Publicado originalmente em Agência Lupa por Maiquel Rosário. Para acessar, clique aqui.
Grupos bolsonaristas no aplicativo de mensagens Telegram foram da euforia a uma “caça às bruxas” nos últimos dias. Se no domingo (8) predominavam as comemorações pelos ataques em Brasília, desde terça-feira (10) o que se viu foi uma busca por culpados pelo golpe fracassado. Muitas publicações apontavam “infiltrados” como responsáveis por vandalizar as sedes do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF).
Após a prisão e sem o “salvo-conduto” do Quartel General (QG) do Exército, os golpistas buscaram refúgio na religião e compartilharam entre si o temor de sofrer ataques de torcidas organizadas de futebol. A Lupa acompanhou três grandes canais de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por uma semana e conta como eles se posicionaram antes, durante e depois da tentativa de golpe.
Antes
A preparação para a tentativa de golpe começou já nos primeiros dias de 2023. No canal O Pequeno Menino, com 25,8 mil membros, as primeiras postagens chamando para os atos golpistas foram publicadas no dia 4 de janeiro. Eram vídeos que mostravam a invasão no Capitólio, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021, acompanhados de lembretes para os atos prometidos para Brasília nos dias 7 e 8 deste mês.
O pedido era para que os manifestantes vestissem branco e levassem a bandeira do Brasil junto ao corpo. “Marcha do QG Brasília ao Congresso Nacional”, diz trecho inicial do vídeo que, na sequência, exibe atos de vandalismo no Capitólio.
Outra publicação, feita na quinta-feira (5), indicava o que fazer em caso de repressão policial com uso de gás lacrimogêneo. Um infográfico que circulou no grupo ensinava a usar a bandeira nacional para se proteger e orientava para o uso de calça, tênis confortável e óculos de natação.
A desinformação é algo recorrente nas redes bolsonaristas. Ainda na quinta (5), no canal SELVAEACO&despertabagaray, com mais de 29 mil membros, circulou a informação de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia mudado as cores da iluminação do Palácio do Planalto para vermelho. No dia anterior, a Lupa havia publicado uma verificação mostrando que a informação é falsa.
Na sexta-feira (6), entrou em atividade o canal A Queda da Babilônia, que buscava agregar membros de um canal chamado Resistência Civil SOS FFAA, que teria sido derrubado. A primeira mensagem informava que os manifestantes não deveriam fechar rodovias, mas as refinarias do país a partir daquela data. O novo canal chegou a ter mais de 33 mil membros.
Ainda na sexta-feira (6), uma das mensagens chamava o ato que estava sendo organizado de “Festa da Selma” — o que também foi identificado em reportagem da Lupa. Uma postagem indicava que o Congresso Nacional seria o alvo das manifestações.
Na véspera da tentativa de golpe, sábado (7), multiplicaram-se as imagens de ônibus chegando a Brasília. Em uma das postagens, no canal A Queda da Babilônia, Ana Priscila Azevedo, apontada como uma das organizadoras do ato e presa na terça-feira (10), postou uma arte que indicava como deveriam ser as manifestações fora dos QGs do Exército.
O objetivo era salientar que os manifestantes deveriam usar faixas pedindo a intervenção militar, ao invés de reivindicar a saída do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já que tal ação colocaria o vice Geraldo Alckmin (PSB) na chefia do Executivo.
Dia da tentativa de golpe
O domingo (8) começou com convocação nos grupos bolsonaristas. As mensagens diziam se tratar de uma “ordem do movimento” e que era preciso seguir urgentemente até a Esplanada dos Ministérios.
Em seguida, começaram a se multiplicar vídeos mostrando desde o início da marcha, no QG do Exército, até os atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes e dentro dos prédios do Executivo, Legislativo e Judiciário.
Houve também postagens comemorando o sucesso do ataque e a depredação do patrimônio público. O tom das publicações era de que os manifestantes haviam chegado a uma grande e aguardada vitória.
Ainda na noite de domingo (8), mesmo com o retorno para a frente do QG do Exército, ainda foram postados vídeos de comemoração quando militares das Forças Armadas teriam impedido que a Polícia Militar do Distrito Federal encerrasse o acampamento. Porém, a situação mudaria no dia seguinte.
Depois
As postagens no início da segunda-feira (9) ainda eram de vitória e de chamamento para uma greve geral, com foco, sobretudo, nos caminhoneiros. No entanto, também começaram a aparecer comentários criticando a depredação dos prédios públicos. Não demorou para que fosse encontrado um bode expiatório.
“Os vândalos infiltrados quebraram tudo para colocar na conta dos patriotas. Há tempos eu venho gritando sobre esses vermelhos infiltrados”, postou Azevedo no Canal A Queda da Babilônia. “E esse povo que fica criticando os patriotas são aqueles que não saem de casa, que não vão pra luta! Covardes”.
A mesma narrativa foi identificada pela pesquisadora Andressa Costa, doutoranda em Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ULisboa) e pesquisadora do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP/ISCSP). Ela analisou canais do Telegram e percebeu um grande volume de publicações durante a madrugada e o final da manhã.
“A narrativa de que a violência e as depredações ocorridas na invasão dos prédios das instituições dos três poderes teriam sido praticadas por infiltrados continuou aparecendo em canais e grupos da rede, afirmando que foi uma organização por parte da esquerda para criminalizar o movimento. Diziam que os bolsonaristas ‘caíram na armadilha’ e, agora, prisões serão feitas e o Brasil não será mais livre”, aponta Costa.
Contudo, no canal O Pequeno Menino, os culpados não foram os supostos infiltrados. Algumas das postagens responsabilizaram Ana Priscila Azevedo pelo vandalismo. Em um vídeo postado, ela comemorava em uma sala que estava sendo depredada. “Esses terroristas do grupo da Ana Priscila Azevedo foi que quebrou (sic) tudo para culpar os patriotas!”, diz a postagem.
No fim da tarde, a raiva pelo desastrado golpe foi substituída pela fé. Um dos vídeos publicados no canal O Pequeno Menino mostrava centenas de bolsonaristas presos na Academia Nacional da Polícia Federal, em Brasília, com a legenda “Tudo vai dar certo, em nome JESUS”. “O povo está louvando a Deus aqui”, disse o homem que faz a gravação.
No canal A Queda da Babilônia, a sensação era de temor. Azevedo publicou um print de mensagens no WhatsApp que indicavam que torcidas organizadas de futebol poderiam ser usadas contra os patriotas. Ela não revelou a fonte da informação.
A terça-feira (10) foi marcada pela desinformação. Circulou intensamente nos grupos a informação de que uma idosa teria morrido na Academia da PF, primeiro lugar para onde haviam sido encaminhados os manifestantes acampados em frente ao QG do Exército em Brasília. Contudo, a informação é falsa. No mesmo dia, a Lupa publicou uma verificação sobre o caso.
A agitação dos bolsonaristas no Telegram sofreu um baque na quarta-feira (11), quando a Advocacia-Geral da União (AGU) obteve junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) diversas medidas para evitar novos atos golpistas. Uma delas foi a determinação imediata para que o aplicativo de mensagens bloqueasse a conta de usuários e grupos envolvidos na preparação e realização de atos golpistas.
Os pedidos foram integralmente acolhidos pelo ministro Alexandre de Moraes, que também estabeleceu multa diária de R$ 100 mil ao Telegram em caso de descumprimento.
No final da noite de quarta (11), o Pequeno Menino já havia sido bloqueado. O canal A Queda da Babilônia foi derrubado na quinta-feira (12). Já SELVAEACO&despertabagaray, até a publicação desta reportagem, permanecia online e ativo.