim como em apresentações públicas de vocês. Como que é conciliar o jornalismo e o posicionamento político, como dosar isso no dia a dia?

1:07:06 SMB: Isso eu acho que fortalece o nosso jornalismo. Porque não existe essa suposta – e pregada – objetividade, como se tudo fosse objetivo no jornalismo, e muito menos essa imparcialidade, e eu sei disso porque fui editor executivo de jornal, e eu sei o que podia e o que não podia colocar, e que vinha lá de cima o que pode e o que não pode. Isso começou a cada vez mais interferir no dia a dia do jornal, e o que me levou a sair, a não querer mais trabalhar, praticar um jornalismo desse tipo. Só que isso é travestido de uma pseudo imparcialidade e objetividade, e a Marco Zero tem lá nos nossos princípios, no que a gente acredita, então todos os nossos leitores, que acessarem nosso site, sabem no que acreditamos, e de onde a gente está falando e com que olhar a gente está construindo nossas narrativas. Então, nitidamente, a gente acredita que a transparência que pregamos não tem que estar só nos números e nos balanços financeiros e nos recursos que a gente gasta, isso é fundamental porque isso dita muito a linha editorial, quem esconde de onde vem o dinheiro está escondendo sua linha editorial também. Mas a gente acredita que a transparência tem que estar na nossa política editorial, as pessoas têm que saber que a gente fala sob uma ótica de esquerda mesmo. A gente fala sob uma ótica dos direitos humanos, da defesa dos direitos humanos, a gente fala de uma ótica dos direitos socioambientais, dos direitos identitários. Então, a gente fala dessa ótica e isso é claro para o nosso leitor, e aí as pessoas sabem, podem julgar melhor, e não serem enganadas como são enganadas pelos editoriais de boa parte da mídia tradicional, que esconde de onde elas falam e para quem elas falam. Então isso fortalece a gente, acredito que isso fortalece nosso jornalismo, e não é uma dificuldade, sabe. E talvez aí que seja uma diferença da Marco Zero, que é uma organização de jornalismo, mas é um jornalismo posicionado; de uma organização – que é muito importante, não estou fazendo juízo de valor aqui -, mas de ativismo. A nossa diferença é que usamos as ferramentas e as técnicas jornalísticas; nós temos toda uma técnica, todo o cuidado e toda uma estrutura montada para que a gente seja fiel, às ferramentas, à ética, ao jornalismo, o que é fundamental, porque o jornalismo também tem parâmetros, e a gente segue esses parâmetros com o máximo de rigidez que a gente pode. Então, a gente tem cuidado, a gente tem internamente avalia, a gente procura dar… fiel a esses preceitos em que a gente acredita e que estão lá em nosso site. A gente procura ser o máximo transparente possível dentro disso. E temos pouquíssimos, temos só um – acho que um – em seis anos, um processo na Justiça, que já ganhamos nas fases iniciais. É uma coisa totalmente sem cabimento, mas a gente tem muito cuidado com isso, sabe – claro que hoje em dia não é garantia -, mas cada vez mais tem aumentado esse bombardeio jurídico que os fascistas e a extrema-direita têm usado para combater o jornalismo. E o objetivo não é ganhar na Justiça, mas é intimidar e fazer com que você gaste recursos e energias para se defender dessas causas. Isso tem aumentado muito, mas a gente não tem tido problema sério com isso, porque a gente tem muito cuidado, porque esse, na verdade, é o nosso maior patrimônio, é isso que faz a gente ter esses doadores, tanto de pessoas físicas e pessoas jurídicas, de pessoas que acreditam, porque é a credibilidade, e isso a gente só consegue fazendo jornalismo de qualidade, seguindo todos os preceitos do jornalismo.

1:11:29 Em 2020, um dos principais projetos de vocês, também relacionado com a questão do território, foi o “Suape pelo avesso”. Você participou realizando a produção executiva. Você poderia nos contar como é que ele foi planejado, realizado, e qual foi a sua repercussão?

