A RESPONSABILIDADE DAS PLATAFORMAS NA INVASÃO DO CAPITÓLIO E AS SEMELHANÇAS COM OS ATOS DE 08 DE JANEIRO EM BRASÍLIA

Por Ana Regina Rêgo. Também disponível em Jornal O Dia e Portal Acesse Piauí.

Recentemente foi divulgado o Relatório Final dos investigadores do Congresso dos Estados Unidos sobre o 06 de janeiro de 2021 (invasão do Capitólio), capítulo concernente à participação e responsabilidade das Plataformas Digitais. 

O contexto que antecedeu o evento na capital norte-americana guarda semelhanças com o que veio a acontecer no Brasil dois anos depois. Nos meses anteriores à eleição de 2020, o então presidente Donald Trump, seus aliados, outras autoridades republicanas e personalidades da mídia alinhados com a extrema direita, atacaram implacavelmente a integridade do Sistema Eleitoral dos EUA, tanto quanto o processo eleitoral em curso.

Ao término das eleições muitos cidadãos estavam preparados para questionar o resultado, apesar da total inexistência de indícios ou comprovação de fraude. A crença na fraude cresceu entre os extremistas norte-americanos a partir de uma grande enxurrada de desinformação a que foram expostos durante os últimos anos, sobretudo, com a entrada de Donald Trump na cena política e ao mesmo tempo no cenário virtual, muito embora, o próprio relatório mencionado sinalize que um certo extremismo já era uma tendência do partido Republicano e seus correligionários e que Trump seria uma consequência do alinhamento do partido a uma extrema direita e não a causa. 

É nesse ponto que vale ponderar sobre a responsabilidade das plataformas digitais nos eventos violentos dos janeiros de 2021 e 2023, pois mesmo que a tendência conservadora extremista seja mais antiga que a própria internet, a potência e velocidade com que tem se espalhado por diversos países atualmente, mantém íntima relação com o mundo virtual. Como os cidadãos recebem notícias e informações por diversos canais e redes on-line, há que se identificar a responsabilidade das plataformas de mídia social para a inflamação do discurso e do desentendimento político visível em vários países, com destaque para o Brasil e os EUA. O relatório citado destaca que independentemente do grau de envolvimento das plataformas nos acontecimentos violentos, e “não obstante sua responsabilidade legal, as mídias sociais têm a obrigação ética de impedir que esses serviços sejam usados para cometer crimes, orquestrar violência ou contribuir de outra forma para danos offline”.

Para os investigadores do Congresso dos EUA, a responsabilidade das plataformas é um fato, independentemente do modelo de negócios orientado por algoritmos e de disputa pela atenção, já que ao não agir coibindo conteúdos perniciosos ao ambiente social, o core business da indústria de mídia social está impulsionando a polarização e a radicalização, e, consequentemente a violência simbólica e física. Na verdade, a investigação do Comitê, complementada por depoimentos escritos de especialistas, sugere que a má qualidade da moderação de conteúdo e políticas opacas e inconsistentes contribuíram muito para 6 de janeiro, mais do que os desafios postos pelos algoritmos de recomendação. 

O debate sobre a função política das mídias sociais tem avançado em todos os países e nesse meio tempo, o ambiente virtual se aprimora em estratégias de controle dos usuários, tornando-se mais complexo a cada dia. Plataformas convencionais como Facebook, Twitter, YouTube e Reddit agora enfrentam a concorrência de redes digitais e alternativas menores  e que servem como paraísos para o extremismo e o discurso violento. De acordo com o Relatório, quando o Reddit colocou em quarentena The_Donald, uma comunidade online que apoia o presidente Trump e publica ameaças violentas e discurso de ódio, essa comunidade migrou para TheDonald.win como uma alternativa de fórum livre dos padrões da comunidade do Reddit. Outros serviços, como Gab, Parler e web fóruns como 4chan e 8kun também atraíram usuários que postaram discursos, bem como conteúdo audiovisual que seria inaceitável em outros lugares. Eles se tornaram lugares onde neonazistas e brancos supremacistas se misturam digitalmente com milicianos e ativistas de extrema-direita, assim como curiosos usuários da Internet — especialmente os jovens. No Brasil, o processo de migração passou a ocorrer com mais ênfase após o dia 08 de janeiro de 2023. No período eleitoral de 2022, os neonazistas, supremacistas brancos e bolsonaristas extremados se utilizaram principalmente de grupos e canais do Telegram para realizar tanto a formação de opinião, como as articulações para os movimentos que planejavam.

Dentre as principais conclusões do Relatório sobre a implicação das plataformas na invasão do Capitólio, vale destacar:

– No Facebook, os usuários se coordenaram para espalhar falsas alegações de fraude eleitoral pela plataforma. A pesquisa interna do Facebook descreve como o movimento “Stop the Steal” foi propagado por um pequeno núcleo de indivíduos que trabalhavam de forma coordenada para enviar milhares de convites para diversos grupos do Facebook todos os dias, evitando estrategicamente a aplicação das políticas da plataforma. Muitos desses usuários fizeram isso usando várias contas, uma violação dos termos de serviço da plataforma. Esses grupos estavam repletos de incitação à violência, ameaças, discurso de ódio e desinformação sobre a eleição. Mas como o Facebook não tinha uma política explícita contra a negação eleitoral e discurso violento, e, como seu sistema de detecção era falho, terminou por derrubar poucos desses grupos antes de 6 de janeiro. Apesar do conhecimento de que esses grupos tinham ligações com atores violentos.

– Grande parte do conteúdo compartilhado no Twitter, Facebook, Reddit e outros sites veio do YouTube (Alphabet/Google).O YouTube afirma que uma série de mudanças em seu algoritmo em 2019 reduziu a taxa com que a plataforma recomenda conteúdo radical aos usuários. No entanto, a tolerância da plataforma para “conteúdo limítrofe” e sua aplicação tardia de uma política contra o discurso sobre as eleições permitiu que servisse como um repositório para falsas alegações de fraude eleitoral. Quer o algoritmo do YouTube tenha promovido ou não esses vídeos, eles foram implantados no restante da Internet.

-A investigação do Comitê  do Congresso dos EUA descobriu que essas plataformas foram aproveitadas de várias maneiras por extremistas violentos – com vários graus de sucesso – na preparação para 6 de janeiro. Algumas dessas plataformas tomaram medidas para reduzir a propagação de conteúdo extremista antes do ataque ao Capitólio, mas na maioria dos casos as ações mais dramáticas foram tomadas após 6 de janeiro, apesar dos sinais claros de alerta que se estendiam pelas plataformas. Outras plataformas cobertas nesta investigação, como Gab, 8kun e TheDonald.win, não mostraram nenhum interesse em moderação de conteúdo, o que permitiu que forças verdadeiramente extremas dominassem o discurso nessas redes. 

Por fim, é preciso destacar que embora o Relatório aponte diversos problemas na relação das plataformas com os usuários e a apropriação das estratégias de visibilidade das mídias sociais por parte do ex-Presidente Trump e seus apoiadores, o Washington Post em matéria publicada na terça (17) critica a versão final divulgada, tendo em vista que minimiza de certa forma a responsabilidade das plataformas no evento do Capitólio e dá margens para que estas se mantenham com suas políticas de exploração dos usuários, tanto quanto possam ser apropriadas por extremistas para praticar atos violentos. 

A matéria pode ser lida aqui: https://www.washingtonpost.com/documents/5bfed332-d350-47c0-8562-0137a4435c68.pdf?itid=lk_inline_manual_3

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