CPI da Covid pelas lentes das agências de checagem

Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.

Kalianny Bezerra
Doutoranda do PPGJOR e pesquisadora do objETHOS

Este primeiro parágrafo de mais um texto para a série CPI da Covid na Mídia, preciso dizer, foi o último a ser escrito. Enquanto discorria as linhas abaixo, meus pensamentos estavam no que poderia acontecer e quais as consequências das manifestações desse fatídico 7 de setembro que acabamos de atravessar e que, sem dúvidas, reverberará por muito tempo. Em muitas vezes, parei a escrita e me coloquei a refletir sobre para onde estamos caminhando, como podemos sair deste buraco em que a extrema-direita brasileira nos meteu e como podemos resistir. Afinal, precisamos resistir!

Não adianta tentar prever muita coisa, apesar de que este é o caminho mais natural: observar o cenário e tentar imaginar o que acontecerá no/ao Brasil. De uma coisa, entretanto, tenho certeza, não podemos nos calar e cada pessoa, cada instituição que preze pela ainda jovem democracia de nosso país tem um importante papel a cumprir. O jornalismo, acredito, mais que nunca precisa fugir das amarras das declarações, precisa parar de apenas reproduzir o discurso golpista deste que chamamos de presidente da República e assumir o papel que lhe cabe em defender nossa democracia. Desempenhar essa função não é fácil, o caminho é árduo, mas necessário.

O governo Jair Bolsonaro está encurralado e por isso mesmo faz uso de um discurso cheio de ameaças e cortinas de fumaça para tirar a atenção do que está acontecendo no país: pessoas passando fome, inflação alta, quase 600 mil mortos na pandemia, crise energética, descaso ambiental, denúncias sobre esquemas de rachadinha envolvendo sua família e as investigações da CPI da Covid apontando para esquemas de corrupção e à inação do Governo em evitar o sofrimento de milhares de brasileiros. Neste texto, voltamos nosso olhar para essa Comissão Parlamentar de Inquérito, observando se e como os serviços de checagem de fatos têm dado enfoque ao que vem sendo descoberto dentro do Senado Federal e repercussão nas redes. Sigamos.

A CPI da Covid se encaminha para o fim e ao longo dos últimos quatro meses foi gerada, dentro e fora das sessões, uma vasta gama de informações e documentos comprobatórios da má gestão do governo federal frente a pandemia. Para além da arena de disputas narrativas e senadores que se aproveitaram para vender sua imagem e buscar holofotes, é possível enxergar conclusões robustas sobre a negligência e irregularidades no combate ao novo coronavírus. Até o momento, foram 50 depoimentos de 47 depoentes diferentes, mais de mil requerimentos solicitando dados e quebras de sigilo telefônico, fiscal, telemático e bancário, tudo isso resultando em mais de mil gigas de dados.

Saindo da sala onde ocorrem as oitivas, as mídias digitais tornaram-se uma extensão para repercussão, debate e busca por mais informações sobre a comissão. Mesmo que parte dos brasileiros já não acompanhe os desdobramentos do que ocorre durante as sessões com um olhar tão atento quanto no início da instalação da CPI, em 27 de abril, ainda é possível observar mobilização em torno das informações coletadas, das declarações dos depoentes – muitas contraditórias ou com informações falsas – e de conteúdos desinformantes que circulam nas ambiências digitais.

Com um número gigantesco de dados e outras tantas informações falsas marcando presença, ainda em maio, o relator da CPI da Covid, o senador Renan Calheiros, chegou a cogitar a contratação de uma agência de checagem de fatos para tentar verificar o que vinha sendo dito. O detalhe é que não apenas as testemunhas emitiram diversas fake news como senadores também fizeram declarações falsas. No final daquele mês, Calheiros informou que havia requisitado uma equipe de servidores da Agência Senado de Notícias para realizar, em conjunto com consultores e assessores da comissão, a checagem em tempo real do que vinha sendo dito.

A decisão acabou causando estranheza e questionamentos sobre a independência e transparência dessas checagens. À jornalista Cristina Tardáguila, a diretora de conteúdo da Agência Lupa, Natália Leal, reforçou que o fact-checking não deve ser considerado “um instrumento de assessoria de qualquer natureza e não deve ser usado com outro objetivo que não seja o da qualificação do debate público”.

Checagem da CPI

Mas será que as agências de checagem atuam mesmo de maneira estritamente objetiva e apartidária? Antes de refletir sobre essa pergunta – afinal, essa é mais uma provocação sobre o papel que ocupa o fact-checking do que necessariamente uma indagação que exige um sim ou um não como resposta – observemos a atuação de algumas iniciativas durante a CPI da Covid.

Selecionamos algumas iniciativas de checagem brasileiras e verificamos, ainda que de uma maneira não tão aprofundada, como vem ocorrendo o trabalho de checagem dos assuntos relacionados à CPI da Covid. As escolhidas foram Aos Fatos, Lupa e Estadão Verifica, cada uma com sua metodologia de verificação. De maneira geral, o que identificamos é que a maior parte das checagens encontradas buscaram apontar as irregularidades nos discursos dos depoentes, destacando o que estava errado e esclarecendo os fatos destacados. Em algumas verificações, os serviços explicam como elas foram realizadas, mas em outras não fazem especificação.