1:11:46 SMB: A gente indicou esse projeto, a gente apresentou para um edital do Fundo Brasil de Direitos Humanos, que é um edital para financiar reportagens. E a gente quis fazer, chegamos a uma decisão que deu muito trabalho mas que valeu a pena, que queríamos abordar Suape de forma bem aprofundada mesmo, bem detalhada, e Suape – para quem está ouvindo a gente aqui e que não é de Recife -, é um complexo industrial portuário que tem aqui em Pernambuco e que agora está num momento – como o país todo -, em crise, mas na primeira década dos anos 2000 e até ali em 2013, 2014, cresceu absurdamente. Então ali estava uma refinaria de petróleo; estaleiro, passaram dois estaleiros ali, construindo navios; indústria petroquímica; e toda uma cadeia de indústria para atender a essa grande indústria. Cresceu muito: obras gigantescas, centenas de milhares de contratações e foi um boom, um boom econômico. Isso foi muito comemorado e tratado com muita euforia e ufanismo pela mídia tradicional, dezenas e dezenas de manchetes sobre isso. E Suape tinha tido uma série de problemas, trazia uma série de problemas, o impacto nas comunidades dali, existiam comunidades quilombolas, comunidades tradicionais, pescadores antigos, que tiveram que deixar seu território, que tiveram suas vidas transformadas. Houve uma mudança, os indicadores sociais pioraram, aumentou a criminalidade, aumentou tudo que você imaginar de impacto que esses grandes empreendimentos trazem, só que isso não vinha à tona, isso era escondido atrás da questão econômica, de empregos, PIB, e todas essas coisas. Então a gente resolveu construir uma matéria aprofundada falando ali do território Suape a partir dessas pessoas que foram impactadas negativamente, a gente contou ali muitas histórias e todo o impacto ambiental que isso trouxe, que é… esse é o mais fácil de se imaginar, de se entender, o impacto ambiental que um megaempreendimento desses pode trazer. Suape conta… é um apanhado completo – o mais completo possível – disso, de todo esse impacto, por isso chamamos de “Suape pelo avesso”, porque é uma visão de Suape que nunca havia sido trazida, de forma assim tão sistemática, era trazida de forma pontual e pelas organizações da sociedade civil que estavam e estão na luta permanente para melhorar as condições de vida das pessoas impactadas ali, mas não num trabalho jornalístico, como esse foi. Junto com o site, você entrando lá no site da Marco Zero você consegue acessar, é um site belíssimo, muito bem feito – eu posso falar isso mais à vontade porque eu não participei da parte editorial, participei da parte mais executiva das coisas -, a gente fez um documentário, desse território Suape, que vale a pena, está lá no nosso site, na nossa home, quem quiser, dá para acessar lá. Vale a pena assistir, muito bem feito, um documentário profissional mesmo, com esses recursos que conseguimos do edital trouxemos gente muito qualificada para dirigir. Ficou muito bom mesmo esse material. Isso resultou em prêmios, fomos a primeira organização de jornalismo independente a ganhar o Prêmio Cristina Tavares, que é o principal prêmio de jornalismo de Pernambuco, o principal do Nordeste e um dos principais do país, existe há 25 anos e nunca uma organização, sem ser da mídia tradicional, tinha ganho. A gente ganhou logo os dois principais, os dois prêmios em que podíamos concorrer, que foi o de cobertura jornalística, com a cobertura do vazamento de óleo do Nordeste, nessa cobertura escrevemos toda a cobertura, nos empenhamos; e ganhamos com esse de Suape, então foi logo uma vitória dupla. A gente começou a participar desse prêmio, e na primeira vez já ganhamos duas categorias, nas duas em que a gente poderia participar. Então assim, Suape é um dos trabalhos que serve para nós como um parâmetro, assim: “esse é um nível de excelência que a gente busca”, sabe. A gente tem aquela cobertura do dia a dia, aquela cobertura mais diária das coisas, do nosso ponto de vista, mas sempre que a gente pode, claro que isso dá mais trabalho, a gente tenta fazer reportagens tipo essa de Suape, que tem contexto, que apontem para os problemas – e que apontem para as soluções também -, que aprofundem e que sejam de interesse público.

1:17:44 Sobre o documentário “Território Suape”. Como que foi essa experiência de agregar um outro tipo de linguagem – a do cinema documentário -, à linguagem da apuração jornalística?

1:17:56 SMB: É um desafio grande, a gente só conseguiu fazer também graças a esses recursos do Fundo Brasil de Direitos Humanos, porque é caro também, né; e através de uma capacidade que eu acho que a Marco Zero tem de agregar e de atrair pessoas que tem boas ideias e de estabelecer parcerias. Se a gente fosse fazer um projeto como esse do documentário, com os valores de mercado e que não houvesse ali um empenho de uma série de pessoas que fazem também porque acreditam naquilo, seria difícil. Porque a gente precisava trazer profissionais, porque é uma linguagem que a gente não tem… claro que teve algumas pessoas nossas que participaram ali diretamente e que tinham domínio disso, mas a gente precisou trazer outros, e a gente aprendeu com essas pessoas, para outras coisas, inclusive. O lançamento do documentário, a gente fez na praça, no município de Cabo de Santo Agostinho, arte do território Suape está no Cabo de Santo Agostinho e outra parte está em Ipojuca, ele ocupa vários municípios dali. O Cabo de Santo Agostinho é o município talvez mais impactado negativamente, porque teve alguns impactos econômicos e também pelos indicadores sociais, e nossos personagens, os protagonistas do nosso documentário, viviam nesse território e a gente passou… E oi uma experiência belíssima, porque eles se viram – depois teve um debate com eles -, e seus vizinhos, os amigos e os parentes viram eles ali como protagonistas, porque parte dessa juventude do Cabo, que estão no nosso documentário, quando eles aparecem na mídia, é em situação de vulnerabilidade ou é num assassinato, nessa coisa de extermínio ou nos noticiários policiais. E aí eles se viam como protagonistas, como pessoas capazes – e são personagens fortíssimos, belíssimos -, capazes de transformar sua realidade. Então aquilo ali encheu eles de orgulho, e os vizinhos e os amigos. Foi a vez que a Marco Zero conseguiu se comunicar melhor com esse público que está ali nesses territórios, então foi muito gratificante.

1:20:30 Também é uma possibilidade, assim, de poder ampliar a cobertura de multimídia, dos ambientes digitais.

1:20:40 SMB: Nós fundadores, somos de uma geração analógica, ainda, nós não somos nativos digitais. A Marco Zero surgiu como um nativo digital, mas nós fundadores vivemos dentro da redação essa transição do analógico para o digital. E a gente procura então se cercar – através das parcerias, das pessoas que a gente contrata, através das nossas consultorias -, de pessoas que tragam esse dado digital, sabe. A gente procura, queremos construir uma linguagem que vá além só do texto, temos nos esforçado para isso. Não é sempre que a gente consegue, mas temos melhorado muito isso.

