Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.
Vitória Ferreira
Mestranda do PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS
A cobrança por ações e respostas do jornalismo em relação à desinformação tem se tornado frequente, mas ainda pouco se vê na prática ações do próprio jornalismo que, de fato, surtam efeito e ajudem a combater este problema que afeta incessantemente diferentes esferas da sociedade. Quando falo em ações do próprio jornalismo, me refiro às estratégias que veículos do mainstream e independentes podem adotar para mitigar os estragos causados por conteúdos desinformantes. É importante ressaltar que o jornalismo não passa impune a esse “vírus desenfreado” e é colocado no mesmo espaço que muitas notícias desinformantes.
A academia, como pode, vem tentando contribuir para esse processo. No relatório “Desinformação, Mídia Social e Covid-19 no Brasil”, Raquel Recuero e outros autores sugerem formas de atacar esse problema. Entre as proposições, pontuam a criação de espaços públicos e acessíveis de debate sobre temas complexos, fomentando incentivo à campanha de vacinação, por exemplo, em que esses temas de saúde pública possam ser discutidos, furando possíveis bolhas e combatendo desinformação em torno do assunto. Outro ponto abordado são ações dos veículos jornalísticos para evitar que suas produções sejam compartilhadas como desinformação, tomando cuidado com possíveis erros na cobertura, por exemplo. Em outro texto para o ObjETHOS, também alertei para a importância dos esforços coletivos no combate à desinformação, da importância de termos não só o jornalismo engajado nesta causa, mas também diferentes esferas da sociedade e sobretudo atuações efetivas das plataformas digitais.
Neste novo texto, proponho falarmos sobre jornalismo colaborativo como resposta à desinformação. Mas, antes de continuar, é preciso ressaltar que o sentido dado ao termo não é o de participação da cidadão e do cidadão no processo jornalístico, mas sim o de colaboração e junção dos esforços de profissionais e organizações de imprensa. Nesse sentido, trago dois casos para esta discussão: Projeto Comprova e o Consórcio de Veículos de Imprensa. Ambos têm em comum a junção de esforços de veículos diferentes, com interesses econômicos distintos, unidos em busca de um objetivo em comum.
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O comprova busca combater à desinformação e o Consórcio apurar os dados da pandemia da Covid-19 no país, divulgando diariamente em boletins. O primeiro teve sua primeira fase motivada a partir das eleições gerais no Brasil em 2018, quando a desinformação passou a pautar o processo eleitoral. O segundo, a partir do silenciamento dos dados da pandemia no país, por parte do governo federal em 2020 que trata desde então a pandemia com descaso.
Mais especificamente, o Projeto Comprova, criado em 2018, usa do jornalismo colaborativo para realizar a checagem de informações falsas ou duvidosas. Atualmente, reúne jornalistas de 43 veículos de comunicação distintos, eles buscam descobrir e investigar informações suspeitas, compartilhadas nas redes sociais ou aplicativos de mensagens sobre políticas públicas, eleições presidenciáveis e a pandemia da Covid-19. Os conteúdos, após análise, costumam ser classificados por meio de etiquetas de conteúdo enganoso, falso, sátira e comprovado. O projeto, além de descobrir e investigar as informações, busca identificar e enfraquecer as técnicas existentes de manipulação e disseminação de conteúdos que surgem e circulam pelas redes.
De 2020 para cá, com a chegada da pandemia da Covid-19, identifica-se uma infodemia – uma epidemia de informações sobre o vírus que trouxe mais incertezas à vida das pessoas. Jornalistas se empenharam e continuam a se empenhar em uma das mais delicadas coberturas da sua história para apurar e checar as mais diversas informações e sobre a Covid-19, conforme os desdobramentos da pandemia.
No Brasil, no meio do pleno exercício da profissão, os profissionais se depararam com o silenciamento dos dados da pandemia por parte do Ministério da Saúde. Foi aí que surgiu uma ação do jornalismo, na figura de alguns veículos jornalísticos, em que a colaboração é peça chave para comandar a engrenagem. Os veículos G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha de S. Paulo e Uol firmaram o Consórcio de Mídia, no dia 8 de Junho de 2020, para trabalhar de forma colaborativa a fim de buscar as informações sobre os casos e as mortes pela doença nos 26 estados e no Distrito Federal e divulgarem em boletins diários.
Mais tarde, passaram a registrar também os dados sobre a vacinação no país. A campanha “Vacina Sim” foi proposta pelo próprio Consórcio para enfatizar a importância do imunizante e trazer informações não só sobre a vacina, mas também sobre o vírus. As informações levantadas por meio do Consórcio permitem não só o acompanhamento da pandemia, mas também análises de dados mais minuciosas. O Consórcio de Veículos de Imprensa acumula hoje mais de 700 dias dedicados à apuração dos dados da pandemia do Brasil e mesmo com a queda do número de casos e mortes no país, o projeto criado no período pandêmico não tem data para acabar.
O Projeto Comprova e o Consórcio de Veículos de Imprensa venceram o prêmio da Associação Nacional de Jornais (ANJ) no ano passado em razão da importância do serviço jornalístico de cooperação prestado no enfrentamento da pandemia no Brasil. Ainda adiciono a importância que ambos representam para o combate à desinformação. No momento que se tem a união de esforços, ou melhor, a colaboração de jornalistas de diferentes veículos envolvidos em checar informação de diferentes assuntos e na apuração dos dados da maior crise sanitária dos últimos tempos, abre-se margem para o enfraquecimento da desinformação e o fortalecimento do jornalismo.
Observa-se que a colaboração no jornalismo tem surgido diante de momentos penosos, em que a informação fidedigna se faz ainda mais necessária, não dando palco para desinformação e resistindo à censura daquilo que não querem que seja tornado público. O Comprova e o Consórcio provam isto. Surgiram em momentos diferentes, mas para mostrar o quão importante é o trabalho jornalístico à sociedade e não se trata mais somente de informar e, sim de fortalecer a profissão como um todo, a partir de ações como esta, em que os interesses econômicos são deixados aparentemente em um segundo plano, para colocar o jornalismo no trilho novamente.
Significa ir além, se posicionando e lançando campanhas que não abram brecha para desinformação da sociedade, como a campanha “Vacina Sim”. Trata-se de colaborar sempre que for necessário para promover o jornalismo e, sobretudo, defender a democracia. O jornalismo mostra, a partir de exemplos como estes, que pode se sustentar por meio do seu profissionalismo em projetos de colaboração e contribuir para o enfraquecimento e o combate à desinformação.
Ações como as apresentadas acima, se aplicadas isoladamente, não são suficientes para acabar de uma vez por todas com a desinformação na sociedade. Mas, podem sim se constituir em uma das iniciativas do jornalismo para enfraquecer os impactos desse cenário.