Diálogo e acordos entre pais e filhos podem evitar dependência digital

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Bruno Ferreira. Para acessar, clique aqui.

Em Travessia, novela das 21h da Rede Globo, o adolescente Theo, vivido por Ricardo Silva, passa a maior parte dos seus dias na frente do computador. Praticamente todas as cenas em que ele aparece são filmadas em seu quarto, sentado na frente da tela, imerso em jogos e conversas online. Por terem intensas jornadas de trabalho e considerarem o filho extremamente inteligente, seu pai e sua mãe ainda não se atentaram para uma possível dependência digital do jovem, tema que a autora Glória Perez pretende explorar na trama.

O que a novela tem abordado faz parte da realidade de muitas famílias ao redor do mundo. Recursos digitais como as redes sociais são, hoje em dia, fonte de informação, entretenimento e forma de escapismo de muitas pessoas, inclusive no Brasil, um dos países do mundo que mais usam redes sociais e aplicativos digitais diariamente. 

Essa atmosfera online que permeia nosso cotidiano envolve inúmeras estratégias para nos mantermos conectados. São muitos estímulos por minuto, provocados pelo excesso de informaçãomuitas das quais visuais, e por notificações que não param de chegar e que, certamente, interferem na nossa concentração e atrapalham muitas das nossas atividades diárias.

Segundo a mais recente pesquisa TIC Kids Online Brasil, houve um significativo aumento no uso de recursos digitais online por crianças e adolescentes no país em dois anos: 78% das pessoas entre 9 e 17 anos são usuárias de redes sociais – 10% a mais que em 2019 – e 66% desse segmento diz jogar online, um aumento de 9% com relação ao levantamento anterior, realizado pelo Comitê Gestor da Internet (CGI). 

Os dados, apesar de apontarem para o inquestionável aumento no uso de recursos digitais por crianças e adolescentes, não revelam, necessariamente, um uso desequilibrado destes. No entanto, esse crescimento significativo reforça a necessidade de darmos mais atenção a esse fenômeno, buscando qualificar a experiência dos mais jovens nessas plataformas. Por isso, é importante observar quando a sedução exercida pelas ferramentas digitais passa a perturbar outras atividades do cotidiano ou momentos importantes, como o sono, os estudos e a socialização presencial com outras pessoas.

Quando excessivamente imersos em ambientes online, não é raro que crianças e adolescentes demonstrem apatia e desinteresse por interações presenciais ou por outras formas de lazer, entretenimento e informação que não dependam de conexão à internet. Isso é, de fato, bastante preocupante e, por isso, nos perguntamos: Como equilibrar a presença digital dos nossos jovens, evitando que percam o interesse pela vida real e pelas interações face a face, sem a mediação de telas? Frente ao fascínio e estímulos constantes que elas exercem no cotidiano, como estimular um consumo equilibrado de recursos do mundo digital?

Certamente, não existe receita pronta para responder a esse desafio, visto que há uma enorme variedade de formas de se relacionar com esses meios. Intervenções são, no entanto, necessárias, quando há desequilíbrio entre a necessidade de estar conectado e  a concentração em outras atividades que exigem desprendimento, sobretudo do celular. Nesse sentido, estabelecer uma rotina que administre o tempo de uso de recursos digitais pelos jovens, de modo a qualificar sua atenção para outras atividades é o melhor caminho para mantê-lo conectado sem descuidar de outras atividades e afazeres importantes para o seu desenvolvimento.

Por isso, é fundamental manter um processo constante de diálogo e negociação acerca do tempo gasto em redes sociais para puro entretenimento, bem como sobre o que fazem nas redes enquanto estão online. Com isso, é importante perceber que esse deve ser um acordo estabelecido com os jovens, processo em que nós, adultos, expomos a nossa preocupação com seu desenvolvimento pleno e com a consequente necessidade de equilibrar o tempo de permanência e uso que fazem das redes.

Nesse sentido, não apenas as famílias têm o dever de acompanhar esses hábitos de crianças e adolescentes, mas também a escola, em processos transversais de educação midiática, deve estimular a reflexão constante sobre os hábitos digitais dos estudantes e de temas como privacidade, representação e narcisismo nas redes sociais, que afetam a saúde mental de muitas pessoas, não apenas dos jovens.

Isso sem falar no exemplo dentro de casa. Mães, pais e outros tutores, ao reivindicarem mais equilíbrio por parte de suas crianças e adolescentes, devem antes olhar para si mesmos e seus próprios excessos no mundo conectado, algo distante de ser uma exclusividade dos mais jovens. Não são poucos os adultos que se perdem no excesso de telas e estímulos que as redes sociais, aplicativos de mensagens e jogos exercem sobre nós. 

Os hábitos digitais e suas consequências para nossa vida cotidiana devem ser tema constante para autoanálise do adulto e para alicerçar o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes, a fim de que sejamos todos cidadãos mais bem resolvidos diante dos apelos, narcisismos e ilusões que as redes fomentam.

*Bruno Ferreira é assessor pedagógico do Instituto Palavra Aberta

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