1:21:26 Também em 2020 vocês tiveram um outro trabalho de destaque que foi “À espera d’água”. Você fez a reportagem. Você poderia nos contar sobre a realização desse projeto e sobre a sua repercussão?

1:21:47 SMB: Foi meio que uma loucura esse projeto. Assim, a gente estabeleceu uns objetivos muito complexos, e depois quando a gente foi para campo é que a gente sentiu. Fomos eu e Inês [Campelo] e a gente… em outra pauta que fizemos, a gente já tinha começado a observar o impacto que a transposição vinha causando na vida das pessoas. E a gente, quando começou a pesquisar e a conversar com as pessoas – isso enquanto ainda estávamos pré-produzindo a reportagem -, a gente viu que as pessoas mais vulneráveis, como sempre, são as mais impactadas. E a gente viu que, no caminho da obra, que atravessa três estados e tem quatrocentos e tantos quilômetros, eles foram passando por propriedades e oitocentas e tantas famílias tiveram que ser removidas, elas foram as primeiras impactadas, e elas foram removidas para vilas produtivas rurais. Elas viviam num ambiente, ali, com suas plantações, com sua casa, um ambiente rural e foram transmitidas para agrovilas, para vilas produtivas rurais, em que você passou a ter vizinhos, a ter um ambiente mais urbano. Isso estava fazendo dez anos das primeiras famílias que foram removidas, e a gente resolveu percorrer… elas foram removidas começando nas margens do Rio São Francisco, em Cabrobó, Pernambuco, até o Ceará, passando pela Paraíba, em dois canais que a transposição tem. A gente resolveu visitar todas essas 18 vilas produtivas rurais para contar a história dessas pessoas, e foi chão, percorremos 2.300 quilômetros, e oito dias. A gente não parava não, era de manhã até de noite, acordávamos cedo, acabamos extenuados, quebrados mesmo, mas conseguimos construir uma reportagem mostrando o impacto. Contamos a história de todas as agrovilas e mostramos também as que estavam, os exemplos que estavam dando certo, então, foi um trabalho, do ponto de vista gráfico, do site, que ficou muito bonito, a designer fez um trabalho muito, muito perfeito, e teve uma repercussão muito boa. Esse especial foi reproduzido por vários outros veículos, inclusive veículos de mídia tradicional, o jornal O Povo, do Ceará, republicou; mais de cinco outras organizações reproduziram nosso material e, recentemente, fomos premiados com o Prêmio BNB, Banco do Nordeste, de jornalismo, a reportagem foi premiada. Então, o esforço… claro que prêmio não é o principal, mas é muito bom ganhar prêmio, e isso ajuda muito a Marco Zero. Mas assim, o impacto positivo que isso causou, sabe, a discussão que isso traz, como Suape, um tema de interesse público, e um tema que não é mostrado dessa forma na mídia tradicional, então isso tem um valor muito grande pra gente.

1:25:30 Aliás, você acredita que esses dois exemplos, tanto “Suape pelo avesso” quanto “À espera d’água” são bons exemplos da ideia de jornalismo investigativo que vocês defendem?

1:25:43 SMB: Assim… o jornalismo, eu acho que ela [essa reportagem] é mais um exemplo do que a gente chama de um “jornalismo de impacto”, um jornalismo de interesse público, e um jornalismo que conta as histórias a partir das pessoas e não das obras, não do concreto. É curioso ver as histórias da transposição que são contadas, têm histórias belíssimas da transposição, muita história boa, contadas inclusive pela mídia tradicional. Mas é muito contada a partir da obra, a partir da economia, e a gente dizia lá que essa é uma história de gente e não de concreto. Obviamente que ela é um exemplo de jornalismo investigativo, mas não esse jornalismo investigativo que a gente se habituou a acompanhar, que é investigar corrupção, investigar os caminhos do dinheiro público – que é também muito importante. Investigamos histórias, mas aí, se observar tanto “Suape” como “À espera d’água”, as histórias das pessoas são contadas com muita base em dados, infografia, tem uma quantidade absurda de dados que a gente levantou, páginas e páginas, foram meses de levantamento; só que pegamos esses dados, esses números e demos rostos e contamos histórias. Nessa linha narrativa, a gente vai mostrando esses dados, e vai também buscando e mostrando possíveis soluções. A gente traz componentes de jornalismo de solução: mostramos o problema, mas a gente tenta mostrar soluções, exemplos que estão dando certo. A gente junta essa coisa da investigação com uma narrativa atrativa e com muitos dados, para que essas matérias sejam contadas a partir do ponto de vista das pessoas e seja de interesse público, e que cause impacto. É mais ou menos dessa forma, nem sempre a consegue tudo isso, todas essas etapas no mesmo grau, às vezes uma matéria sai melhor do que a outra, mas é isso que está no nosso planejamento editorial. A gente tem medo quando a gente sai a campo para fazer uma reportagem… uma grande reportagem.

1:28:36 Você poderia contar um pouco sobre o podcast “Arrumadinho”, qual tem sido o impacto para atrair o público?

