Mulher, arquitetura e modernização de Belém

Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio UFPA. Para acessar, clique aqui.

Por Izabelle Karoline Machado Lima |Foto: Acervo Pessoal

As transformações sociais que vêm reconfigurando, até hoje, o lugar da mulher em sociedade, estiveram historicamente vinculadas ao debate sobre a mulher no espaço privado, que acompanhava a sua submissão em relação ao gênero masculino. Mas, conforme as transformações sociais se desenvolveram no séc. XX, abrindo espaços na sociedade para a mulher, o núcleo familiar tradicional teve sua dinâmica alterada e compreende-se que a incorporação da mulher, de forma ativa, no campo profissional é, talvez, o parâmetro mais importante da modernidade no século XX (Espegel, 2007, p.77).

Assim, selecionou-se o período de 1950 a 1970 para buscar reflexos dessas transformações durante a modernização de Belém e, para tanto, tomou-se a perspectiva da cultura arquitetônica como guia, por ser esse um conceito que se estende para além da materialidade arquitetônica e enlaça as circunstâncias, a crítica, as experiências de vida que constituem a história da arquitetura.

Por meio da pesquisa iconográfica em jornais locais da época, a pesquisa revelou que havia forte conteúdo direcionado a mulheres, como propagandas de eletrodomésticos e cuidados maternos; conteúdos de culto à imagem da mulher recatada e do lar, destacando-se as colunas sociais. Também chamou a atenção a demanda por empregadas domésticas na sessão de classificados, o que levou ao entendimento da importância histórica da empregada doméstica dentro do lar brasileiro e a interseccionalidade da temática de gênero com o racismo estrutural de nossa sociedade. Por isso, com base na análise do acervo de projetos do LAHCA-FAU, buscou- -se o quarto de empregada das habitações da arquitetura moderna local como um registro documental desse atravessamento.

Quanto ao mundo profissional, no campo da arquitetura e do urbanismo, as mulheres se mostraram presentes, desde a participação pioneira da engenheira Angelita da Silva até o momento da criação do novo curso de Arquitetura da Universidade Federal do Pará (UFPA), do qual se destaca a história de Fátima Viana, arquiteta que deve ser estudada por sua contribuição na área da arquitetura hospitalar em Belém. Os resultados demonstraram que resgatar os apagamentos realizados pela historiografia pode ser uma ferramenta de visibilidade e valorização das personagens ainda em vida.

O gênero como categoria de análise é um marco para a configuração cultural e política da convivência em sociedade, particularmente no campo profissional da arquitetura, e faz-se imprescindível para evitar perspectivas tendenciosas e incompletas de uma realidade que reflete e constrói valores. Madariaga (2018) apontou que as mulheres constituem cerca de 60% do corpo discente que se forma em universidades na Europa, na América do Norte e na América Latina, elas também estão presentes de forma crescente na Ásia e na África, mas, no entanto, as mulheres não conseguem competir com os homens, de forma igualitária, em todos os campos do mercado de trabalho.

Na realidade brasileira, a partir de dados do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (2020), do total dos arquitetos, arquitetas e urbanistas ativos, as mulheres são maioria em todos os estados brasileiros. Com os números representativos, segue a inevitabilidade de que cada vez mais questionamentos e críticas à ausência feminina na história da arquitetura surjam e façam brotar novas investigações. Por isso se faz imprescindível que a perspectiva de gênero esteja no interior dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, para que a educação também traga elucidação histórica sobre a condição feminina, tanto na profissão como nos vínculos com o espaço construído e a cidade.

Izabelle Karoline Machado Lima é arquiteta, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/ UFPA). Atuou como pesquisadora no Laboratório de Historiografia da Arquitetura e Cultura Arquitetônica (FAU/UFPA). E-mail: izabellemlima@gmail.com  CVLattes http://lattes.cnpq.br/7292465881764461

Beira do Rio edição 170

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