O grande negócio da desinformação na Rússia de Putin

Por Ana Regina Rêgo.

Artigo também disponível em Jornal O Dia e Portal Acesse.

A Rússia tem se destacado no cenário europeu como um país com grande número de usuários da Internet. Entre os anos 2000 e 2010 o número de pessoas incluídas digitalmente cresceu cerca de 1.826%, passando de 8,7 milhões em 2002 para 43,3 milhões em 2010.  Em 2011, a Rússia já era o país da Europa com o maior número de usuários com 50,81 milhões. Desde então o crescimento tem sido em larga escala. Em 2013 a cifra subiu para 76,5 milhões o que equivale a 53,5% da população do país. Em 2016 o número chegou a 86 milhões de usuários da Runet, portanto, cerca de 70% da população.

Essa ascensão da centralidade das mídias digitais na população russa, assim como, em grande parte dos países, sobretudo, do ocidente, tem influído diretamente em processos e decisões políticas. Desde os protestos que aconteceram entre os anos de 2011 e 2012 naquele país, que a participação massiva de internautas através das redes sociais acessadas, principalmente, pelos suportes digitais móveis, vem crescendo. Todavia, as expectativas de que a Runet se transformasse em um espaço para profusão e integração do povo russo rumo à uma democracia plena e consolidada, vem sendo abaladas pelas incursões das campanhas estatais do governo para influir na internet e no uso que o cidadão comum faz dela.

O governo russo tem envidado esforços no sentido de transformar a Runet  em um instrumento estatal de propaganda e contrapropaganda, dirigido tanto a russos como a usuários estrangeiros. A preocupação maior é evitar uma fissura política que possa abalar a estabilidade do governo e provocar uma rebelião popular e a queda do atual regime. Nesse sentido, o governo tem se munido de um conjunto de leis e se utilizado de inúmeras táticas objetivando controlar a internet.

Fazem parte do pacote de controle da internet e, portanto, de parte da comunicação pública daquele país, leis que regulam a comunicação na rede, multas e prisões por postes ou twittes. Com o intuito de proibir que mensagens de incitação ao ódio ou desordem pública, pela ação de extremistas, chegassem ao público, o governo baixou em 2014, uma lei federal que passou a impedir o acesso a páginas da web que estivessem sob qualquer tipo de suspeita do governo. Assim, sites e páginas nas redes sociais da oposição ao governo foram bloqueadas, como também, qualquer comunicação que se referisse a organização de atos públicos contra o governo de Putin. Ainda em 2014, o governo russo publicou a “Lei sobre blogueiros” como parte do pacote de leis antiterroristas que obrigava a qualquer blog com mais de 3 mil leitores diários a registrar em Roskomnadzor que é o Serviço Federal de Supervisão de Comunicações, Tecnologia da Informação e Meios de Comunicação de Massa,  e, se responsabilizar pelo conteúdo publicado.

Em 2015, o governo russo preocupado com a supremacia mercadológica das empresas virtuais e plataformas digitais de produção de conteúdo, publicou uma lei de proteção aos dados de seus cidadãos, obrigando empresas como Facebook, Google e Twitter a conservar, classificar e armazenar os dados pessoais dos usuários da internet no território da Federação Russa e proibir que os dados fossem levados para outros países. Os motores de busca também são fiscalizados e regulamentados, assim, nem tudo sobre cidadãos e políticos encontra-se disponível para acesso na Runet. Os cidadãos podem solicitar que links sobre suas vidas sejam apagados. Em grande medida, as leis aparentam proteção e positividade, no entanto, segundo Vera Zvereva, o governo se utiliza das leis para controlar o espaço virtual e a ação dos cidadãos neste.

O fato é que o pacote de leis que foi sendo construído e implantado através dos últimos anos com o intuito de proteger o cidadão russo, se transformou, principalmente, em mecanismos de  total controle da internet pelo governo da Rússia,  que pode, inclusive, acessar  e recuperar informações de e-mails privados, como também regular e fiscalizar de perto as operadoras de telefonia móvel que devem armazenar  todas as chamadas e mensagens  de seus clientes durante seis meses, além das informações sobre envio e recepção de mensagens por um ano.

A apropriação da Runet pela oposição política desde o início de sua implantação, tem sido a principal preocupação do governo russo com a internet, que agindo de modo holístico passou, de um lado, a controlar e, de outro, a contra-atacar através de um exército virtual que inclui bots e trolls, visando descredibilizar as narrativas da oposição. Essa preocupação se potencializou a partir de eventos como a revolução na Ucrânia.

O Kremlin tem agido diretamente na formação política de jovens incentivando os movimentos juvenis como Nashi, Idushchie vmeste e Melodaya guardiya desde o começo do século XXI e, com as potencialidades da internet passou a investir na comunicação com esse público, possibilitando e incentivando a ocupação da internet por parte dos jovens. Muitos blogs pró-governo foram criados e os blogueiros de maior destaque e visibilidade terminaram ascendendo a algum cargo nas estruturas de poder do país.

As narrativas do exército russo que atua diretamente na web de modo permanente e ostensivo disseminando mensagens pró-governo, são transmitidas por relatos, testemunhos (alguns falsos testemunhos), fotografias, vídeos, análises, rumores, piadas, etc., e possuem como ponto de encontro, a forte carga emocional que carregam, a exemplo do que veio a ocorrer, em várias partes do planeta, inclusive, no Brasil.

Vera Zvereva menciona como exemplo do engajamento dos seguidores de Putin, os chamados “Olgino Trolls”, descobertos pelos jornalistas do Nóvaya Gazeta  em 2013. Na época, eles estavam contratando operadores de internet para trabalhar em uma fábrica de trolls. A intenção era massificar a participação de perfis em favor do governo distribuindo narrativas favoráveis, ao tempo em que se descredibilizava a fala dos oponentes.

Além das fábricas de trolls, como ficaram conhecidas em todo o mundo, os russos também se utilizam de bots para potencializar a disseminação de narrativas de provocação, muitas vezes recheadas de informações falsas, disseminadoras da dúvida e causadoras de desentendimento.

Assim como, nas eleições norte-americanas e brasileiras, como também no referendo do Brexit na Inglaterra, as estratégias na Rússia tiveram êxito e Putin, seu governo e suas iniciativas passaram a ter mais apoio popular. No caso da Ucrânia e da anexação da Crimea, os bots atuaram ativamente, aumentando as estatísticas de pessoas favoráveis ao governo.

Recentemente, já nos dias de guerra da Rússia contra a Ucrânia, o Serviço de Segurança Ucraniano (SSU) desativou uma “fazenda de bots” na cidade de Lviv que contava com 3 pessoas, 2 apartamentos, 3 mil SIM cards e 18.000 contas em redes sociais. O exército robótico de trolls publicava amplamente nas redes sociais, incluindo anúncios de falsos atentados e atos terroristas e outras postagens virais.
O objetivo era espalhar desinformação e criar pânico na população.

Fique atento, desinformação mata!

*Imagem da capa: Sputinik/Evgeniy Paulin/Kremlin via REUTERS

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