1:28:50 SMB: O “Arrumadinho” surge dentro da pandemia. A gente não tinha tido uma experiência com podcast, nem com rádio, profissionalmente. Mas a gente tinha começado a ter experiência, na Marco Zero, em um programa chamado “Fora da Curva”, que é uma parceria que temos com o Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco e da rádio universitária. Desde 2017, é um programa diário – agora com a pandemia é semanal -, em que debatíamos e trazíamos pontos de vista diferentes de vários assuntos que estavam acontecendo. Isso despertou um certo interesse da gente, e deu muito sucesso. Durante a pandemia, sentimos necessidade – o documentário entra um pouco nessa linha também -, de outras formas de a gente se comunicar com nosso público. Queríamos também um produto jornalístico nosso que fosse um pouco mais opinativo, porque apesar de nós termos um jornalismo posicionado, nosso jornalismo não é opinativo. A gente tem a seção “Diálogos” em que colocamos alguma coisa, mas é mais interpretação e análise do que opinião, de certa forma, e é muito mais de gente convidada do que de nós mesmos da Marco Zero, e um podcast é um espaço para isso. A gente precisava discutir, as pessoas estavam em casa, e gente achou que era um momento em que as pessoas estavam consumindo muito esse tipo de informação, enquanto cozinham, lavam seus pratos. Era uma forma de atingirmos um público diferente do que já atingíamos, em momento diferentes e com uma abordagem diferente. Mas a tinha desafios, de fazer isso, que temos feito até hoje, ainda – enquanto falamos isso ele já está em 51 episódios, já na segunda temporada, melhoramos a qualidade do som, que começou meio ruim, porque começamos a gravar ele como estamos fazendo nesta entrevista aqui, remotamente, e isso é difícil, com os equipamentos que tínhamos, com as dificuldades, e fomos aperfeiçoando. Ele causou uma repercussão muito maior do que esperávamos, temos um público cativo ali, quando tiramos férias de uma temporada para outra as pessoas sentiram falta. Então, isso está dentro do nosso esforço de diversificar também os formatos em que a gente traz nossas notícias, a gente tem o “Minuto Marco Zero”, que é um programete entre um e dois minutos, de prestação de serviços, que soltamos às sextas-feiras nas nossas linhas de transmissão do Whatsapp e que atinge duas mil e tantas pessoas. A gente a nossa newsletter, que também está começando a ser mais opinativa, com conteúdo exclusivo, que é uma forma de atingir nosso público. Então, a gente tem buscado novos formatos, porque com isso achamos que, diversificando os formatos, achamos que conseguimos diversificar mais o nosso público também. O “Arrumadinho” tem sido uma experiência excelente, que a gente tem melhorado cada vez mais e que eu acho que, quando acabar essa segunda temporada, vamos vir melhores ainda para uma terceira.

1:32:20 No final de cada episódio do “Arrumadinho” tem o quadro “Cardápio da Semana”. No caso, esse quadro me lembrou muito a função de ombudsman. O que você acha sobre isso? O “Cardápio da Semana” seria realmente um ombudsman?

1:32:34 SMB: A gente quando criou não pensamos nem nisso, exatamente, como isso. Mas você falando assim… procede, isso que você falou faz sentido. Mas a gente pensou isso mais como uma curadoria e de uma forma de a gente trazer um pouco… porque geralmente a estrutura do “Arrumadinho”, temos ali dois assuntos que abordamos e que, de uma certa forma, têm uma ligação, e com o “Cardápio”, poderíamos fazer uma curadoria do que estava acontecendo, de coisas que não necessariamente nós tínhamos produzido, e que a gente pudesse ampliar um pouco o cardápio de assuntos que oferecíamos ali. Então, de certa forma, eram pelo menos mais dois assuntos que a gente trazia, com uma filtragem de nossa visão de mundo, de jornalismo. Essa impressão que você faz, como um ombudsman, é porque, realmente, à medida que fazemos aquilo, a gente traz uma análise crítica daquele conteúdo, mas não era nossa pretensão quando a gente imaginou fazer. Que bom que pode ter também essa interpretação e essa função, né. Foi um quadro que começou nessa segunda temporada.

1:34:03 As parcerias para apuração são uma tendência importante na maneira de trabalhar do jornalismo nativo digital. Como isso foi acontecendo com vocês?

1:34:13 SMB: Desde o começo, nós sempre tivemos a compreensão, e é uma compreensão compartilhada pela maioria das organizações de mídia independente que eu convivo na Ajor, que é a Associação de Jornalismo Digital, que a gente fundou e são 40 e poucos, tem um conselho – a Marco Zero faz parte do conselho. Semanalmente, a gente está ali discutindo, tem algumas programações como a conversa em off, que discute jornalismo; conversa aberta, que é uma conversa, como o nome já diz, aberta. A conversa em off é mais fechada para as organizações que fazem parte da Ajor, e a conversa aberta é aberta para quem quiser participar. E a gente discute muito jornalismo, discute muito o jornalismo do ponto de vista do jornalismo independente, e eu percebo que é uma lógica que a gente tem, desde o começo, que faz parte dessas organizações, que é essa lógica de rede, de trabalhar em rede, é uma lógica de colaboração e de compartilhamento, e isso facilita muito as parcerias. Isso é importante porque somos várias organizações pequenas, que têm que disputar narrativa diária com grandes conglomerados, grandes veículos da mídia tradicional; e têm que disputar também a narrativa com a estrutura muito bem montada, muito rica – em termos de recursos financeiros -, dessa indústria, dessa máquina do ódio, dessa rede que a extrema-direita e o fascismo montaram aqui no Brasil, de desinformação. A gente precisa se contrapor a isso, e trabalhar em rede otimiza muito, tanto do ponto de vista de recursos, como do ponto de vista de alcance, de distribuição do conteúdo. Então, a gente cresceu muito, e todo mundo cresce conjuntamente nessa lógica de ganha-ganha em que a gente trabalha na construção de conteúdos compartilhados e conteúdos colaborativos. A gente tem uma série de projetos, se você entrar no site da Marco Zero, nas nossas prestações de contas, tem ali uma série de projetos que fizemos em parceria envolvendo várias organizações. Essa talvez seja umas das principais fortalezas que a mídia independente tem, sabe, a gente não enxerga um ao outro como concorrente, mas como parceiro. Diferente de quando eu trabalhava na mídia tradicional, que o jornal do outro lado da rua, o Jornal do Commercio, são vizinhos, algumas pessoas viam a direção do jornal como inimigos, e um tentando destruir o outro. Na mídia independente, a gente trabalha um ajudando o outro, existe não só uma troca de conhecimento, não só uma troca, uma parceria do ponto de vista das reportagens, mas de conhecimento adquirido, de experiências. Essas conversas em off que a gente tem, esse espaço que criamos, um mostra como é que está sendo o modelo de captação de recursos; o que deu certo e o que deu errado. Produzimos muito conhecimento nessa área de gestão de captação de recursos e de recursos humanos, nessa área de autocuidado, que a gente tem um com o outro, de bem-estar, do bem-viver dentro das organizações. Então isso tem sido, essas parcerias que são uma das características principais desse ecossistema do jornalismo independente, é talvez a nossa principal fortaleza, e ela vai além do editorial.

