Mourão desinforma sobre crise yanomami

Publicado originalmente em Fakebook.eco. Para acessar, clique aqui.

Ex-vice-presidente da República publicou nota de repúdio em que se isenta de responsabilidades e culpa demarcação por tragédia

O general da reserva Hamilton Mourão (Republicanos-RS), ex-vice-presidente da República e atual senador, publicou em sua conta oficial do Twitter na última terça-feira (7) uma nota de repúdio repleta de desinformações. O alvo foi a reportagem “Mourão admitiu necessidade de combater garimpo na Terra Yanomami, mas não agiu”, da Agência Pública.

A reportagem do dia 6 mostra atas de reuniões do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI). No documento do dia 30 de agosto de 2022, por exemplo, está registrado que Mourão “informou” que garimpeiros continuavam invadindo a área yanomami e que, por esse motivo, havia a “necessidade de ser deflagrada uma operação de grande envergadura” naquele território — a Terra Indígena (TI) Yanomami está na fronteira entre Brasil e Venezuela. A falta de ações, no entanto, contribuiu para a piora de uma crise de saúde e violência que ganhou mais destaque na mídia em janeiro deste ano.

Na postagem, o senador se isenta da responsabilidade pela proteção do território mesmo tendo liderado projetos que, na teoria, deveriam proteger a Amazônia e os povos indígenas, desinforma sobre a atividade garimpeira, responsabiliza as demarcações pelas mazelas dos indígenas e engana ao afirmar que não houve denúncias sobre a situação dos yanomami durante o governo Bolsonaro. 

Além disso, Mourão exalta o papel da gestão nas investigações sobre os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, no oeste do Amazonas, mas omite que houve lentidão nas buscas. O caso foi citado na reportagem da Agência Pública porque uma ata mostrou que o então vice-presidente estava descontente com a cobertura da imprensa sobre o caso.

Abaixo, o Fakebook.eco desmente os argumentos do general da reserva:

(PRISCILA PACHECO)


“O CNAL não foi concebido para ser um órgão executivo (…). O CNAL nunca teve orçamento próprio e, portanto, não podia determinar a execução de operações que, por dever de ofício, deveriam ser realizadas prioritariamente pelo MJSP, MD e órgãos ligados diretamente na temática.”

NÃO É BEM ASSIM  

Mourão omite que recebeu por decreto presidencial a atribuição de coordenar as ações do governo para a Amazônia e que havia recursos vultosos dos ministérios parceiros. As três operações militares lideradas por ele, que custaram R$ 550 milhões, deixaram como legado um aumento de 60% no desmatamento. 

Criado em 993 durante a gestão do presidente Itamar Franco, o CNAL era subordinado ao Ministério do Meio Ambiente. No entanto, no início de 2020, Bolsonaro repassou sua coordenação para a vice-presidência. Em 4 de fevereiro daquele ano, Mourão disse que os recursos para o CNAL viriam dos ministérios que trabalhariam em parceria. O Conselho contava com 14 pastas, como as de Economia, Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente.

Em discurso feito no dia da assinatura do decreto que o oficializou como presidente do órgão, 11 de fevereiro, o próprio Mourão ressaltou que a tarefa do CNAL era proteger e conservar a Amazônia, além de afirmar que o conselho trabalharia de forma integrada com todos os participantes.

decreto determinava que o órgão deveria coordenar e integrar ações governamentais para a Amazônia Legal, além de propor políticas e iniciativas relacionadas à preservação da região. Mourão ainda exaltou o potencial do CNAL no II Encontro Ibero-Americano da Agenda 2030, também em 2020, e no seu aniversário de dois anos como responsável pelo órgão. No entanto, o senador responsabiliza somente os ministérios na nota de repúdio desta semana.

“Não se pode esquecer que, desde muito antes do nosso governo, essas pessoas já sofriam com os malefícios decorrentes do desastroso processo de demarcação ocorrido em governos anteriores, que acabaram por enfraquecer a rizicultura, ‘empurrando’ os índios locais para a atividade garimpeira”.

FALSO

Mourão responsabiliza a demarcação da TI Yanomami pelos malefícios sofridos pela população, o que é falso. Como explica Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA) e ex-presidente da Funai, a demarcação, realizada em 1991 e homologada no ano seguinte, foi benéfica para o povo yanomami. Cerca de 40 mil garimpeiros foram retirados do território nesse período. 

Um processo prejudicial aos indígenas, na verdade, teve início durante a ditadura militar, quando a terra yanomami começou a ser invadida pelos garimpeiros e a população indígena começou a sofrer com fome, epidemias e conflitos. 

