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Mariana Mandelli*
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A população brasileira confia cada vez menos na imprensa e evita cada vez mais notícias consideradas ruins. O cenário informacional do país é pessimista no que se refere ao consumo de conteúdo jornalístico segundo a última edição do Digital News Report, um amplo relatório sobre o consumo de notícias em diversas partes do mundo divulgado pelo Reuters Institute.
De acordo com o estudo, a confiança dos brasileiros e brasileiras no trabalho dos jornalistas sofreu uma queda de 6 pontos percentuais nos dois últimos anos, chegando a 48%. Ou seja, menos da metade das pessoas acredita no que lê, vê e ouve nos veículos de comunicação. Além disso, 54% dos entrevistados afirmam que costumam deixar de lado o noticiário, taxa que aumentou 20 pontos percentuais desde 2019, caracterizando o que o instituto chamou de “fadiga de más notícias”.
Os dados parecem não combinar com um contexto em que consumimos cada vez mais informação, mas faz sentido quando observamos as principais pautas dos últimos dois anos: pandemia, crise política e aumento do desemprego e da fome.
O estudo endossa outra preocupação: estamos em um ano eleitoral, com a possibilidade de um ambiente informacional ainda mais tóxico e tumultuado do que vivenciamos em 2018, com uma avalanche de todos os tipos de desinformação. As formas pelas quais a população brasileira vai se informar nesse período para decidir quais candidatos e candidatas irão representá-la devem confirmar essas tendências, mas também podem apontar caminhos.
Contudo, já é possível pensar em maneiras de desemaranhar essa conjuntura complexa em dois eixos que se retroalimentam: um que se refere à imprensa e, outro, claro, à audiência. Sabemos que a crise de credibilidade do jornalismo não é nova, tampouco exclusiva da nossa democracia. Portanto, pensando numa primeira linha de ação, cabe aos veículos profissionais uma profunda e contínua reflexão sobre suas práticas de trabalho e, principalmente, sobre os valores editoriais que norteiam a cobertura jornalística, que precisam ser muito transparentes.
As perguntas que modulam uma reportagem —o quê, quem, quando, onde, por que e como se deram os fatos a serem noticiados— também não podem mais ignorar outra questão: para quem?
Conhecer a audiência é fundamental para que ela se sinta representada nas informações. É perceptível um esforço das empresas nesse sentido nos últimos anos, com foco em aumentar a diversidade de raça, gênero e classe nas equipes e nos temas abordados, mas é preciso mais inclusão e representatividade.
Ademais, apresentar soluções para as mazelas sociais que compõem as manchetes é fundamental para mitigar a sensação de desesperança. Muito se fala nos problemas e nas desigualdades, mas ainda há pouco espaço para os antídotos, que normalmente ocupam poucos segundos ou linhas das matérias jornalísticas.
É claro que, se o país está afundado em crises de todos os tipos, isso obrigatoriamente será noticiado, sendo deprimente ou não. O segundo eixo para atenuar esse cenário de desconfiança da imprensa, portanto, deve focar em ações de educação midiática e informacional para que a audiência entenda como e por que a imprensa trabalha. O que é notícia? O que é edição? O que é um editorial? Por que essa e não outra abordagem? Jornalista pode ou não opinar?
Entender os limites da prática jornalística, diferenciar os gêneros da informação e fato de opinião, interpretar linhas editoriais e compreender que uma reportagem é um recorte de uma situação são habilidades que precisam ser continuamente desenvolvidas, num processo que deve começar obrigatoriamente na escola, sem esquecer a grande fatia da população que já saiu do sistema de ensino e que carece de políticas públicas que foquem no tema.
Ainda vivenciamos uma pandemia onde quase 700 mil brasileiros e brasileiras perderam suas vidas, devastando centenas de milhares de famílias. Esta quantidade tenebrosa de óbitos só é de conhecimento público porque os veículos de imprensa brasileiros trabalham em conjunto há mais de dois anos para informar sobre os efeitos da Covid-19, assim como foram esses mesmos veículos os responsáveis por campanhas educativas realizadas nacionalmente pelo uso de máscaras e pela vacinação.
Houve, portanto, o entendimento de imprensa e sociedade, em uma situação extremamente crítica, sobre a utilidade da informação apurada e publicada com responsabilidade. Se agirmos nessas duas frentes, com transparência, autocrítica jornalística e educação midiática, não apenas os dados do Reuters Institute melhorarão, mas também a saúde da democracia brasileira.
Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta