Assintomáticos também transmitem o novo coronavírus

Publicado originalmente em Covid-19 Divulgação Científica. Para acessar, clique aqui.

Estudo publicado no mês passado com dados de Wuhan, na China, não muda aquilo que os cientistas já vinham afirmando: mesmo sem sintomas, é possível transmitir a COVID-19.

A publicação, em 20 de novembro, de um estudo com quase 10 milhões de residentes de Wuhan, na China, motivou a circulação de postagens afirmando: pessoas que contraíram o SARS-CoV-2, vírus causador da COVID-19, sem apresentar sintomas não transmitem a infecção a terceiros. Não é isso, porém, o que o trabalho, publicado na revista Nature Communications, conclui.

Wuhan foi o primeiro lugar do mundo onde surgiram casos da COVID-19. Para conter a nova doença, a cidade impôs aos seus residentes uma rigorosa quarentena, de 23 de janeiro a 8 de abril de 2020. Pouco mais de um mês depois, entre 14 de maio e 1 de junho, deu-se a coleta do estudo recém-publicado. Os participantes, que correspondiam a mais de 90% da população da cidade com seis anos de idade ou mais, realizaram testes moleculares (PCR) para identificação do vírus. O estudo não identificou nenhum novo caso sintomático da doença, e 300 pessoas tiveram resultados positivos para a presença do SARS-CoV-2 em seu organismo, sem apresentar sintomas. Não foram identificados novos positivos entre contatos próximos dos casos assintomáticos.

O que podemos concluir a partir desses resultados? “O estudo tira um ‘retrato’ da situação em Wuhan depois da implementação de medidas amplas e rigorosas de testagem, rastreio de contatos e isolamento social”, resume o infectologista Fernando Bozza, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz. “Os resultados mostram que a cadeia de transmissão da COVID-19 foi interrompida pelas medidas adotadas naquela região”.

Apesar de ser um estudo de qualidade e importante para entendermos a dinâmica da doença, o perigo está na interpretação equivocada que algumas fake news fizeram de seus resultados. “É um artigo bem desenhado e bastante abrangente”, avalia o biofísico Rômulo Neris, doutorando em imunologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e bolsista da organização estadunidense Dimension Sciences para o estudo do novo coronavírus. Ele explica que testes em massa são uma forma bastante eficaz de rastrear a doença, mas que os resultados da pesquisa não comprovam que casos assintomáticos não transmitem o vírus: “[o artigo] não é, de maneira nenhuma, um salvo conduto para que pessoas assintomáticas possam não adotar as medidas de proteção ou possam viver como se não estivéssemos atravessando uma pandemia”.

O próprio artigo da Nature Communications alerta: “é cedo demais para ser complacente, por causa da existência de casos positivos assintomáticos e pela alta suscetibilidade nos residentes de Wuhan. Medidas de saúde pública para prevenção e controle da epidemia de COVID-19, incluindo uso de máscaras e manutenção de um distanciamento social seguro, devem ser mantidas”.

Participação dos assintomáticos na transmissão da COVID-19

Bozza chama atenção para os resultados de um outro artigo, publicado na Nature Medicine em 30 de novembro. O estudo avaliou a transmissão do SARS-CoV-2 em outra província chinesa, Wanzhou, por meio do acompanhamento de 183 casos confirmados de COVID-19 e seus contatos mais próximos. A transmissão por pessoas infectadas assintomáticas ou pré-sintomáticas (isto é, que viriam a desenvolver depois os sintomas da doença) correspondeu a 75,6% do total de transmissões.

“Podemos concluir que, de fato, as medidas de contenção e interrupção das cadeias de transmissão (isolamento social, uso de máscara, testagem, busca de contactantes) devem valer, de uma forma geral, para toda a população. Não é porque você é assintomático que não deve usar máscara. Se você teve contato com alguém com COVID-19, mesmo assintomático, deve ser testado”, defende o infectologista.

Embora os cientistas acreditem que pessoas sem sintomas ou com sintomas brandos da COVID-19 tenham uma carga viral mais baixa e, portanto, liberem menos partículas do vírus no ambiente, elas têm um papel muito relevante na transmissão da infecção, pois circulam muito mais, muitas vezes sem a proteção adequada. Quem está muito doente, por outro lado, tende a ficar mais recluso, em casa ou no hospital – assim, apesar da carga viral mais alta, possivelmente transmite menos a doença, porque tem contato com menos pessoas.

Portanto, o estudo em Wuhan não serve como base para mudar as orientações atuais em relação às medidas adequadas para contenção da COVID-19, como distanciamento social e uso de máscaras. “A gente continua considerando que os assintomáticos têm um papel importante na pandemia”, reforça Neris.

Bozza destaca, ainda: “[entre a China e o Brasil], o cenário epidemiológico é muito diferente, e as medidas implementadas para interrupção da transmissão do vírus também foram muito diferentes. Não tem comparação. Esse estudo não ajuda a entender a transmissão da COVID-19 no Brasil, ele ajuda a entender que medidas funcionaram para parar a transmissão em Wuhan”.

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