Gênero, política e desinformação: as mulheres sob ataque

Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Rafaely Camilo. Para acessar, clique aqui.

No Mês da Mulher (a propósito do 8 de março, Dia Internacional da Mulher), temos visto as novas formas de exaltação do feminino por toda parte, mostrando os importantes avanços conquistados. 

No entanto, é central entendermos o quanto há de se lutar ainda nos dias atuais. Hoje, a desinformação ganhou espaço e, quem a produz, tem utilizado o gênero para mentir, forjar e até mesmo manipular os discursos. Como parte de sua estrutura, grupos que promovem desinformação têm criado, quase que diariamente, novas maneiras de fazer circular a atuação das mulheres, ora fazendo juízo de valor, com poucos elogios, ora massacrando as mulheres.

Em 2016, acompanhamos o impeachment da presidente Dilma Rousseff, alvo de um levante que desaguou em sua saída do governo. Tal evento mostrou que há pavor quando uma mulher governa, fala, se coloca e decide, principalmente quando há muitos interesses envolvidos, que tangenciam os privilégios de muitos. 

Em abril de 2016, a revista Carta Capital publicou matéria criticando a reportagem da revista ‘IstoÉ’, que com postura sexista, coroou o momento em que a misoginia mostrava-se (e permanece) como a regra para atacar as mulheres na política. Os termos usados para descrever a presidente variavam de “perda de condições emocionais” a “irascível”. Em contrapartida, a esposa do vice-presidente Michel Temer, Marcela Temer, acumulava elogios e como disseram alguns, só ela já servia como justificativa para a saída de Dilma do governo. 

Como se não bastasse a pressão de governar o país, Dilma Rousseff chegou a receber, de um jornalista o conselho de “fazer mais sexo”, defendendo que esta seria a solução para as supostas crises emocionais de Dilma. 

Em 2020, o Coletivo Bereia publicou um artigo que deu o tom sobre o desafio de pensar as relações de gênero nos âmbitos público e privado. De acordo com o teólogo Leonardo Boff, é relevante dizer que o movimento feminista fez a crítica mais necessária à cultura patriarcal. 

Na chefia do Estado, nos demais cargos públicos, nas Forças Armadas, nas guerras, nas divindades, e nas histórias de heróis, a figura masculina, está e é o principal personagem, do início ao fim. Homens ocupam a vida pública. À mulher, é destinada a casa, refúgio especial onde o patriarcado se fortalece. 

Em 2023, observamos um novo enquadramento. Depois de quatro anos de um governo que promoveu opressão sistemática das mulheres, após as últimas eleições, as mulheres voltam a arena pública, e com isso, novamente tornando-se alvos de novos ataques. Elas estão por toda parte: nas câmaras legislativas, no Senado, no Supremo Tribunal Federal, nos ministérios. Estão ocupando os espaços da vida pública. 

Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

No entanto, é preciso acionar a memória e lembrar que quando todo o processo de mudança é visto como um avanço, há também um custo que a história nos mostra, que as mulheres precisam pagar. 

Mulheres na política: gênero em perspectiva

O levantamento realizado pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação, da Fundação Getúlio Vargas (ECMI-FGV), que analisou publicações no Twitter, Facebook e Telegram, entre 13 de janeiro e 13 de fevereiro de 2023, mostra, entre outros assuntos, o protagonismo das mulheres na política, evidenciando a tendência da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, e da atual, Rosângela (Janja) Lula da Silva, como possíveis candidatas às eleições presidenciais de 2026. 

Mais do que isso, o levantamento analisou a constituição do que seria o perfil de “mulher ideal” para estar na política, associando a ex-primeira-dama à religiosidade, e simultaneamente, uma pessoa com altas capacidades políticas. Ao contrário, Janja aparece classificada como pouco “refinada” e com baixa influência política.

Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

De acordo com o levantamento, “de modo mais lateral, ambas são alvo de críticas generificadas, seja em comentários sobre a prótese mamária de Michelle, seja em postagens sobre as roupas de Janja”.

Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

As análises abarcam as ministras Marina Silva (Meio Ambiente), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) – que aliás, tem sido colocada como antagonista ao presidente nas resoluções financeiras – , Nísia Trindade (Ministério da Saúde), Margareth Menezes (Cultura) e o suposto uso indevido da Lei Rouanet, Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), acusada de ser aliada do presidente venezuelano Nicolás Maduro. Em maior ou menor medida, os nomes de todas as ministras circulam pelas mídias, ora destacando criticamente suas atuações, ora com o registro de ataques.

Parece que, com o tempo, tudo muda, mas muitas coisas não. O ar que respiramos no fim de 2022 foi de esperança. Esperança para continuar, para lutar, para resistir e para avançar mas, como podemos constatar ainda há muito o que transformar.

Referências:

https://www.cartacapital.com.br/blogs/midiatico/quando-a-misoginia-pauta-as-criticas-ao-governo-dilma

https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/03/07/posts-misoginos-janja-michelle-bolsonaro

https://a.storyblok.com/f/134103/x/f3555133e0/2023-02-15-ue002_mulheresgovernofederal.pdf?cv=1677852660403

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/12/28/impeachment-de-dilma-rousseff-marca-ano-de-2016-no-congresso-e-no-brasil

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

*** Foto de capa: reprodução site InternetLab

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