CPI da Covid: o que nos reserva as cenas dos capítulos finais?

Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.

Mariane Nava
Doutoranda em Jornalismo pelo PPGJOR e pesquisadora do objETHOS

Sinopse: O Supremo Tribunal Federal determinou a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação do Governo Federal no enfrentamento à pandemia de Covid-19. Mas, não contente e querendo desviar a atenção (dentre outras coisas), o Presidente da República mobiliza seus aliados e acrescenta à investigação uma pauta sobre a utilização das verbas federais destinadas ao combate à pandemia enviadas a estados e municípios.  Diversas testemunhas são então ouvidas para que a história seja reconstituída e os verdadeiros culpados sejam punidos. Uma trama cheia de mentiras, intrigas, reviravoltas e que vai te prender do começo ao fim. Gênero: suspense. Classificação indicativa: 14+.

Se a CPI da Covid fosse um seriado, poderíamos dizer que os brasileiros a estão “maratonando” desde o final de abril. Se estivesse em qualquer stream de entretenimento, com certeza já estaria no Top 10 Brasil. Afinal, todo mundo tem falado sobre isso: desde os portais noticiosos, os meios de entretenimento até os burburinhos nas redes sociais. Mas, qual é o impacto disso tudo?

A primeira grande questão é talvez a transformação da CPI em um simulacro de reality show (literalmente). O principal problema é o risco da banalização das investigações e dos atos dos investigados, vale lembrar que mais de meio milhão de pessoas já morreram por causa da Covid-19 – e o número não para de aumentar. Esse número poderia ter sido algo em torno de 75% menor ou mais 375 mil vidas salvas (segundo o pesquisador Pedro Hallal/UFPEL) e hoje talvez beirando a zero se o governo federal tivesse levado o assunto a sério.

Outro ponto a ser levantado é o resultado de tudo isso. Será que teremos um “final feliz”? Ou apesar de todas as provas, os “vilões” sairão impunes e/ou com penas irrisórias? Se for esse o resultado de toda essa investigação, sinceramente, quero parar de assistir por aqui e imaginar que tudo acabou bem… quisera eu que isso fosse possível. E aqui está o outro ponto delicado: o resultado da CPI vai impactar a vida de todos os brasileiros. Desde o crédito e nível de confiança nas instituições brasileiras até o mercado financeiro.

A segunda grande questão diz respeito à própria democracia brasileira, e está intimamente relacionada ao ponto comentado anteriormente. Tomemos a ideia habermasiana de democracia, em que temos o debate (racional) público como um dos cernes e a informação como outro. Aqui estamos na beira do limite de cair no pessimismo de Habermas em relação aos meios de comunicação, mas, felizmente, ele próprio relativizou o seu ponto de vista e passou a entender os meios como potencializadores necessários para ampliar o acesso à informação, ainda que passível de problemas.

Isso porque a midiatização da CPI potencializa que essas informações cheguem aos mais diferentes públicos, e a transformação em entretenimento pode beneficiar a compreensão nesse sentido. Mantenho o alerta feito anteriormente sobre o risco de banalização, contudo, pensar que diversas pessoas têm se mobilizado para entender o assunto e o transformar em uma linguagem mais interessante para as redes sociais (vide vários perfis e podcasts sobre o tema) é algo que precisa ser considerado. Aliás, esse ponto vai de encontro ao texto CPI reproduz um sistema midiático hiperfragmentado, do professor Álisson Coelho, aqui no objETHOS.

Se tomarmos a democracia deliberativa como parâmetro, esse esforço coletivo de falar sobre a CPI seria a materialização do debate público e sua influência em uma investigação do poder legislativo. Sobre esse tópico, recomendo a leitura do texto do professor Carlos Castilho CPI abre janela inédita para a participação cidadã. Uma das críticas poderia estar na presença ou não de razão nesses formatos, entretanto, é preciso sempre considerar o que seria esse “uso da razão” e até que ponto ele é atingível.

Trazer Habermas e sua compreensão de democracia deliberativa serve como perspectiva para entendermos a importância do debate público e o papel central dos meios de comunicação nele. Entretanto, serve também como um alerta para que nos utilizemos deles com sabedoria e, talvez, com a mente aberta para informar o público de maneira mais participativa e “fora do padrão”.

Uma das “lições” que a CPI tem nos mostrado é a potencialidade do engajamento público e como ele pode, sim, participar diretamente das decisões nos poderes públicos de maneira ativa (e não apenas consultiva). O ponto – para os produtores de conteúdo (e incluo aqui também os jornalistas) – é medir a mão na espetacularização das informações e no esvaziamento da real motivação pela qual elas precisam ser divulgadas. Esse é um risco que tem se tornado gritante com as redes sociais, a hipermidiatização, a abundância de informações e uma certa anestesia pública em relação aos acontecimentos.

O fato é que estamos vivendo o calor do momento desse seriado, experimentando formatos novos e tudo isso em meio a uma pandemia prolongada. Sobre a CPI, temos boas perspectivas sobre o desfecho, mas – como na ficção – reviravoltas podem acontecer.

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