1:37:54 No momento, vocês estão envolvidos em quais projetos?

1:38:00 SMB: Nós fazemos parte do conselho diretor da Ajor, são dez organizações que são conselheiras, a Marco Zero é uma dessas conselheiras. Fazemos parte do conselho cuidador do Festival 3i, que é o principal festival do jornalismo, é inovador, inspirador e independente. Começou em 2017, agora não tem por causa da pandemia, mas já vai voltar agora em 2022. Nós somos parte do conselho diretor do Festival Fala, que é um festival de jornalismo de causa, que teve a primeira edição agora em 2020, durante a pandemia, que envolve organizações que têm uma abordagem ali, que mistura cultura também. É uma coisa com um potencial muito grande e a gente já tem inclusive, para o próximo ano, os recursos captados para fazer um festival ainda melhor do que foi esse primeiro, nós somos do conselho gestor. Temos um projeto de extensão com a Universidade Federal, esse projeto “Fora da Curva”, é um projeto de extensão. Nós temos, ganhamos agora do Google News Innovation, um projeto. Fomos uma das oito organizações do Brasil dentro desse edital, está começando agora, estamos na fase de assinar contratos. É um projeto em que a gente juntou oito organizações de jornalismo independente do Nordeste e vamos produzir, vamos fazer uma pesquisa aprofundada, vamos produzir um aplicativo e vamos desenvolver os sites, adaptar os sites dessa organização para produzir conteúdo para deficientes visuais. É um projeto que o Google vai apoiar, vai investir US$ 110 mil (centro e dez mil dólares). São oito organizações, então somos os proponentes junto com a Universidade Católica de Pernambuco e o mestrado de Indústrias Criativas, que eles têm o know how de desenvolvimento dessas ferramentas. Somos do projeto Reload, que também é financiado pelo Google, que envolve outras nove organizações, e pegamos o conteúdo produzido por essas organizações e, como é o slogan dos Reload, “descomplicamos”. Nós produzimos vídeos para redes sociais, matérias voltadas para o público jovem. Então, nós fazemos parte também do Reload. Fora projetos pontuais, estamos tocando uma matéria sobre energia no Nordeste com outras quatro organizações do Nordeste, e certamente talvez tenha esquecido alguma, porque são muitas. Por isso, criamos uma coordenação de relações institucionais, porque nós fazemos parte também do Projor, que é um projeto do Repórter sem Fronteiras de desenvolvimento institucional, são oito organizações no Brasil que fazem parte, é um projeto de três anos que investe tanto em capacitação como em transferência de recursos. Fizemos parte, esse já acabou, que era o Projeto Comprova, de checagem de informações. Fizemos um projeto, chamado… um projeto de parceria com o OVA, que é o Observatório da vida do Agreste, que é um núcleo da Universidade Federal de Caruaru, uma cidade do agreste pernambucano e que periodicamente a gente publica o material que os alunos que fazem parte desse projeto produzem. Esse é um projeto interessante, porque a gente diversifica a nossa pauta e trazemos reportagens que falam do interior de Pernambuco, da região do Agreste, feita por alunos, pessoas que apuram, que vivem nessa região. É um projeto muito interessante e que já fizemos da primeira vez, já continuou e estamos aí seguindo em frente. E tem uns projetos que estão em construção ainda, que não sei se vão vingar ou não. Mas, como vocês podem observar, nossa fortaleza mesmo são essas parcerias. Porque já que não temos tanto dinheiro, não conseguimos atrair tanto dinheiro porque dinheiro está escasso, o que a gente não consegue atrair em dinheiro trazemos em recursos humanos, em ideias e mobilização. Isso faz com que a gente areje, traga novas ideias e torne nossa pauta mais plural, faz com que a gente fale de locais diferentes, tanto do ponto de vista de território quanto do ponto de vista de raça, de gênero, classe. Então, não é a gente falando das pessoas, são nossos parceiros… temos parceiros do Sudeste, do Sul, temos parceiros da periferia, do sertão; de outras regiões aqui do Nordeste. Parceiros com pautas feministas, parceiros de pautas de raça, de gênero. Com isso, a gente consegue ter um mosaico, sabe, de visões de mundo, de pluralidade, que a gente sozinho não conseguiria.

