Dezenas de milhões de anos de história: dos dinossauros à maior biodiversidade do Planeta

Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.

Por Camila Ribas, Lúcia G. Lohmann e Pedro Val

A Amazônia é um lugar extraordinário. Mesmo com uma biodiversidade ainda muito pouco conhecida, este bioma inclui cerca de 10% de todas as espécies de plantas vasculares e animais vertebrados do Planeta. Em 1 hectare de floresta Amazônica há mais espécies de plantas com flores do que em toda a Europa.

Uma das primeiras explicações propostas para a alta riqueza de espécies encontrada na Amazônia se baseava no seu longo tempo de existência sem sofrer perturbações extremas, ao contrário das glaciações que cobriram o hemisfério norte com neve e gelo durante os máximos glaciais. Entretanto, a diversidade Amazônica se sobressai mesmo quando comparada a outras regiões tropicais do globo, como a África tropical e região indo-malaia, as quais são igualmente antigas e também foram poupadas de glaciações severas.

O que há de especial sobre a biodiversidade da Amazônia? A resposta para esta pergunta requer a compreensão da atual organização espacial da enorme biodiversidade encontrada no bioma, além de um bom entendimento de como esta diversidade evoluiu e se modificou ao longo de milhões de anos.

O bioma Amazônico como conhecemos hoje tem uma origem muito antiga, relacionada à história da Terra. O mesmo evento catastrófico que levou à extinção dos dinossauros há cerca de 66 milhões de anos também alterou a composição de espécies de plantas na região Amazônica. Este evento contribuiu para um aumento considerável na biodiversidade da região e deu origem à flora Amazônica atual. Ao longo dos últimos 20 milhões de anos, a aceleração na elevação dos Andes mudou a conformação dos rios que escoam as águas da vasta região continental Amazônica, formando extensos ambientes lacustres que se transformaram na maior drenagem fluvial do mundo.

Além das profundas mudanças na paisagem associadas à elevação dos Andes, a Amazônia também foi afetada pelos ciclos glaciais nos últimos 2,6 milhões de anos, a chamada Era do Gelo. Apesar da região não ter ficado coberta por gelo como a Europa e a América do Norte, dados climáticos de eras passadas mostram que os padrões de temperatura, precipitação e sazonalidade na Amazônia também foram afetados pelos ciclos glaciais. Todas essas mudanças alteraram a distribuição dos diversos ambientes Amazônicos (p.ex., várzeas, igapós, florestas de terra firme e formações abertas) e até mesmo a posição dos enormes rios Amazônicos, levando ao isolamento de populações de animais e plantas em diferentes localidades, contribuindo para a alta diversidade de espécies.

Em resumo, os padrões de organização da diversidade atual apontam para processos de diversificação mais complexos do que um simples acúmulo de espécies ao longo do tempo. A alta diversidade Amazônica aparenta ter resultado de uma combinação entre a dinâmica história geológica e climatológica da região e a resiliência do bioma ao longo de milhões de anos.

O dinamismo histórico permitiu uma adaptação gradual dos seres vivos e levou ao acúmulo de diversidade. O que vemos hoje, por outro lado, são grandes impactos antrópicos combinados, capazes de alterar as paisagens em poucas décadas e causar mudanças em velocidades até mil vezes maiores do que as naturais. O rápido desmatamento e o barramento dos rios não permitem que espécies se adaptem às mudanças ou se desloquem para ambientes propícios para sua sobrevivência, resultando em extinções em larga escala. O aquecimento global, localmente agravado pelo desmatamento, deixa os ecossistemas Amazônicos mais inflamáveis e afeta a composição de espécies mesmo em áreas de floresta preservada. Essa combinação de impactos em alta velocidade nunca foi vista na história da Amazônia, comprometendo seu futuro de forma drástica.

A Amazônia não pode ser tratada de uma maneira simplista. Qualquer estimativa de impacto precisa considerar os processos históricos responsáveis pela geração e manutenção do sistema ecológico atual e dos sistemas sociais que dependem dos sistemas ecológicos. Uma melhor compreensão dos processos históricos e atuais que sustentam a alta biodiversidade da Amazônia é crítica para que possamos não somente respeitar sua complexidade e admirar sua grandeza, mas também conservar os processos que geram e mantêm a diversidade única encontrada nesta região.

Sobre os Autores

Camila Ribas é bióloga, pesquisadora e curadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus. Investiga biogeografia e conservação da Amazônia, com foco nas aves e nas paisagens. Camila é autora do capítulo 2 do Relatório de Avaliação da Amazônia 2021 produzido pelo Painel Científico para a Amazônia.

Lúcia G. Lohmann é bióloga, professora do Departamento de Botânica, do Instituto de Biociências, da Universidade de São Paulo. Sua pesquisa busca entender a origem e evolução da biodiversidade na região Neotropical, especialmente na Amazônia. Lúcia é autora do capítulo 2 do Relatório de Avaliação da Amazônia 2021 produzido pelo Painel Científico para a Amazônia.

Pedro Val é geólogo, professor do Departamento de Geologia, da Escola de Minas, da Universidade Federal de Ouro Preto. Investiga evolução de paisagens naturais e busca entender até que ponto as mudanças geológicas são responsáveis pela alta biodiversidade da Amazônia. Pedro é autor do capítulo 1 do Relatório de Avaliação da Amazônia 2021 produzido pelo Painel Científico para a Amazônia.

Sobre o Painel Científico para a Amazônia (PCA)

O Painel Científico para a Amazônia é uma iniciativa inédita convocada pela Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (SDSN), lançado em 2019 e inspirado no Pacto Leticia pela Amazônia. O PCA é composto por mais de 200 cientistas e pesquisadores proeminentes dos oito países amazônicos e Guiana Francesa, além de parceiros globais que apresentaram em 2021 um relatório inédito com uma abordagem abrangente, objetiva, transparente, sistemática e rigorosa do estado dos diversos ecossistemas da Amazônia e papel crítico dos Povos Indígenas e Comunidades Locais (IPLCs), pressões atuais e suas implicações para o bem-estar das populações e conservação dos ecossistemas da região e de outras partes do mundo, bem como oportunidades e opções de políticas relevantes para a conservação e desenvolvimento sustentável.

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