Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio. Para acessar, clique aqui.
Por Walter Pinto Foto Reprodução
Se, para muitos pesquisadores, o período de pandemia foi um momento de desaceleração da produção, não o foi para os do Projeto Contracartografias, que desenvolveram pesquisas em comunidades de povos tradicionais, entendidos como indígenas, caboclos (pessoas de ascendência mista), quilombolas (descendentes de escravos afro-brasileiros) e ribeirinhos (comunidades fluviais) das regiões urbana e insular de Belém e do município de Santarém. O resultado está ao alcance dos leitores, de forma on-line, no formato de artigos, vídeos, animações, jogos e livros, com destaque para a coleção Turma da Beira, seis livretos que trazem narrativas ilustradas sobre como essas pessoas moldam, imaginam e gerenciam o espaço urbano onde residem.
Financiado pela Universidade de Sheffield, Reino Unido, por meio do Global Chalengers Research Found, e executado no Brasil pela UFPA e pela UFMG, o Projeto Contracartografias reúne, no âmbito da UFPA, pesquisadores de Programas de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, em Serviço Social e em Economia e estudantes de graduação e pós-graduação, muitos deles moradores das comunidades em estudo. O projeto conta com a parceria de uma rede de instituições, entre as quais, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), a Associação de Povos Indígenas Estudantes da UFPA, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, a Associação dos Discentes Quilombolas da UFPA e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. A pesquisadora Ana Claudia Duarte Cardoso lidera as ações desenvolvidas pela Universidade Federal do Pará.
Os seis livretos da Turma da Beira, que são do interesse desta resenha, foram lançados em 2021 e indicam nos subtítulos os locais ou os povos pesquisados pelo projeto: “Ilha do Maracujá”, “Indígenas estudantes da UFPA”, “Quilombolas estudantes da UFPA”, “Territórios de Reforma agrária de Mosqueiro”, “Territórios indígenas de Alter do Chão” e “Indígenas que vivem na cidade”. No primeiro volume, Josiele Freire Soeiro, jornalista e moradora da Ilha do Maracujá, que assina o prefácio, informa ao leitor que ele mergulhará em uma das pesquisas exploratórias mais fiéis e didáticas que teve oportunidade de conhecer. “O conteúdo deste livreto tira da invisibilidade a Ilha do Maracujá, sua história, atividades econômicas, localização espacial e, ainda, as conexões urbano-rurais do lugar, localizado ao sul de Belém, mas pertencente ao município de Acará”, resume.
No Volume dois da coleção, o leitor encontrará informações sobre os indígenas estudantes na UFPA, na qual, entre os anos de 2000 e 2001, ingressaram 466 índios de 45 etnias, pelo Sistema de Cotas, aprovado pela Resolução nº 3.869, de 22 de junho de 2009, que destina duas vagas extras, em todos os cursos de graduação, para estudantes indígenas. Uma questão central para essa comunidade é o desafio de permanecer nos cursos diante da dificuldade com a língua portuguesa, da exigência da linguagem acadêmica e da pouca valorização do saber popular. No volume três, a quilombola Dandara, estudante do curso de Direito, conta a sua experiência, que é semelhante à de vários outros estudantes quilombolas da UFPA: “Quando passamos a morar na cidade, escolhemos os bairros próximos à Universidade. A maioria desses bairros é populosa e não estamos acostumados com esse modo de vida da cidade. Muitas vezes nos sentimos sufocados e sem privacidade. Também não há muita opção de áreas verdes e, na nossa comunidade, estamos cercados pela natureza, por isso sentimos falta da liberdade que a comunidade proporciona”.
No livreto seguinte, estudantes da UFPA residentes em territórios de reforma agrária em Mosqueiro, os assentamentos Mártires de Abril e Paulo Fonteles, contam as suas experiências como camponeses numa área reconhecida pelas praias, onde nem se imagina existirem agricultores. No livreto cinco, a narrativa se desloca para o território indígena Boari, em Alter do Chão, Santarém. Por meio de entrevistas com indígenas estudantes da UFPA, o leitor pode se informar sobre a luta dos Boari diante da urbanização desenfreada causada pela especulação imobiliária. A coleção Turma da Beira encerra com uma roda de conversa com indígenas das etnias Tembé, Carajá e Kariti Sapuyá sobre a luta por reconhecimento da identidade das pessoas indígenas que vivem no meio urbano no Brasil.
Serviço: Coleção Turma da Beira. Seis livretos de 38 páginas cada. Disponível para acesso gratuito em: www.contracartografias.com e www.urbanapesquisa.net
Beira do Rio edição 161