1:43:50 Recentemente, a Marco Zero informou sobre um grande crescimento de audiência na internet e nas mídias sociais, que ela conquistou na pandemia e na cobertura dos protestos agora em 2021. De que forma essas pautas dialogam com o jornalismo praticado por vocês, e que tenham atraído a atenção do público para essas temáticas?

1:44:10 SMB: A gente estava até meio assustado com esse crescimento que a gente teve, com a repercussão que isso tomou. Isso é fundamental porque o tipo de jornalismo que a gente faz e essa lógica toda que já discutimos aqui, ela não existe se não houver o engajamento do público, porque o que sustenta – já que a gente não recebe dinheiro de governo, de empresas privadas -, o que sustenta é nossa relação, nossa interação com nosso público, e que esse público esteja engajado e mobilizado. A experiência mostrou, não só a experiência, como essas consultorias que a gente teve, que manter esse engajamento é fundamental para a captação de recursos e para aumentar o alcance e aumentar o impacto das nossas reportagens. E a gente conseguiu a construir um núcleo de engajamento, com estratégia, tem planejamento. Às vezes parece uma coisa casual, mas ali por dentro, ali por trás tem muito planejamento, porque a gente fez através de uma consultoria, tem estratégia, e a gente criou uma identidade, uma linguagem. Com isso, a gente começou a perceber que não só o volume, mas a gente conseguiu conversar com públicos que não conversávamos antes. Quando o público era muito focado no nosso site apenas, a gente falava com um público muito parecido com o que a gente era, com o que nós jornalistas da Marco Zero éramos; com essa nossa ampliação, isso imediatamente começou a ampliar, a trazer um público novo para o nosso site também, mas ainda não se refletiu tanto como se reflete nas métricas das nossas redes sociais, porque a gente adaptou também a linguagem, a gente tem uma linguagem que é muito mais próxima do público mais jovem, uma linguagem mais dinâmica, mais arejada, do que de nosso site. Essa estratégia que a gente adotou surtiu um efeito muito mais rápido do que a gente pensava e coincidiu de a cobertura, daí foi infelicidade do que aconteceu, da violência da polícia, mas a gente estava lá na hora, e a gente estava preparado. [A Polícia Militar atacou manifestantes durante os protestos contra o Governo em 2021] A partir da nossa atuação nessas manifestações, nesses incidentes que aconteceram, a gente conseguiu repercutir isso de forma muito intensa e muito rápida, as coisas ainda estavam acontecendo e isso já estava ganhando corpo pelo país todo. A gente tinha imagens de vídeo, e isso é um trabalho feito em colaboração, a gente criou um canal para receber essas imagens, esses vídeos, enviados pelas pessoas que estavam lá, a gente tinha imagens de vários locais diferentes, de vários ângulos diferentes. A gente contou uma história e isso se espalhou rapidamente, e isso causou muito impacto, que acabou resultando na mudança da cúpula da Segurança Pública, da chefia da Polícia, do Secretário de Segurança Pública daqui de Pernambuco. Com isso, trouxe muita credibilidade e aumentou, ampliou muito o nosso alcance, e a gente mudou de patamar depois dessas coisas, e a gente tem trabalhado muito. Mas a verdade é que a gente estava preparados, quando isso aconteceu estávamos lá, e estávamos preparados, porque investimos em estratégias, em consultorias, e numa linguagem – em planejamento de como fazer, tínhamos todo um fluxo pronto para que isso pudesse ter acontecido e ter fluído rapidamente. A gente está aprendendo ainda, assim, aprendendo a lidar melhor com isso, afinal, como falei no começo, nós da direção somos, de maneira geral, pré-redes sociais. Quando a gente começou no jornalismo não existiam nem essa história de redes sociais, mas nos cercamos de gente que entende e sabe fazer bem feito.

1:48:18 O posicionamento em favor de pautas como direitos humanos, direitos de gêneros, direito à moradia, entre outros, dão a tônica a muitos veículos do jornalismo nativo digital, criados nos últimos anos, e que têm conseguido se sustentar. O jornalismo praticado no século XXI já é diferente daquele do século XX?

1:48:37 SMB: Assim, a gente tem feito muita reflexão sobre isso. É diferente, em muitos aspectos, mas na essência, eu acho que traz muito da essência, sabe, em alguns momentos, eu sinto até que há um resgate de uma coisa de – pelo menos do ponto de vista do jornalismo independente -, um resgate de uma coisa que o jornalismo tradicional e o jornalismo desse século XX, que foi baseado num negócio que dependia do monopólio, que é uma coisa muito cara de fazer, que poucos detinham monopólio de apurar as informações, distribuir essas informações e era um modelo baseado na publicidade, na venda de espaços de anúncios. Era um modelo muito excludente, e que muitas poucas pessoas, tinha muitos poucos players nesse jogo. Aqui eram seis famílias, nós tínhamos seis famílias que dominavam todo o jornalismo. Com a internet e essa revolução toda que resultou no que a gente está chamando aqui de jornalismo do século XXI, houve um… ficou muito mais barato fazer isso, qualquer pessoa, entre aspas, poderia ser um produtor e um distribuidor de conteúdo. Esse custo de distribuir, de imprimir um jornal e distribuir ele rapidamente, ou de ter um supertransmissor e uma antena gigantesca para espalhar aquele negócio, aquele conteúdo da televisão, do rádio, isso diluiu. Então, isso trouxe a possibilidade de surgir essa coisa que já a gente já discutiu aqui, dessa rede de… desse ecossistema de jornalismo independente, que trabalha colaborativamente e em conjunto. Essa lógica de rede também traz, e o tamanho dessas organizações, traz um novo componente importante, que é a segmentação. Há muitas dessas organizações de mídia independentes, e elas cobrem um pequeno pedaço: uma cobre questões de gênero; outras questões socioambientais; outras questões de direitos humanos; outras segurança pública; outras de tecnologia. É o conjunto dessa rede que forma, que você consegue ter uma a pluralidade das coisas. Essa talvez seja a grande diferença, que é uma forma colaborativa, uma forma em lógica de rede de trabalhar, que não existia. A outra organização, o outro veículo, ele é seu parceiro e não seu inimigo, como era no jornalismo anterior. Talvez essa seja a grande diferença. Mas a função social, as ferramentas que você deve usar para construir jornalismo, isso acho que não mudou muito não. Fazer um jornalismo com interesse público, acho que isso sempre deveria ter existido, nunca deveria ter deixado de existir e deve continuar existindo sempre.

