Publicado originalmente em *Desinformante por Matheus Soares. Para acessar, clique aqui.
“Temos indicadores que sua plataforma está sendo usada para espalhar conteúdos ilegais e desinformação na União Europeia”. Assim abre o alerta público escrito pelo comissário europeu, Thierry Breton, ao bilionário Elon Musk, após o Twitter/X não conseguir conter informações falsas ou descontextualizadas que circularam com o início da guerra entre Israel e Hamas no último sábado (7). A rede é apontada como um dos principais ambientes de propagação de desinformação sobre a recente situação no Oriente Médio.
No documento, publicado nesta terça-feira (10) em caráter de urgência, Breton lembrou dos compromissos de moderação de conteúdo que a rede deve seguir com a Lei de Serviços Digitais (o DSA, na sigla em inglês), como a mitigação de riscos de segurança pública ocasionada por conteúdos desinformativos. “Eu convido você a garantir urgentemente que seu sistema seja eficaz e relatar para minha equipe as medidas de crise tomadas”, escreveu Breton.
Em resposta, o bilionário afirmou que a plataforma é aberta, transparente e em conformidade com a perspectiva da UE. “Por favor, liste as violações que você alude na X para que as pessoas possam ver também”, solicitou Musk diretamente a Breton.
“Você está bem ciente dos relatos de seus usuários – e das autoridades – sobre conteúdo falso e glorificação da violência. Cabe a você demonstrar que segue o que fala”, triplicou o comissário da UE. O dono da rede social concluiu a rápida troca de farpas afirmando que a empresa realiza ações abertamente: “Não há acordos de bastidores. Por favor, poste suas preocupações explicitamente nesta plataforma”.
Pesquisadores já apontam que o recente conflito no Oriente Médio está sendo um teste inicial para saber como está reagindo o Twitter/X após as mudanças estratégias ocasionadas pela troca de gestão. Ao jornal Washington Post, o pesquisador da Universidade de Washington, Mike Caulfield, afirmou que, de acordo com evidências anedóticas, a rede social vem falhando neste teste de estresse. “Entre na plataforma, faça uma pesquisa sobre Israel ou Gaza – você não precisa rolar muito para encontrar informações duvidosas ou desmascaradas”, avaliou.
Vídeos descontextualizados circularam pelo Twitter
Ainda no sábado, quando chegaram à Internet as primeiras informações sobre os ataques do Hamas a Israel, diversos vídeos descontextualizados foram compartilhados nas plataformas, como Facebook e TikTok, mas principalmente no Twitter. Segundo a Reuters, uma dessas postagens utilizava um vídeo de maio deste ano para afirmar que a força aérea israelense estava atacando alvos terroristas em Gaza. O vídeo foi removido pelo Facebook, mas seguia disponível na plataforma de micromensagens na manhã desta quarta-feira (11).
Além disso, vários usuários do X e do TikTok compartilharam um outro vídeo que mostrava dois jatos sendo rebocados por terra. Enquanto alguns usuários afirmavam que a autoria da ação era do exército israelense, outros diziam que era do Hamas. O conteúdo, no entanto, fora publicado em setembro, conforme averiguou a Reuters. A versão republicada do vídeo foi vista centenas de milhares de vezes ainda na tarde do último sábado.
O próprio Elon Musk, também no sábado, chegou a comentar sobre o conflito, recomendando dois perfis na rede conhecidos por espalhar desinformação e discursos antissemitas no passado. Momentos depois, o bilionário apagou a postagem.
Na segunda-feira (9), o Twitter anunciou medidas de segurança tomadas por conta do aumento de conteúdos sobre o conflito. A plataforma disse que atualizou a Política de Interesse Público para entregar aos usuários conteúdos que sejam importantes para a população, mesmo que eles desafiem as regras da comunidade. Sob a nova política, as postagens de uma “conta de alto perfil” contam como postagens de interesse geral. Porém, não há detalhes sobre o que a rede entende como “alto perfil”.
A bigtech também disse que foram tomadas medidas conforme a Política de Entidades Violentas e de Ódio para a remoção de contas recém-criadas supostamente afiliadas ao Hamas. “Nossas equipes reagiram a dezenas de milhares de postagens por compartilhamento de mídia gráfica, discurso violento e conduta de ódio”.
“Guerra de palavras”
Com a tensão escalando nos últimos dias, após o exército israelense atacar a Faixa de Gaza, a guerra vai ganhando espaço nas plataformas como assunto debatido mundialmente. Para Mahjoob Zweiri, professor na Universidade do Catar, as redes sociais digitais atualmente contribuem para o aspecto psicológico do conflito, construído justamente com as informações (textuais, imagéticas e audiovisuais) que são compartilhadas e transmitidas para falar sobre o assunto.
“Nós estamos assistindo uma guerra de palavras nas plataformas bastante complicada e séria entre os dois lados”, avaliou Zweiri ao canal da Al Jazeera. “Usa-se imagens, terminologias e histórias para evidenciar cada uma das posições. E o objetivo é simples: mobilizar mais pessoas por trás da narrativa”.
Neste terreno bélico e tenso, a desinformação se torna um elemento presente, como aconteceu, por exemplo, no início da guerra entre Rússia e Ucrânia. Em 2022, o professor e pesquisador Bernardo Wahl, docente de Segurança Internacional na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), explicou ao *desinformante o papel da desinformação em contextos de guerra.
“A guerra é o reino da incerteza, a gente nunca terá certeza do que está acontecendo. Então sempre pode ter uma informação plantada, pode ter uma desinformação colocada, eu acho que não vai existir uma guerra sem isso”, afirmou Wahl.