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Artigo | Gabriela Leindecker e Vanessa Aquino destacam como os museus podem ser espaços de legitimação e preservação das culturas contemporâneas
*Por: Gabriela Leindecker e Vanessa Aquino
*Foto: Flávio Dutra/JU Arquivo JU 13 fev. 2017) – No Whitney Museum,
em Nova York, jovens observam obra inspirada em histórias em quadrinhos
(Roy Lichtenstein, Girl with Ball, 1961. Óleo sobre tela)
Quando pensamos em alguém que tenha interesse em jogos, histórias em quadrinhos, ficção científica e fantasia, buscamos esse “alguém” em um estereótipo constituído em nossas mentes. A figura do nerd foi estabelecida pelas mídias na década de 1980 e permanece bem clara nestes tempos. Apesar de essa imagem muitas vezes surgir com conotação pejorativa, ela faz parte de uma construção social de indivíduos capazes de se distinguir no coletivo a partir de certos interesses e identificações, ou seja, trata-se de um movimento cultural relevante para estes grupos.
Como forma de contribuir para a pesquisa da ‘cultura nerd’, meu trabalho de conclusão de curso em Museologia, orientado pela professora Vanessa Barrozo Teixeira Aquino, com o título “Cultura nerd em espaços museológicos: uma análise da exposição Quadrinhos do MIS São Paulo”, analisou as estratégias comunicacionais utilizadas pelo Museu de Imagem e do Som de São Paulo para compor a expografia “Quadrinhos” (2018), que propunha uma reflexão sobre o papel das instituições museológicas como agentes para a legitimação da cultura nerd.
A cultura nerd, origem de identificações, memórias e práticas sociais, nem sempre é reconhecida como tal. Nascida do mercado de entretenimento, se apresenta em diversos objetos triviais do nosso cotidiano, passando por vezes despercebida. Pensar na ‘cultura nerd’ é pensar em como ela é, também, merecedora de estar presente em lugares de preservação de memórias. Mas sempre há alguém para fazer aquela pergunta: “Mas cultura nerd é cultura de verdade?”.
Aponto no meu trabalho que esse estranhamento que alguns grupos sociais têm com essa cultura pode se dar pela compreensão ultrapassada de que objetos e histórias contemporâneas podem não ser consideradas importantes o suficiente para se transformarem em patrimônio cultural, ainda mais sendo uma cultura tão atual e presente na internet.
A característica da juventude da cultura nerd também pode causar essa dúvida por conta de que muitos dos objetos, das mídias e dos gostos que são cultivados ainda durante a infância, e que continuam na fase adulta, permitem pensar que os nerds se autoinfantilizam, quando, na verdade, é uma questão relacionada à memória afetiva.
É por essa pequena questão ainda invadir a cabeça de muitos que a presença da cultura nerd em museus e instituições culturais pode ser um caminho para a sua legitimação.
O MIS São Paulo é uma instituição que preserva acervos de tipologia audiovisual e que vem, desde 2012, realizando eventos e exposições que contemplam a cultura nerd, sendo uma delas a megaexposição “Quadrinhos”, realizada em 2018. A instituição, assim, se torna um agente legitimador dessa cultura.
Com modelo expositivo caixa preta, conforme o qual a exposição se caracteriza por recursos cenográficos interativos e por proporcionar ao visitante uma experiência multissensorial, a “Quadrinhos” convidou milhares de nerds do Brasil para mergulharem na história das histórias em quadrinhos. Lá era possível encontrar vários elementos expográficos imersivos, tais como réplicas e painéis de madeira em tamanho real, plotagens, recursos interativos, uso de diferentes cores, trilha sonora, projeções e simulação de espaços.
Infelizmente, não pude colocar essa experiência neste estudo, pois não tive a oportunidade de visitá-la, mas, ao realizar pesquisa em diferentes plataformas digitais, é evidente notar como essa megaexposição impactou de forma positiva aqueles que a visitaram, criando um espaço de divulgação da cultura nerd e de reflexões e compartilhamento de histórias e memórias pessoais e coletivas.
A “Quadrinhos” pôde situar o visitante em outras dimensões, transportá-lo para dentro da narrativa que estava sendo contada. Nessa perspectiva, essa megaexposição imersiva pôde se assemelhar aos quadrinhos, às histórias que têm o poder de fazer o leitor viajar, se transportar para uma realidade reconfortante, assim como faz a cultura nerd a todos aqueles que se identificam como uma pessoa nerd.
O MIS São Paulo se tornou um espaço acolhedor para os amantes de jogos, filmes de super-heróis, de animes e mangás. Um lugar para além das convenções, das salas de cinema, da internet, ele trouxe lembranças, histórias e identificações.
Mesmo não sendo um patrimônio encontrado facilmente em outras tipologias de museus, realizar projetos educativos, pesquisas e exposições podem fazer com que a presença da cultura nerd nesses lugares se torne cada vez mais habitual, como foi o caso da exposição “Terra à vista e pé na lua”, realizada em um museu histórico, o Museu Histórico Nacional, onde se apresentou a trajetória de Ziraldo, artista contemplado também pela Quadrinhos, o qual é tão importante para a cultura nacional e para a cultura nerd brasileira.
Assim, esse movimento de exposições museológicas comunica a importância da ‘cultura nerd’, legitimando e preservando suas histórias e memórias para a sociedade.