Publicado originalmente em Veja Saúde por Chloé Pinheiro e participação de pesquisadores da Rede Análise COVID-19. Para acessar, clique aqui.
Maioria dos estados brasileiros registram alta no número de novos casos e óbitos por coronavírus. Isso é uma segunda onda ou não? E o que devemos fazer?
Nas últimas semanas, diversos estados brasileiros relataram aumento de internações e óbitos por Coronavírus. A média móvel nacional de mortes, que estava em queda desde outubro, cresceu 34% em relação a 14 dias atrás, aproximando-se novamente do patamar de 500 falecimentos diários. Na terça-feira (17 de novembro), a média móvel atingiu 680 mortes, algo que não se via desde outubro: 16 estados registraram crescimento.
Já a média de novos casos diários ficou em mais de 28 mil na última semana, a maior marca desde junho. Os dados são do consórcio de veículos de imprensa, que os verifica com as secretarias estaduais de saúde. Mas há outras fontes de informação reforçando a tendência de alta.
Por exemplo, o índice de contágio (RT), que aponta quantas pessoas serão contaminadas por um infectado (e, assim, a ajuda a estimar a velocidade de transmissão da doença) está acima de 1 no país desde o dia 13 de novembro. O número deve estar sempre abaixo disso para que a tendência de queda se mantenha. Duas iniciativas chegaram a esse índice: o projeto InfoTracker, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e um levantamento feito pelo King’s College de Londres.
“Desde a metade de setembro, a tendência começou a se reverter nas internações. Ou seja, a taxa passou a cair mais lentamente, depois se estabilizou e, enfim, começou a subir nas últimas semanas”, explica Isaac Schrarstzhaupt, cientista de dados e colaborador na Rede Análise Covid-19.
O temor principal é a falsa sensação de segurança na chegada a dezembro, período em que o brasileiro está se preparando para muitas festas. “Estamos vendo pessoas adoecendo e ficando surpresas, porque achavam que estava tudo bem. Então precisamos de um discurso claro das autoridades de que não está, e devemos seguir nos protegendo”, comenta Alexandre Zavascki, chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Rio Grande do Sul, Paraná e outros estados registram aumento
O Sul é a região que mais preocupa, com um índice de contágio de 1,46. Isso significa que, no momento, cada 100 indivíduos com coronavírus passam a doença para outras 146 pessoas. “Estamos trabalhando com 100% da nossa ocupação de leitos de Covid-19 e vendo a situação com bastante preocupação”, aponta Zavascki. Na capital gaúcha, o cenário que era de enfraquecimento da doença já se reverteu oficialmente. A cidade registra sua segunda semana de alta na ocupação da UTI, de acordo com dados da prefeitura.
No Paraná não é diferente. Curitiba bateu seu recorde de novos casos registrados em 24 horas no dia 17 de novembro. Em um dia, foram contabilizados 12% de todos os episódios de Covid-19 confirmados no município desde o início da pandemia, calcula o site Bem Paraná. A desativação de leitos dedicados ao Covid-19 já foi cancelada – e 72% das vagas de UTI estão ocupadas no Estado, informa a secretaria de saúde.
O cenário se repete no Centro-Oeste, com a quarta semana seguida de alta nos novos casos do Mato Grosso do Sul, e no Nordeste. Como exemplo, Pernambuco viu sua média móvel de mortes subir 88% em comparação às últimas duas semanas, segundo dados da secretaria estadual de saúde analisados pela imprensa local.
Depois de negar crescimento, São Paulo confirma subida nas internações
Desde a semana passada, hospitais particulares da capital paulista têm alertado a população para o crescimento dos atendimentos de casos de Covid-19. No início dessa semana, depois de dizer que não havia aumento, o governo confirmou alta de 18% nas internações no estado como um todo e adiou novas flexibilizações.
Os números da prefeitura também sugerem alta discreta e recente nas internações, ainda não confirmadas como uma tendência. No início da semana passada, eram cerca de 680 internados nos hospitais municipais. Na terça (17), foram contabilizados 814. Há uma discussão sobre o que de fato deve acontecer nas próximas semanas, entretanto uma coisa é certa: a subida aconteceu, e o público que mais está se contaminando pertence às classes A e B.
“Elas são os grandes motores, e tivemos de fato um aumento de casos positivos e admissões em alguns dias. Mas não sabemos se é uma subida exponencial ou se o nosso platô está atingindo um patamar diferente”, comenta Sidney Klajner, presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, onde as internações por dia foram de uma média de 55 para 86 nesta semana.
