Estátua em frente à ONU é interpretada como a besta do Apocalipse

Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Xenia Cassete. Para acessar, clique aqui.

  • Matéria atualizada em 15/12/2021 Às 18:38

Uma estátua colocada na praça da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, em 4 de novembro passado, marca a presidência do México no Conselho de Segurança da ONU e foi um presente daquele país. No Brasil, mídias religiosas  começaram a postar mensagens contra a estátua, que acusam ser a besta do Apocalipse.

Imagem: reprodução Portal do Trono

No início de dezembro, a notícia sobre uma estátua em frente ao prédio da ONU que foi presente do México à Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York,  começou a repercutir em mídias sociais religiosas. Nas postagens a estátua era comparada ao animal híbrido  descrito no livro bíblico de Apocalipse, capítulo 13, verso 2: “A besta que vi era semelhante a um leopardo,  mas tinha pés como os de urso e boca como a de leão.  O dragão deu à besta o seu poder, o seu trono e grande autoridade.”

A partir das publicações que afirmam a semelhança entre a estátua mexicana e o animal híbrido do livro de Apocalipse, comentários sobre o caso se seguiram em espaços digitais evangélicos. Boa parte deles dizia que a estátua da ONU “faz parte desse complexo para implementar a nova ordem da chegada do anti-Messias”. Também foi comentado que “o anti-Cristo poderá ser a ONU ou até mesmo algum líder de dentro da organização”.

Também o pastor Antônio Junior, bem conhecido por parte de evangélicos brasileiros enfatizou a semelhança da estátua da ONU com o animal no texto do livro de Apocalipse e aconselhou seus seguidores a ficarem atentos: “Não temos que ver os acontecimentos dos últimos dias como 

como algo assustador, mas sim como o tempo em que Jesus voltará e derrotará o inimigo de uma vez por todas”.

O que é a estátua, e qual a sua origem

O Mexico ocupa um assento rotativo no Conselho de Segurança da ONU desde o início deste ano, com um mandato até o fim de 2022. A estátua foi apresentada à ONU e ao mundo pelo embaixador mexicano Juan Jamón de la Fuente, por meio de um vídeo, como o “símbolo guardião da paz e segurança internacional” para os anos de 2021 e 2022 no Conselho de Segurança da ONU.

O embaixador deu as boas vindas ao novo Guardião da Paz, uma estátua de madeira, de dimensões grandes feita pelos artesãos mexicanos Juan e Maria Angeles e considerada um “alejibre”. A arte de alejibres trabalha com esculturas muito coloridas e criaturas fantásticas e faz parte do folclore mexicano.

Imagem: carro de desfile de alejibre / Pixabay

De acordo com la Fuente, a escultura foi um presente do governador do estado mexicano de Oaxaca, Alejandro Murat, entregue à ONU no mês de novembro deste ano, que está sendo marcado pela esperança de um futuro seguro e pacífico,  com base nos apelos  feitos pelo Reino Unido durante a COP26 que aconteceu em Glasgow, Escócia. Na ocasião, os representantes daquela nação que acolheu o evento da ONU, conclamaram os líderes mundiais a entrarem num consenso para o estabelecimentode projetos que garantam a segurança das gerações futuras no planeta.

Ambivalência do símbolo

Bereia conversou com o professor e pesquisador do programa de pós-graduação em Ciências da Religião da PUC-Campinas e  especialista em Apocalipse, Paulo Nogueira.

De acordo com o pesquisador,o que aconteceu foi mesmo uma ambivalência  do símbolo. “O símbolo como animal mitológico híbrido, pode ter significados diferentes em diferentes culturas. Como, por exemplo, a serpente, que nas culturas judaica e cristã tem um sentido negativo. Quando S.Tomé vai à Índia pregar, segundo os relatos apócrifos de Tomé, que é uma narrativa ficcional, ele enfrenta a serpente, a naja, que é uma figura divina, positiva para os indianos, como se ela fosse a serpente que introduz o  pecado e a queda do ser humano”. 

O professor explica que por isso, “a serpente para uma cultura pode ser positiva, enquanto para outra negativa”. 

Da mesma forma, Nogueira lembra do dragão, que é um símbolo de fertilidade para os chineses e para as culturas mediterrâneas, e, que especialmente  para a cultura hebraica, é uma figura que representa o caos e o demoníaco. “Neste caso da estátua da ONU, nós tivemos uma infeliz coincidência, porque este animal realmente se parece com o monstro híbrido de Apocalipse 13, que é uma força caótica personificada pelo Império Romano”, afirma o professor. Ele lembra que os primeiros cristãos entendiam, segundo Apocalipse capítulo 13, que o Império Romano não era só um poder econômico e político, mas era uma força do mal, idólatra, opressiva, violenta”. 

Porém, para o professor de Ciências da Religião, o símbolo mexicano é positivo, pois  “vem de uma religiosidade mexicana,  pré-cristã e pré-colombiana e, ali tem um significado positivo”, explica.

Imagem: outros exemplos de alejibres do folclore mexicano

O professor continua com exemplos lembrando o touro colocado  em frente à Wall Street em Nova York, e que recentemente foi colocado também frente à Bovespa, em São Paulo (inclusive, já retirado).

“Provavelmente, ali o touro tem o  significado de pujança. Existe este tema do touro como um animal mítico da cultura ibérica, um animal potente. Mas na cultura bíblica o bezerro de ouro é sinônimo de idolatria, a traição do povo judeu no Êxodo, que resolve adorar um bezerro de ouro enquanto Moisés estava recebendo a Torá diretamente das mãos de Deus”.

Nogueira explica que os símbolos são ambivalentes, não têm um significado em si mesmos nem têm uma essência. Os símbolos significam o que significam na relação com  outro símbolo, dentro de uma dada cultura. 

“Então, realmente, a estátua presenteada pelo México que foi colocada em frente à ONU lembra muito o animal híbrido,o do primeiro monstro do Apocalipse de João. Mas ele é uma evocação deste monstro? Não”,  afirma. Paulo Nogueira explica que a escultura de madeira é uma arte mexicana, pré-colombiana, e como já dito, os símbolos são ambivalentes. 

Numa cultura podem ter um significado e em outra, outro significado bem diferente”, reforça o professor, que conclui: “Monstros e seres híbridos são muito comuns nas culturas, nas mitologias. E eles não têm sempre um significado negativo ou positivo”.

Com base nesta verificação, Bereia considera que a avaliação de lideranças religiosas de que a estátua presenteada pelo México à ONU é uma representação da besta do Apocalipse é enganosa. Estes líderes e as mídias que repercutem seus comentários usam de um trecho da Bíblia descontextualizado e do desconhecimento das pessoas em relação a símbolos culturais, no caso o Mexicano, e em relação às atividades da Organização das Nações Unidas para fazerem críticas às ações do organismo e alimentarem teorias conspiratórias.

Referências de checagem:

United Nations.  https://news.un.org/pt/story/2021/12/1772602. Acesso em: 13 dez 2021.

Indicatu. https://www.indicatu.com.br/noticia/743/onu-inaugura-monumento-guardiao-da-paz-e-seguranca-internacional-para-2021-e-2022. Acesso em: 13 dez 2021.

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/11/touro-de-ouro-da-b3-e-removido-apos-determinacao-de-comissao.shtml  Acesso em: 13 dez 2021.

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Foto de capa: ONU/Manuel Elias

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