Aprendizado no contexto da pandemia

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Artigo | William Klein Oliveira, Vanessa Lagemann Drehmer, Angelo Luiz Freddo e Ramona Fernanda Ceriotti Toassi, da Odontologia, comparam as experiências de aprendizagem de duas turmas de Exodontia

*Por William Klein Oliveira, Vanessa Lagemann Drehmer, Angelo Luiz Freddo e Ramona Fernanda Ceriotti Toassi
*Ilustração: Marina Polidoro/ Programa de Extensão Histórias e Práticas Artísticas, DAV-IA/UFRGS

Em março de 2020, a OMS declarou estado de pandemia em relação à covid-19; a partir de então, por toda a parte, iniciou-se a interdição das atividades de circulação de pessoas e a indicação de isolamento social. Nesse cenário, o setor educacional foi um dos primeiros a sofrer os efeitos da pandemia. Ao provocar a suspensão total das atividades práticas e a migração das atividades teóricas para ambientes virtuais, a pandemia impactou diretamente no funcionamento de cursos como o de Odontologia. Na UFRGS, esse curso teve o retorno restrito das atividades presenciais em 2021. O período de interrupção das atividades ocasionou o represamento de estudantes de graduação do curso, gerando uma turma com praticamente o dobro de alunos (90) de uma turma regular.

Buscando conhecer se o aprendizado das atividades práticas havia sido afetado nessa turma ampliada, realizou-se uma pesquisa com objetivo de avaliar os processos de aprendizado dessa turma e o de uma turma de tamanho regular do curso de Odontologia da UFRGS.

Participaram do estudo 97 estudantes matriculados na disciplina de Exodontia do curso de graduação em Odontologia diurno nos períodos de 2022/2 – turma ampliada – e 2023/1 – turma regular – e os dois docentes da disciplina. A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação presencial de instrumentos de pesquisa semiestruturados e autoaplicáveis, com questões abertas e fechadas (objetivas), no início e no final de cada semestre para cada uma das duas turmas.

Os resultados mostraram que, ao final do semestre, a turma regular sentia-se mais segura em relação aos procedimentos relacionados à exodontia (88,4% responderam estar confiantes/muito confiantes) do que a turma ampliada (79% sentiam-se confiantes/muito confiantes). Além disso, o sentimento de “um pouco inseguro” ou “muito inseguro” foi de 7,4% na turma ampliada em comparação a 1,5% na turma regular.

Já que a maior diferença observada entre os processos de ensino-aprendizado das duas turmas foi o número médio de vezes que a turma operou (os estudantes da turma regular realizaram 55,3% mais exodontias do que os da outra turma), estima-se que a redução da área prática da disciplina tenha contribuído para a insegurança dos estudantes.

Na turma ampliada, 57,7% dos estudantes realizaram apenas 2 exodontias como operadores. Já na turma regular, todos realizaram 3 ou mais exodontias. A média foi de 2,5 exodontias por estudante na turma ampliada em comparação a 3,8 exodontias por estudante na turma regular. Além disso, a média de procedimentos realizados por estudante, como ostectomia, retalho cirúrgico, uso de fórceps ou odontosecção, foi maior na turma regular (1,9 vezes por estudante) do que na turma ampliada (1,5 vezes por estudante), e a média de estudantes que não realizou nenhum desses procedimentos foi maior na ampliada (17,3%) do que na regular (3,0%), o que pode, também, ter contribuído para uma maior desigualdade no aprendizado entre as turmas analisadas.

A satisfação máxima em relação ao aprendizado percebido ao final do semestre foi menor na turma ampliada, em que 39,4% dos estudantes ficaram muito satisfeitos (e 47,1% satisfeitos) em comparação a 44,4% da turma regular muito satisfeitos (e 42,9% satisfeitos). O percentual de estudantes da turma ampliada (48,4%) que referiu que gostaria de ter realizado mais procedimentos práticos na disciplina foi maior em comparação ao da turma regular (38,5%). 

Ambas as turmas tiveram uma melhora significativa nos acertos das questões ao final dos semestres. A turma ampliada acertou 70,5% do questionário final (houve uma melhora de 33,2%, comparando com o questionário inicial); a turma regular, que novamente teve um desempenho melhor do que o da turma ampliada, acertou 76,4% (houve uma melhora de 39,9%, comparando com o questionário inicial).

De forma geral, para ambas as turmas, no início do semestre, as preocupações dos professores eram com a falta de pacientes e com o despreparo dos estudantes com as aulas online. Ainda, para a turma ampliada, somava-se a preocupação com a relação estudante/professor defasada (muitos estudantes para poucos professores) e a possível qualidade diminuída dos atendimentos. Ao final da disciplina, ambos referiram que a qualidade de ensino e aprendizagem dos estudantes da turma ampliada foi abaixo do normal, comparada com a da turma regular, que consideram que foi na média ou acima do normal.

O estudo possibilitou identificar os efeitos no processo de ensino-aprendizado de turmas com represamento de estudantes.

A maior diferença que pôde ser percebida foi o número médio de vezes que as turmas operaram (os estudantes da turma regular realizaram 55,3% mais exodontias do que os da turma ampliada). Essa redução da área prática da disciplina para a turma ampliada pode ter contribuído para um menor sentimento de “confiante” ou “muito confiante” ao final do semestre. Além disso, na turma ampliada, ao final do semestre, ainda havia estudantes com o sentimento de “um pouco inseguro” ou “muito inseguro”, em comparação a um pequeno percentual de estudantes que ainda se sentia assim apenas em relação a procedimentos pontuais. A turma ampliada realizou, ainda, uma média de procedimentos, como a ostectomia, retalho cirúrgico, uso de fórceps ou odontosecção, menor que a da turma regular, e a média de estudantes que não realizou nenhum desses procedimentos foi maior na ampliada do que na regular, o que pode também ter contribuído para uma maior desigualdade no aprendizado dentro da turma ampliada. O aprendizado teórico das turmas foi semelhante.

Com os achados do estudo, é possível afirmar que a turma ampliada demonstrou perdas no aprendizado da disciplina de Exodontia em comparação com uma turma regular. Cabe ressaltar também que, como a análise em questão foi descritiva e considerando um contexto específico da pandemia e o retorno ao ensino presencial, novas análises são necessárias, acompanhando essas turmas em relação ao processo de aprendizagem.


William Klein Oliveira é estudante de graduação do curso de Odontologia noturno.
Vanessa Lagemann Drehmer é estudante de graduação do curso de Odontologia noturno.
Angelo Luiz Freddo é professor do Departamento de Cirurgia e Ortopedia da Faculdade de Odontologia.
Ramona Fernanda Ceriotti Toassi é professora do Departamento de Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia.

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