“Temos vivido altos e baixos nos últimos meses, então não podemos dizer a situação se manterá dessa maneira. Mas notamos alta na procura no pronto atendimento, em especial pessoas em uma faixa etária mais jovem”, opina Pedro Mathiasi, infectologista e superintendente de Qualidade e Segurança do HCor, também na capital paulista. No meio de outubro,o HCor registrava 18 pessoas internadas com Covid-19. Na última segunda (16), eram 38.Continua após a publicidade
Classes A e B e jovens estão se contaminando mais
Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, a transmissão ocorre em festas, encontros e almoços, mesmo com poucas pessoas. “Chama a atenção na capital paulista a faixa etária entre os 40 e 60 anos, alguns internados na UTI, que estavam totalmente reclusos, mas começaram a se expor de forma indevida socialmente”, destaca a infectologista Nancy Bellei, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“Muitos dos nossos admitidos fizeram encontros onde se come e bebe, mesmo que pequenos, sem máscara. E depois descobriu-se que a pessoa com quem estiveram tinha Covid-19”, conta Klajner. Isso ocorre porque os assintomáticos e pré-sintomáticos podem transmitir o vírus, e quando o contato é prolongado, como num almoço, o risco aumenta.
“Estamos colhendo a consequência do ‘não aguento mais ficar em casa’. Não é hora de baixar a guarda”, continua Klajner. A recomendação ainda é evitar encontros que envolvam retirar a máscara e permanecer em locais fechados com mais pessoas por longos períodos.
Vale lembrar que, no início da pandemia, também eram os mais ricos que se contaminavam. Depois o vírus foi se espalhando para os menos favorecidos. Como no Brasil a testagem é reativa, só quando há sintomas, e considerada insuficiente na rede pública, será difícil cravar o crescimento nas periferias até que ele esteja consumado na sobrecarga dos sistemas de saúde.
“Geralmente, o pico na classe social mais alta não é tão exponencial porque seus integrantes têm mais acesso ao tratamento adequado. É quando a doença se expande para os mais vulneráveis socialmente que começa o estouro de casos, e o mesmo raciocínio se aplica aos grupos dos risco, como idosos”, pondera Schrarstzhaupt.
Segunda onda está mais para volta dos que não foram
Com as notícias, é natural falar em segunda onda da pandemia. Mas os especialistas ouvidos pela reportagem são resistentes ao termo. O motivo é simples: não saímos da primeira onda.
“Ao contrário da Europa, onde vimos uma queda substancial em vários países e agora estamos diante de uma nova subida, o Brasil se manteve em um platô eterno e consideravelmente elevado, com variações regionais significativas”, diz Schrarstzhaupt. “Pode ser uma segunda onda no sentido de que vemos um aumento, mas é uma segunda onda que começa no descenso da primeira”, completa.
Para ele, estamos mais parecidos com os Estados Unidos, que já atravessa seu terceiro repique de casos, mais severo do que todos os outros. Os norte-americanos vêm colecionando recordes tristes, com uma média de 160 mil novos casos e 1 500 mortes por dia na última semana. Não dá para dizer se a situação será a mesma no Brasil, porém os hospitais estão se preparando para um possível aumento de demanda.
Nesta semana, Christopher Murray, diretor do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), instituição dos Estados Unidos que faz projeções sobre a pandemia, disse acreditar que o Brasil deve viver uma verdadeira segunda onda da doença só em abril de 2021. A entidade calcula 188 mil mortes até 1o de março. Ou seja, pouco mais de 20 mil do que temos agora. Murray apresentou as estimativas inéditas em palestra recente, no congresso da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).
Por enquanto, o repique nacional de casos parece mais isolado em ‘bolhas’ de pessoas que conviveram entre si, os chamados clusters. “Mas podemos ter certeza de que, se mantivermos a convivência em locais fechados e sem as medidas de distanciamento social, a transmissão será inevitável”, alerta Mathiasi.
Para evitar um novo lockdown
Sem uma comunicação clara dos governos, as pessoas acabam relaxando, e basta uma saída por qualquer cidade para comprovar isso. “É o momento de reforçar as medidas individuais de proteção. Se não fizermos nada, chegaremos em uma situação crítica onde a única saída será fechar tudo”, aponta Zavascki. “É como se nenhum governante quisesse ser o primeiro a dar as más notícias, porque seria um demérito. Mas isso é ruim para todos, porque mesmo as pessoas bem intencionadas acabam achando que podem relaxar”, completa o infectologista gaúcho.
Nancy Belley concorda. Para ela, a solução não é impor um novo lockdown, mas sim conscientizar a população de que é preciso incorporar as novas regras de convívio social por um bom tempo. “Ainda temos muito suscetíveis, que continuarão se contaminando se forem obrigados a ficar em casa e, depois, liberados sem a orientação correta de não realizar aglomerações”, destaca.