Aos Fatos, por exemplo, realizou 26 checagens, distribuídas entre o que apontamos ser três editorias do serviço: “Checamos”, “Nas redes” e “Radar”. Em cada um desses tópicos é possível encontrar conteúdos organizados de acordo com a fonte verificada. Em “Checamos”, por exemplo, constam as declarações observadas dos depoentes durante a CPI. Ao todo, foram 13 publicações que seguem o que o serviço denomina de “fórmula com sete etapas” para realizar as checagens, com apresentação da informação que está sendo verificada, classificação das declarações e, ao final, o espaço para resposta de quem estava sendo checado – destacamos que não houve retorno de nenhuma das pessoas – e as referências consultadas para checar determinado fato.

Em “Redes” é possível observar oito checagens relacionadas à CPI da Covid. O conteúdo é referente a informações que circulam em sites de redes sociais e que não condizem com a realidade, como o esclarecimento de postagens que diziam que o ex-ministro da Saúde Nelson Teich havia criticado os senadores dizendo que eles torciam pelo caos. Na checagem, os jornalistas de Aos Fatos ressaltam que buscaram a transcrição do depoimento de Teich e não havia referência a essa frase em nenhum momento. Já em “Radar”, a agência de fact-checking traz cinco análises da repercussão da CPI, desde posicionamentos de pessoas que deram depoimento para a comissão e que reforçam conteúdos falsos em seus perfis de redes sociais a informações também falsas sobre os senadores envolvidos nas investigações.

Pelo que identificamos em seu site, a agência Lupa também realizou 26 checagens que tinham relação com a CPI da Covid. Dezoito das verificações relacionadas a depoimentos durante as sessões, todas seguindo um padrão similar com breves apontamentos no início dos textos e a verificação de algumas declarações. Entretanto, não é em todas as verificações que a Lupa ressalta se entrou em contato com a pessoa que teve declarações confrontadas.

Sete das checagens realizadas eram de conteúdos que circulavam em redes sociais ou pelo WhatsApp. O formato é basicamente o mesmo que os que verificavam discursos proferidos na CPI, mas algo que chamou atenção é que ao final de cada reportagem havia uma nota explicando que aquele conteúdo ou fazia parte “do projeto de verificação de notícias no Facebook” ou que a “verificação foi sugerida por leitores através do WhatsApp da Lupa”. Houve ainda uma checagem sobre entrevista concedida por Renan Calheiros ao programa Roda Viva sobre a CPI e o texto trazia o mesmo formato que os demais analisados.

No Estadão Verifica, identificamos 18 checagens, sendo 12 relacionadas as declarações dadas durante as oitivas da comissão e as demais são conteúdos que verificam a autenticidade de conteúdos que circulam nas redes. Os textos de cada uma das apurações realizadas são longos, aqueles que se referem a informações falsas que circulam nas redes trazem prints das mensagens com selos informando se são enganosos, falsos ou tirados de contexto.

Alguns apontamentos

Há que se destacar que essa Comissão de Inquérito Parlamentar desperta, sem sombra de dúvidas, a importância da verificação dos fatos que estão sendo ditos. Nesse sentido, a atuação das agências de checagem tem sido importante não apenas para certificar se aquilo que está sendo dito é verdadeiro, está fora de contexto, distorcido ou falso, mas porque, em certa medida, ajudam a filtrar o gigantesco amontoado de informações gerados sobre o assunto e tentam impedir a circulação das informações falsas.

Importante encarar a checagem de fatos como uma chance que o jornalismo tem de documentar de uma maneira mais completa o que é visto no dia a dia nos noticiários. As apurações mais cuidadosas acabam ganhando relevância num cenário em que a proliferação de conteúdos falsos é crescente. Na atuação dos checadores na CPI da Covid não observamos grandes mudanças na forma como trabalham em comparação com verificações relacionadas a outros temas, possivelmente por terem bem estabelecido um método determinado empregado nas investigações.

Ainda que grande parte das checagens apresente uma explicação para a refutação empreendida, elas continuam orientadas pelas classificações e marcadores usados. Seria importante que para além disso, as agências de checagem apresentassem uma narrativa que apreendesse também o contexto histórico vivido no país. É possível observar explicações embasadas em dados e documentos, mas em determinados momentos os textos se ancoram também na prática do jornalismo declaratório, tomando o que foi dito como um fato jornalístico e limitando o movimento do que se pressupõe ser necessário para a checagem dos fatos.

É certo que o fact-checking empregado pelas iniciativas tem suas limitações e enfrenta diversos desafios como o próprio alcance do conteúdo que produzem, mas é importante considerar que elas podem ser uma das diversas estratégias a serem adotadas para combater a desinformação – especialmente quando as fontes dessa desinformação e fraude são também os senadores governistas da CPI (pegos em reiteradas práticas de veiculação de fake news). O trabalho de verificadores deve ter como propósito contribuir para que o público entenda as informações que circulam, mas não adianta se não o fizer com o contexto necessário e apenas adotando práticas antigas do jornalismo que tentam passar uma noção enganadora de imparcialidade, como demonstrado aqui.

Empreender um trabalho de verificação das informações, seja sobre CPI da Covid ou qualquer outro assunto relevante para a sociedade, é uma condição básica da prática jornalística e cada vez mais necessária levando em consideração que as fake news têm sido usadas como instrumento para a comunicação política que ameaça a democracia. Entretanto, as próprias agências de checagem precisam tomar cuidado para não reproduzir discursos e práticas que antes – e ainda agora – contribuíram para que grandes organizações midiáticas tivessem sua credibilidade erodida.

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