Publicado originalmente em Agência Lupa. Para acessar, clique aqui.
Um estudo analisou os hábitos alimentares de 109 participantes transgênero e travestis de várias regiões do Brasil, por meio de questionário, e descobriu que 69% delas relataram insegurança alimentar durante a pandemia da Covid-19. Os resultados, que indicam que a pandemia dificultou o acesso à alimentação dessas pessoas, estão descritos em artigo publicado na quarta-feira (10), no periódico científico “Plos One”.
A pesquisa tem a participação de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e inova ao focar no gênero como fator de acesso aos alimentos. Segundo o nutricionista Sávio Marcelino Gomes, as pesquisas sobre insegurança alimentar tradicionais costumam mensurar o sexo (entre masculino e feminino), forma de analisar os dados que não seria adequada. “Há grupos que estão ficando invisibilizados. O gênero é uma variável que podemos mensurar de formas diferentes: ao analisar se uma pessoa é cisgênero, transgênero, etc.”, informa o pesquisador.
Para chegar a esses resultados, os pesquisadores entrevistaram 109 pessoas via formulário de internet, de outubro a dezembro de 2020, – acessados com ajuda de instituições como a Aliança Nacional LBGTQIA+ e ambulatórios de saúde específicos à população trans. O tamanho da amostra estudada não permite generalizar os resultados para toda a população trans. “Para mensurar a real dimensão da desigualdade de gênero no acesso a alimentos, seria preciso incluir a categoria de gênero nas pesquisas nacionais sobre saúde e alimentação”, analisa Gomes.
Na amostra analisada, 69% dos entrevistados se enquadram na insegurança alimentar que, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), define situações em que o acesso ao alimento está ameaçado. Isso inclui situações como o medo do alimento acabar, quantidades insuficientes, falta de estabilidade no fornecimento ou quando a comida disponível não é adequada do ponto de visa cultural e/ou nutricional. Além disso, 20% dos entrevistados relatam insegurança alimentar severa, que caracteriza a fome em sua forma mais cruel.
Nesta categoria, o indivíduo não consegue realizar todas as refeições recomendadas por dia e não tem acesso à alimentação de fato. “A vivência trans impacta na insegurança alimentar. As pessoas trans são impedidas de ter uma renda adequada e acesso ao ensino superior, enfrentam a falta de oportunidades no trabalho, e esses fatores são baseados em estigma e discriminação”, explica o pesquisador e doutor em Saúde Coletiva.
Os resultados da colaboração com entidades como A Aliança Nacional LBGTQIA+ serviram de base para a criação do primeiro encontro popular de insegurança alimentar entre a comunidade trans, além da criação de um curso de Nutrição LGBTQIA+ para capacitar e conscientizar profissionais e estudantes sobre os desafios da alimentação desse grupo.