1:52:27 Você acredita que se afirmar como “sem fins lucrativos” muda a maneira como vocês praticam jornalismo? Em relação, por exemplo, aos veículos comerciais da mídia estabelecida?

1:52:37 SMB: Ser sem fins lucrativos tem uma importância estratégica para nós, que é – a partir de ser sem fins lucrativos, e isso é importante no nosso modelo de negócios -, a gente pode captar recursos de projetos, de organizações internacionais. Então a gente consegue financiamentos que empresas não conseguiriam, então tem essa importância. Mas, eu acho que, o principal dessa lógica de organizações de jornalismo sem fins lucrativos é que todo o dinheiro captado, ele é investido no jornalismo, ele não é para pagar dividendos ou lucros dos acionistas ou dos donos, ele é reinvestido, é o X da questão: o dinheiro das organizações sem fins lucrativos é reinvestido totalmente no jornalismo. Eu acho que isso é um fator importante, e é por isso que tantas organizações de jornalismo sem fins lucrativos têm crescido bem e tem feito um trabalho muito importante, temos já hoje grandes organizações, aí, mundo afora, com essa lógica dos “sem fins lucrativos”, que às vezes as pessoas nem sabe que elas são assim. Acho que isso é o mais importante, todo dinheiro captado é reinvestido no jornalismo, é mais jornalismo.

1:54:06 Isso reflete nas pautas e na relação com os leitores?

1:54:12 SMB: Não, diretamente não. Na Marco Zero, reflete porque isso vem acompanhado de uma outra [coisa] – que nem todas as organizações sem fins lucrativos têm – que é não trabalhar com publicidade e não receber dinheiro de empresas e governos, pra gente isso é uma coisa casada, porque os “sem fins lucrativos” permite um modelo de negócios que a gente capte recursos através de projetos e não necessite de publicidade e não precise pegar dinheiro de empresas e governos. Com isso, a gente tem a independência de pautar aquilo que a gente acha que deve ser pautado. Pra gente, são coisas complementares dentro do nosso modelo de negócios, mas isso para uma organização que tem outras formas de se organizar, talvez nem tanto – diretamente, eu falo. Mas, a tendência, pelo que eu conheço, é de que, quem abre mão do lucro para investir em jornalismo são pessoas que têm uma visão de jornalismo que eu acho que é comprometida com um jornalismo de interesse público. Eu não conheço, dessas várias experiências que eu convivo e que eu estudei, de uma que não tivesse casado o “sem fins lucrativos” com o interesse público da pauta que é produzida, sabe, eu acho que é uma coisa meio que natural.

1:55:33 O conhecimento que vocês vêm adquirindo nos últimos anos – vocês e muitos outros nativos digitais do jornalismo – sobre como se financiar demonstra que outros modelos de negócio podem ser viáveis para o jornalismo, ou ainda se trata de uma utopia?

1:55:45 SMB: Eu acho que não existe muito caminho, muita solução sem outros modelos de negócio – diferentes desse que é praticado. Eu acho que publicidade é, assim, eu não apostaria um centavo em publicidade. Foi uma das decisões mais acertadas que tivemos foi a de abandonar a publicidade e acho que o X da questão é construir um modelo de negócio que muitos doem poucos, muitos financiem com pouco. É muito melhor você ter um milhão de pessoas doando R$ 1,00 (um real) do que ter uma pessoa doando R$ 1.000.000 (um milhão), por duas questões: uma, porque você seria totalmente dependente das ideias dessa pessoa, você seria dependente do dinheiro dessa pessoa, e se ela desistisse, seu negócio fecharia; e depois porque essa pessoa teria uma influência infinita ali nas suas pautas, ali muito grande, na suas coisas, ela diria: “se não for desse jeito, eu deixo”. E você ter um milhão de pessoas doando R$ 1,00, uma pessoa que desista não vai influir em nada na sua linha editorial, sabe, você vai ter uma diversificação muito grande. Então, a lógica de… eu acho que mais importante do que “qual modelo de negócio vai ser” é a diversificação, o segredo é não estar dependendo, não construir uma coisa dependendo de uma única fonte. É isso que tentamos fazer e é isso que, de maneira geral, o jornalismo independente tem tentado fazer. É difícil, às vezes é muito mais fácil você conseguir um doador grande que tenha interesses, e apoiar você para defender os interesses dele. É muito mais fácil você pegar um cara desses, de uma grande construtora, de uma grande empreiteira, e ele financiar seu jornal para que você defenda a cidade do jeito que ele quer – e você defender -, do que você ter que ir, todo dia, na luta diária de convencer dezenas e centenas de pessoas a abrirem suas carteiras e doarem um pouquinho ali para você, e conseguir fazer isso todo mês. É um caminho, mas o resultado disso do ponto de vista jornalístico e de independência é de sustentabilidade a longo prazo, não tem comparação.

