Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
Por Gabriel Santos e Mário Luís Garbin
O Brasil tem um dos maiores sistemas de Unidades de Conservação (UCs) do mundo. Essas UCs têm sido uma das principais formas de garantir a sobrevivência das espécies nativas, mas com a falta de recursos humanos e financeiros, a sua efetividade fica comprometida. A grande quantidade de espécies endêmicas conhecidas e muitas ainda a serem descritas pela ciência torna a gestão dos recursos ainda mais desafiadora.
A definição de uma estratégia para a gestão da UC é fundamental para garantir seu sucesso na descoberta e proteção de espécies. É para isso que serve o plano de manejo, documento norteador da gestão da UC. Todas as UCs devem tê-lo, conforme determina a Lei nº 9.985 de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Ainda assim, mais de duas décadas com a lei em vigor, a meta de ter planos de manejos em todas as UCs está longe de ser alcançada, e a falta de conhecimento da biodiversidade existente nas UCs é um dos principais empecilhos.
O plano de manejo depende, diretamente, do conhecimento que se tem sobre a biodiversidade da área. Sem informações básicas, a sua elaboração pode levar anos, desde a captação de recursos até a implementação. Para piorar, nem sempre as UCs que mais precisam são as que têm seus planos de manejo implementados. Isso acontece porque a escolha de onde alocar os recursos disponíveis depende da visibilidade da UC.
O ciclo funciona da seguinte forma: quanto mais conhecemos a biodiversidade de determinada UC, mais importância damos a ela e, com isso, mais recursos ela consegue captar. Com mais recursos, a UC consegue evidenciar cada vez mais sua importância. Isso acaba atraindo mais pesquisas. Não é à toa que as UCs mais antigas tendem a ter mais estudos, mais espécies conhecidas e são também as que tendem a ter planos de manejo.
Em estudo recente, identificamos que UCs que possuem plano de manejo têm, em média, duas vezes mais espécies ameaçadas registradas do que as UCs sem esse documento. O conhecimento sobre as espécies ameaçadas acontece exatamente porque elas receberam investimentos e construíram planos de manejo.
Podemos observar esse ciclo no caso do Parque Estadual Mata das Flores, no município de Castelo, Espírito Santo. Quando pesquisadores começaram um programa de pesquisas na UC, em 2012, no local havia existido apenas uma expedição para coleta botânica. Com o avanço da pesquisa, mais cientistas foram até lá e começaram a descrever espécies novas, contribuindo substancialmente para a capacidade da UC de captação de recursos visando à elaboração do seu plano de manejo. Quatro anos após o início das pesquisas, a riqueza de espécies de plantas conhecidas saltou de 53 para mais de 240. Dessas, ao menos 20 espécies nunca haviam sido registradas no estado.
Investir em mais estudos para conhecer a biodiversidade do país é urgente e deve ser uma decisão tomada de forma estratégica. Para isso, é importante entender como funciona esse sistema de escolhas de UCs para, depois, focar em onde direcionar esses recursos. A partir daí, podemos priorizar as UCs que mais precisam, sem negligenciar as unidades com menor infraestrutura e menos visibilidade.
Sobre o autor
Gabriel Santos é biólogo e pesquisador do Instituto Nacional da Mata Atlântica (Inma)
Mário Luís Garbin é pesquisador e professor de ecologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)