O senador ainda engana ao dizer que houve um enfraquecimento da produção de arroz na área yanomami e que isso teria aproximado os indígenas do garimpo. Não há — e nunca houve — rizicultura na região. 

Segundo levantamento do MapBiomas, entre 1985 e 2020 a área minerada no Brasil cresceu seis vezes. Porém, em 2020, a atividade garimpeira superou a área de mineração industrial na Amazônia. Foram 107.800 ha contra 98.300 ha, respectivamente.

Um monitoramento da Hutukara Associação Yanomami mostra que entre outubro de 2018, fim da gestão de Michel Temer (MDB), e dezembro de 2022, o crescimento acumulado do desmatamento associado ao garimpo ilegal foi de 309%. Somente em 2022 o garimpo ilegal cresceu 54% na TI Yanomami.

“(…) há que se perceber que os ilícitos ambientais que ocorrem na Amazônia têm origem nas questões que envolvem o ordenamento territorial e também na falta de regulamentação legal de atividades como o garimpo”.

FALSO

Mourão defende a regulamentação do garimpo, mas não há evidências de que a medida seja efetiva. Além disso, é uma ação inconstitucional. O artigo 231 da Constituição veta o favorecimento de atividades garimpeiras. Especialistas consultados pelo Fakebook.eco também rebatem que uma regulamentação, se fosse possível, seria a solução para evitar problemas às populações indígenas.

Bianor Saraiva Nogueira Júnior, professor de direito indígena na Universidade Estadual do Amazonas (UEA), ressalta que o que falta são políticas públicas efetivas. No ano passado, por exemplo, houve fechamento de base de saúde na TI Yanomami. Faltou cloroquina para tratar malária no território enquanto o governo defendia o uso do medicamento para tratar Covid-19 mesmo sendo ineficaz. Além disso, o percentual de crianças yanomami desnutridas monitoradas caiu de 90% para 75% entre 2019 e 2022.

“Por fim, é relevante notar que, de modo curioso, ao longo de quatro anos do último governo, não houve qualquer denúncia séria em relação a esse problema”.

FALSO

Não é verdade que nos quatro anos do governo Bolsonaro não tenha havido denúncias sérias sobre a situação da população yanomami. Investigação feita pelo Intercept Brasil aponta que entre 2020 e 2021 os indígenas enviaram 21 documentos para órgãos do governo federal fazendo denúncias e pedindo ajuda contra os garimpeiros invasores. A gestão ainda ignorou determinações da Justiça e alertas de entidades internacionais.

Em 2020, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu medidas cautelares para a população Yanomami e destacou as falhas no sistema de saúde e a presença de ao menos 20 mil garimpeiros, que eram disseminadores da Covid-19, poluíam rios com mercúrio e eram violentos com a comunidade local. No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) orientou que fosse planejada a retirada de invasores de terras indígenas como medida para conter a Covid-19. 

Em 2021, a 2ª Vara da Justiça Federal de Roraima determinou que a União retirasse os garimpeiros da TI Yanomami em um prazo de 10 dias. No ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) exigiu que o governo brasileiro tomasse medidas para proteger os Yanomami. Na mesma época, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou que o governo federal se manifestasse sobre uma petição da Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib) sobre o descumprimento das decisões da corte para amparar a população.

“Em relação aos lamentáveis assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, cumpre destacar que todas as estruturas do estado brasileiro foram mobilizadas na investigação dos fatos”.

NÃO É BEM ASSIM

Mourão exalta o papel do Estado nas investigações, mas omite que, durante as buscas, foi necessário a Justiça determinar que houvesse reforço no trabalho. 

Em 8 de junho, a juíza Jaiza Fraxe disse que a União deveria usar imediatamente helicópteros, embarcações e equipes de buscas da Polícia Federal, forças de segurança ou Forças Armadas. No dia seguinte, organizações indígenas também recorreram ao STF para que o governo federal tivesse mais empenho na procura. Imediatamente, o ministro Luís Roberto Barroso exigiu mais contundência da União e pediu um relatório sigiloso que apresentasse as providências tomadas e as informações obtidas durante as atividades de buscas.

O jornalista e o indigenista haviam desaparecido em 5 de junho na cidade Atalaia do Norte (AM) e foram encontrados mortos alguns dias depois. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH) também alegou que o estado foi lento na procura.

Fakebook.eco entrou em contato com o senador por e-mail e telefone para que pudesse comentar sobre a checagem, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.

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