1:58:31 Você é conselheiro da Associação de Jornalismo Digital, a Ajor, criada em junho de 2021. Conte um pouco sobre isso. Quais os desafios? Por que a organização foi criada e qual o simbolismo dessa movimentação?

1:58:47 SMB: A Ajor nasceu muito desse… eu já falei aqui do Festival 3i, que nós temos um conselho curador, e 13 organizações fazem parte desse conselho curador para organizar o festival. Então, tem um objetivo específico, que é organizar, captar recursos e fazer curadoria, de um festival de jornalismo. A partir do sucesso dessa experiência, a gente começou a discutir outras coisas, e daí nasceu a ideia de criar uma associação que representasse esse novo… porque existe a ANJ, que é dos jornais, existem várias outras dessas organizações que são dos veículos tradicionais. A gente achava que estava no momento de criar uma associação que defendesse os interesses desse novo ecossistema, do jornalismo digital, e que também trouxesse, que a gente pudesse debater esses assuntos e descobrir, porque isso é um processo em construção, o jornalismo independente – desse modelo que a gente tem desenvolvido aqui -, é recente. Você tem uma organização ali como o Repórter Brasil ou o Eco, que começaram no início dos anos 2000, fora isso, é de 2010 para cá, com um boom em 2015, e muitas surgindo agora. A gente precisava de uma associação que discutisse, e a gente levou um bom tempo, foi um ano de debates, começamos no início de 2020 essas discussões em reunião, porque a gente optou por uma construção coletiva, uma construção colaborativa e horizontal. Então foi muito debate, até porque é mais fácil você contratar um escritório de advocacia, ele faz um estatuto, organiza, você se junta e aprova aquelas coisas. Não, a gente debateu muito, e ainda debate muito, a Ajor é, antes de tudo, um fórum de debates permanente: nos nossos grupos, lista de email, lista de WhatsApp, nas reuniões semanais, nos fóruns que a gente ia, os grupos de trabalho que nós temos – chamamos de GTs. A Ajor é formada para discutir, para defender os interesses, principalmente os interesses, assim, de a gente negociar captação de recursos conjuntamente, porque um pequeno com um grande desses daí é mais difícil do que vários pequenos em conjunto, de forma ordenada e com projetos. A Ajor defende esses interesses, advoga-se mesmo, ali, dentro dos congressos, debates, defendemos a legislação e denuncia manobras que podem prejudicar a liberdade de expressão, as possibilidades de organização das mídias independentes. E a gente tem uma função também de construção, por isso que esses grupos de trabalho que a gente tem estabelecido e esses debates são muito importantes, porque estamos construindo o jornalismo independente que nós queremos. Estamos aprendendo, trocando experiências e construindo coisas novas. Talvez essa troca de experiências e essa construção sejam as coisas mais importantes desse início, desse primeiro momento da Ajor.

2:02:28 O atual cenário das mídias favorece a circulação de muita desinformação. Como o tipo de trabalho que vocês realizam pode se contrapor a esse cenário?

2:02:40 SMB: Só existe uma forma de se combater… assim, simplificando, claro: só existe uma forma de se combater a desinformação, é com informação de qualidade, e a gente precisa disputar essa narrativa diária. Os caras estão ali trabalhando na desinformação constantemente, o tempo todo, e gente tem de trabalhar nisso de forma organizada e articulada. Um só de nós não consegue, mas nós trabalhando de forma articulada. Por isso que, ano passado, participamos do projeto Comprova, de checagem de informação, que reuniu 30 e tantas outras organizações, que durante as eleições e a pandemia, a gente checou ali de forma articulada, cada checagem dessas envolvia de quatro a seis, sete organizações fazendo isso, de forma coletiva. Temos essa forma de atuar e temos a forma de cada um, e a soma de tudo, e as próprias organizações que fazem parte da Ajor, as agências de checagem – que têm ganhado muita força, produzido muito conhecimento -, mas do que a checagem delas, é o debate que elas têm trazido e o aperfeiçoamento de ferramentas, e a tecnologia tem entrado muito forte nisso. Elas têm desenvolvido muitas ferramentas, uso de inteligência artificial, porque ou você começa a usar tecnologia, começa a usar articulação – porque não é só tecnologia, é articulação para poder distribuir isso de forma mais efetiva, de poder reagir de forma mais rápida à desinformação, porque isso corre muito rápido. Então a gente precisa… é essa forma, cada um fazendo jornalismo da melhor forma possível e atuando de forma articulada. Junto com outras ações, têm ações da legislação, de educação, de uma série de outras coisas, mas aí vai além do jornalismo, eu estou falando em combater isso dentro do jornalismo, e eu não vejo outra forma, combater desinformação é só com mais informação de qualidade, com jornalismo de qualidade.

2:05:00 O que é jornalismo para você?

2:05:03 SMB: Jornalismo é… é uma forma de transformar e prestar um serviço. De certa forma, transformar a sociedade através da produção e da distribuição de informação feita com qualidade e com todo um conjunto de técnicas desenvolvidas ao longo do tempo e testadas, e feita também com paixão.

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