Publicado originalmente em Agência Lupa por Iara Diniz. Para acessar, clique aqui.
As enchentes que levaram à destruição de cidades e à morte de mais de 40 pessoas no Rio Grande do Sul têm sido usadas para espalhar informações falsas. Nas redes sociais, publicações afirmam que a abertura de comportas das três barragens no Complexo Energético Rio das Antas – região afetada pelas chuvas – teria acelerado a inundação.
Um desses conteúdos foi publicado pelo jornalista Alexandre Garcia. Em vídeo, ele disse que era necessário investigar a tragédia, que não teria sido ocasionada apenas pela chuva.
Três represas pequenas que aparentemente abriram as comportas ao mesmo tempo. Isso causou uma enxurrada”
– Trecho de fala do jornalista Alexandre Garcia no canal da Revista Oeste no YouTube
Falso
A declaração é falsa. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, não há evidências de que as barragens tenham influenciado no aumento da enxurrada.
A Lupa também consultou pesquisadores que atuam na região. Segundo eles, as barragens no local não são capazes de controlar enchentes, uma vez que elas foram construídas para gerar energia elétrica e suas comportas não armazenam água.
“Abrir ou não as comportas desse tipo de barragem não faz diferença nenhuma porque elas não têm capacidade de regular a vazão do rio”, explica Joel Goldenfum, doutor em Hidrologia e diretor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Em condições normais de operação, as barragens de energia elétrica procuram trabalhar com o reservatório cheio, ou seja, com volume considerável de água para maximizar a geração de energia. Em uma situação em que há uma grande quantidade de chuva, em um curto período de tempo, como ocorreu no Rio Grande do Sul, ocorrem extravasamentos dos reservatórios, o que pode levar ao acionamento de comportas.
“Nessas barragens, alguns vertedouros (estruturas que asseguram a integridade da obra) têm comportas que, em caso de enchentes excepcionais, são acionadas para liberar o volume de água que chegam nos reservatórios para evitar o rompimento da estrutura”, explica Jaime Gomes, engenheiro civil eprofessor da Escola Politécnica da PUCRS.
Em outras palavras, o que causou as enchentes no Rio Grande não foi a abertura das comportas das barragens, mas o imenso volume de chuva.
“Essas usinas não poderiam ajudar no controle das cheias porque o volume de reservação delas não é suficiente para isso, é muito pequeno”, completa Goldenfum.
O Complexo Energético Rio das Antas é composto por três hidrelétricas: Castro Alves, Monte Claro e 14 de Julho. Elas foram construídas durante a primeira e segunda gestões de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A concessão, contudo, foi feita em 2001, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Segundo Gomes, as usinas operam a fio d’água, ou seja, toda a vazão que entra, sai. Isso foi feito observando as características da bacia e do local. “Ali tem um rio com muita água, então as barragens foram construídas levando isso em conta. O objetivo delas é gerar energia e não acumular água”, destaca.
Barragem do Complexo do Rio das Antas controlada pela Ceran
Abertura das comportas
Segundo a Companhia Energética Rio das Antas (Ceran), empresa que administra o complexo, duas das três barragens citadas têm comportas – Monte Claro e 14 de Julho –, mas sem capacidade de regulagem de água.
No dia 4 de setembro, o Rio das Antas atingiu a vazão mais alta registrada desde a construção das usinas. Segundo a Ceran, foi mais de 20 vezes a quantidade de água prevista para estrutura da barragem. Com isso, as comportas foram abertas “para garantir a segurança da estrutura”.
Segundo Jaime Gomes, em um estado de operação normal, barragens construídas para geração de energia elétrica não liberam água por meio de comportas. “Como são estruturas de vertedores de soleira livre, elas não conseguem armazenar água. A água vai passando naturalmente, o que entrou tem que sair”, afirma.
Mas, em casos excepcionais, abrir as comportas é o procedimento correto a se fazer.
“Uma barragem de energia elétrica está sempre cheia, pois precisa gerar energia. Como ela está cheia, se você tem uma vazão muito alta do rio, a água pode passar por cima da barragem e provocar o rompimento da estrutura, que é o que a gente chama de galgamento. Nesse caso, você abre a comporta como medida de segurança”, explicou Joel Goldenfum, frisando que a decisão não impacta nas enchentes.
“O volume do reservatório dessas barragens é muito pequeno. Até porque, quando você constrói uma barragem para gerar energia, o objetivo não é armazenar água, mas levantar o nível da água. Quanto maior a queda, maior a energia”, conclui.
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Evento extraordinário
Os dois professores afirmam que as enchentes no Rio Grande do Sul fazem parte de um evento excepcional, de extrapolação de chuva. A chance de acontecer é muito remota, segundo Goldenfum “uma vez para mais de 100 anos”.
“Em 2015, fizemos um estudo e essas três barragens foram avaliadas. A gente examinou o volume de um evento, menor do que esse que aconteceu, e o volume do reservatório da barragem. E a chance era de uma vez para 100 anos”, explicou.
Gomes acrescenta que não havia nada que poderia ter sido feito nas barragens para minimizar as inundações. E reforça que a abertura de comportas não influenciou no volume de água que atingiu as casas.
“O volume da cheia é imensamente superior ao que está acumulado nas barragens. As estruturas não tinham como segurar água. A abertura das comportas assegurou a estabilidade das barragens que estavam sob pressão do imenso volume de chuva causado pelo evento meteorológico atípico na região”, ressaltou.
A Lupa procurou o jornalista Alexandre Garcia. Este texto será atualizado em caso de resposta. Em seu canal do YouTube, o jornalista disse que se baseou em notícias divulgadas por veículos e que, até aquele momento, não havia nota oficial da empresa que gerencia as três barragens.
“Me fizeram uma pergunta, eu estou em um programa ao vivo e respondi em 3 minutos e 52 segundos […] Se eu tivesse a nota oficial naquela hora, eu leria a nota da empresa”, declarou.
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