Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Daniela Machado. Para acessar, clique aqui.
* Daniela Machado é coordenadora do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta
O Brasil conta com números significativos quando o assunto é internet: 88% da população é usuária da rede, sendo que a conexão está disponível em 80% de todos os lares do país. O acesso em si é, certamente, um indicador positivo, mas está longe de significar a plena inclusão digital de brasileiros e brasileiras.
Há algum tempo, a ideia de inclusão (ou exclusão) digital estava intimamente ligada à disponibilidade da infraestrutura e das ferramentas necessárias para estar na internet. Vivíamos com aplicações e recursos limitadíssimos, telefones celulares que serviam basicamente para fazer ligações e uma internet muito longe de oferecer a superabundância de conteúdos disponíveis hoje em dia.
Com a sofisticação das tecnologias digitais, é imprescindível dar novos contornos ao conceito de inclusão. A internet, nos últimos anos, vem possibilitando a exposição a uma infinidade de conteúdos (confiáveis ou não), o contato com pessoas do mundo inteiro (podendo ser cientistas numa pandemia ou atores mal-intencionados que distorcem informações sobre vacinas, por exemplo) e a autoexpressão (nem sempre aproveitada com responsabilidade e criticidade).
As oportunidades são muitas, mas os desafios também.
É nesse cenário complexo que o conceito de inclusão digital é ressignificado, de modo a contemplar um acesso mais estável, qualificado, seguro e ético da internet. Nessa concepção, infelizmente, os dados no Brasil não são tão favoráveis.
A pesquisa TIC Domicílios lançada em 2023 pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br) mostra que a maior parte dos brasileiros (62%) acessa a rede exclusivamente pelo celular. O percentual atinge 84% quando olhamos apenas a população de classes menos favorecidas social e economicamente (D e E). Muitas pessoas desses grupos têm planos limitados para os celulares, o que restringe significativamente sua experiência online.
“Olhamos as atividades realizadas por cidadãos que só usam o celular e, do outro lado, os cidadãos que usam múltiplos dispositivos (computador, notebook, tablet e celular), e temos uma questão absolutamente flagrante das limitações das habilidades para quem só usa o celular”, afirmou esta semana Alexandre Barbosa, gerente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) e responsável pelas pesquisas TIC, que geram estatísticas nacionais sobre acesso e uso das tecnologias de informação e comunicação.
Durante debate pelo Dia da Internet Segura, promovido pela Safernet, Barbosa citou alguns exemplos: 71% das pessoas que usam múltiplos dispositivos para acessar a internet dizem verificar se uma informação encontrada é confiável, frente a apenas 37% daqueles que usam apenas o celular. Ou ainda, 74% dos usuários de múltiplos aparelhos adotam medidas de segurança para proteger dispositivos e contas, contra 35% dos que contam apenas com o telefone.
“Temos adotado o conceito de conectividade significativa, que é um conceito relativamente novo, de quatro a cinco anos, que amplia o debate sobre inclusão digital”, completou. “Antes o debate era sobre levar o acesso, sem importar com qual qualidade, com que disponibilidade da rede, com que dispositivo. Já o novo conceito vai além da questão binária de ter ou não acesso e inclui dimensões muito relevantes, como das habilidades digitais.”
Não há bala de prata para transformar a internet em um espaço mais seguro, confiável e justo. Mas a educação digital e midiática é, sem dúvida, um importante ingrediente, à medida que prepara a sociedade para um uso mais crítico e responsável da rede, com foco na integridade da informação, na proteção de crianças e adolescentes e no direito à liberdade de expressão que não se apropria de discurso de ódio, entre tantos outros temas caros à humanidade.
(Foto: Tim Samuel/Pexels)