Educação pode ser antídoto contra discurso de ódio

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta. Para acessar, clique aqui.

Patricia Blanco*

????:  Jason Leung | Unsplash

Dois textos publicados na última sexta (27), na Folha, me chamaram a atenção: “Demonizar o outro”, da colunista Claudia Costin, e o artigo “Corações, Mentes e Educação”, de Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna. 

Ambos tratam da importância da empatia e do desenvolvimento socioemocional de jovens ainda em idade escolar como forma de combater o ódio, a ignorância e o medo. Eles trouxeram um contraponto positivo ao triste noticiário da semana passada, que incluiu atentado a um grupo de crianças nos EUA, chacina no Rio de Janeiro, morte por abuso policial em Sergipe, além das inúmeras mensagens de intolerância e violência nas redes sociais. 

Mas por que tanto ódio? Por que tanta violência na comunicação? Por que não conseguimos ouvir a opinião de quem pensa diferente de nós sem partir para agressão? Estamos mesmo usando bem a nossa liberdade de expressão ou apenas destilando ódio contra tudo e todos? Será mesmo que soltamos os fantasmas e será difícil caçá-los de volta, como disse a roteirista Flávia Boggio.

De fato, não há, do ponto de vista global, uma definição acordada de “discurso de ódio”. Aproveitando-se desse vácuo, há aquelas pessoas ou grupos, muitas vezes no poder, que tentam desacreditar seus críticos, acusando-os de forma oportunista. Há ainda aqueles que, interessados em fazer valer seus argumentos a qualquer custo, defendem a ideia de que a liberdade de expressão é absoluta mesmo quando viola outros direitos. Isso tudo, infelizmente, só serve para tumultuar o debate.

Identificar a linha tênue que estabelece os limites entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio na internet é sempre controverso, mas necessário e cada vez mais urgente. De um lado, o princípio democrático da livre expressão exige das pessoas uma predisposição para dialogar com ideias que consideram ofensivas e até mesmo perturbadoras. De outro, é preciso identificar, coibir e punir delitos contra a honra, apologia ao crime e a prática discriminatória ou incitação a ela.

No Brasil, o atual arcabouço legal a partir da Constituição de 1988 estabelece os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) e não permite discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, idade, origem, orientação sexual e de gênero.

Mesmo com marcos legais claros trazidos pela Constituição, continua sendo um desafio gigantesco monitorar o discurso de ódio na rede. As empresas de tecnologia, que têm papel fundamental nesta questão, estão trabalhando para resolver o problema, mas não está claro quando ou por que os algoritmos recomendam, rebaixam ou removem automaticamente conteúdo ou grupos. O risco é que notícias sobre o tema sejam retiradas da web, enquanto palavras codificadas e propaganda permaneçam incólumes.

Por outro lado, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) oferece uma oportunidade incrível para tratarmos o tema da empatia e de questões socioemocionais em sala de aula, sem contar a educação midiática e informacional, campo essencial para o desenvolvimento de habilidades que auxiliam os jovens a reconhecer e responder ao discurso de ódio por meio do pensamento crítico e da conscientização sobre os direitos humanos.

Assim como Claudia Costin e Viviane Senna, busco ter uma visão otimista. Acredito que a educação pode, sim, transformar as pessoas e torná-las mais humanas e empáticas. Até porque o que vemos exposto nas redes sociais não retrata o que a maioria de nós acredita ou pratica. A massa silenciosa ainda é maioria. O que não dá mais é continuarmos sendo dominados por uma minoria barulhenta e violenta que reduz o ambiente digital a uma verdadeira arena de rinha, calando as vozes divergentes e impondo a cultura da auto-censura e do cancelamento. 

No interesse de proteger os direitos de todos, podemos —e devemos— trabalhar juntos para combater o discurso de ódio sem silenciar a liberdade de expressão e os benefícios que ela traz para a democracia, para o desenvolvimento do bem-estar social e para a preservação dos direitos humanos.        

*Patricia Blanco é presidente do Instituto Palavra Aberta

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