Publicado originalmente em Observatório da Comunicação Pública – OBCOMP. Para acessar, clique aqui.
A jornalista e professora Caroline Casali reflete sobre como a ausência de comunicação oficial que esclareça e incentive a vacinação infantil, aliada à disseminação de notícias falsas sobre o tema, tem comprometido o enfrentamento da pandemia da covid-19 no Brasil. Casali alerta que “onde não há uma campanha forte de informação e sensibilização, a desinformação corre solta” e complementa: “se tornou comum encontrar pessoas receosas em imunizar seus filhos, mesmo diante de uma pandemia que tirou a vida de milhares de crianças no mundo”.
“Oi Débora.
Boa tarde!
Devo dar a vacina da covid nos meus filhos?
Tenho 3 filhos com 5, 8 e 11 anos!
Estou confusa, mim (sic) ajude!”
Em30 de janeiro de 2022, a escritora e professora Debora Diniz – que tem mais de 150 mil seguidores na rede social Instagram – postou um print da mensagem acima. A dúvida não parecia retórica. Era uma mãe confusa sobre a decisão de vacinar ou não ou filhos contra a covid-19. Debora complementou na legenda: “Minha resposta foi, sim, vacine seus filhos. Mandei referências e vídeos. Será que vocês poderiam me ajudar a respondê-la e quem sabe podemos ajudar alguém mais em dúvida?”.
Os comentários naquela postagem me lembraram os conteúdos que circulam em meu Whatsapp desde o dia 14 de janeiro de 2022, quando foi autorizada a vacinação infantil contra a covid-19 para crianças brasileiras de 5 a 11 anos. Sou mãe de um menino de 5 e as redes de que faço parte estão repletas de mães e pais relatando dúvidas em relação à pertinência da vacina, sua qualidade, eficácia ou segurança e pedindo instruções sobre vacinar ou não as crianças. Pedindo a quem? A outros pais e mães igualmente em dúvida e leigos em ciência, adubando, assim, o terreno fértil da desinformação.
Esse questionamento contundente sobre a imunização infantil é um fato recente no Brasil. Já tivemos um dos mais bem-sucedidos programas de vacinação do mundo, com uma rede de distribuição amplamente estudada e uma comunicação precisa e eficaz na sensibilização de crianças e familiares, com a adoção, inclusive, de um querido mascote, o Zé Gotinha. Assim, as campanhas de vacinação contra a poliomielite, iniciadas ainda na década de 1980, tiraram de circulação do Brasil a forma mais agressiva do vírus. Da mesma forma, em 2016, o vírus do sarampo havia sido eliminado do país, devido a taxa de 96% de cobertura da vacina tríplice viral (FAPESP, 2018).
Contudo, os movimentos antivacina deram sinais de sua força mesmo antes da pandemia. A circulação de informações falsas, dentre as quais a crença de que muitas doenças já estavam erradicadas no Brasil e de que, por isso, não seria mais necessário vacinar os pequenos, demandava um contragolpe governamental, uma comunicação mais incisiva por parte do Ministério da Saúde sobre a importância da imunização, o que não aconteceu. As taxas de vacinação de poliomielite, tríplice viral, hepatite A e B, meningocócica C, rotavírus e pentavalente, que alcançavam mais de 90% de cobertura em 2015, caíram em torno de 20% em 2017 (FAPESP, 2018).
Em relação à covid, infelizmente, o Governo Federal também deixa de cumprir sua função em comunicar de maneira uníssona sobre a importância da imunização infantil para a saúde pública na pandemia. Os canais de comunicação do Ministério da Saúde trazem dados de distribuição de doses aos estados, mas não promovem qualquer campanha de comunicação com informação e sensibilização pró-vacina. Nesse vácuo da comunicação governamental, as trocas em grupos de Whatsapp, amparadas em dados imprecisos e informações falsas, revelam ignorâncias, escancaram a desigualdade social do país, retroalimentam o individualismo e colaboram para que o coronavírus continue circulando livremente por aí.
Onde não há uma campanha forte de informação e sensibilização, a desinformação corre solta e, por causa dela, se tornou comum encontrar pessoas receosas em imunizar seus filhos, mesmo diante de uma pandemia que tirou a vida de milhares de crianças no mundo e ainda que as vacinas contra a covid sejam validadas pelas mesmas instituições que aprovaram as outras 24 doses que a criança brasileira já tomou até seus 5 anos de idade.
A exemplo do que aconteceu com a divulgação de dados sobre a covid, em que os grupos Estadão, Folha e Globo formaram o Consórcio de Veículos de Mídia* para levantamento e divulgação de informações diárias acerca de infectados e mortos, entes privados têm desenvolvido ações de comunicação pública para valorização da imunização infantil. O próprio Consórcio de Veículos, por meio da campanha “Vacina, sim!”, está veiculando filmes de 30 segundos na televisão aberta e peças radiofônicas sobre a importância da vacinação infantil (G1, 2022). Essas ações, embora essenciais, não substituem a necessidade de uma comunicação governamental eficiente para dirimir dúvidas e voltar a engajar os brasileiros na vacinação infantil – agora e sempre!
*vide o texto do jornalista Carlos Rocha, “Vacina sim. Para o caixa também!”, publicado no Obcomp. Disponível em: http://www.ufrgs.br/obcomp/textos-opinioes/1/2017/carlos-rocha-vacina-sim-para-o-caixa-tambem!/.
FAPESP. As razões da queda na vacinação. In: Revista Pesquisa Fapesp. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/as-razoes-da-queda-na-vacinacao/. Acesso em: 04 de fevereiro de 2022.
G1. Nova fase da campanha ‘Vacina Sim’ conscientiza sobre importância da vacinação infantil. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/coronavirus/noticia/2022/01/24/nova-fase-da-campanha-vacina-sim-conscientiza-sobre-importancia-da-vacinacao-infantil.ghtml. Acesso em: 04 de fevereiro de 2022.
Caroline Casali
Jornalista, Doutora em Ciências da Comunicação pela UNISINOS, Professora Adjunta do Centro de Ciências Socio-Organizacionais da UFPel, integrante do Núcleo de Comunicação Pública e Política (NUCOP) e do Observatório da Comunicação Pública.