Vídeo manipula falas de jornalistas da GloboNews e sugere ordem do STF para incêndios

Publicado originalmente em Agência Lupa por Catiane Pereira. Para acessar, clique aqui.

Circula nas redes sociais um vídeo com trechos de comentários das jornalistas Eliane Cantanhêde e Miriam Leitão, da GloboNews. No primeiro trecho exibido, Cantanhêde diz que o Supremo Tribunal Federal (STF) está “se sentindo traído”, porque a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “dependeu do Supremo”. 

Em seguida, é exibido um vídeo de Miriam Leitão em que ela comenta que conversou com um funcionário do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e questionou-o por que eles “queimavam equipamentos” se o governo “falava que não podia”, e o homem respondeu que o Ibama “recebeu ordem do Supremo pra fazer isso”. 

A legenda que acompanha a gravação afirma que o Ibama recebeu um comando do STF para “pôr fogo” na “floresta amazônica e no Mato Grosso”. O vídeo que circula pelas redes sociais sugere que houve queimadas propositais para “culpar” o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). É falso

Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que o conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação?:

Bomba! O IBAMA recebia ordens do STF para por fogo na floresta amazônica e no Mato Grosso NA GESTÃO DO BOLSONARO E CULPÁ-LO

– Legenda de vídeo que circula pelas redes sociais

Falso

O Ibama não recebeu ordens do STF para “por fogo na floresta amazônica” ou em outras vegetações. O vídeo viral distorce comentários de Eliane Cantanhêde e Miriam Leitão, omitindo partes das falas das jornalistas. Na verdade, em um dos comentários, ocorreu uma menção a uma decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso, de suspender atos da Fundação Nacional do Índio (Funai), que foi crucial para a proteção de terras indígenas e comunidades — e não uma afirmação de queima de equipamentos pelo Ibama relacionada a incêndios florestais, como sugere a legenda do vídeo. 

Em nota enviada à Lupa, o Ibama esclareceu que a destruição de equipamentos é controlada e visa impedir o uso ilícito, sem afetar áreas florestais. A assessoria de Comunicação da Globo afirmou, em nota, que o vídeo distorce as falas de Eliane Cantanhêde e de Míriam Leitão e que ambas “tratavam de outros assuntos”.

Os trechos exibidos na peça desinformativa foram retirados de programas distintos transmitidos no dia 23 de novembro de 2023, um dia após o Senado aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que restringe decisões monocráticas no STF. Ambas as jornalistas comentaram sobre essa decisão. Contudo, o vídeo viral tem sido compartilhado nas redes associando as falas a uma suposta ação do Ibama para culpar o governo Bolsonaro. 

Comentário de Eliane Cantanhêde

A fala da jornalista Eliane Cantanhêde usada na peça desinformativa foi retirada do programa ‘Em Pauta’, da GloboNews, transmitido às 20 horas do dia 23 de novembro de 2023. O programa dedicou a edição daquele dia para debater sobre a recente decisão do Senado que limita decisões monocráticas no Supremo.

Após 9 minutos e 20 segundos do início da gravação, o âncora do programa Marcelo Cosme, passa a palavra para Eliane Cantanhêde, mas antes a questiona sobre a posição do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em relação a um pronunciamento dele sobre a aprovação da PEC. O comentário de Cantanhêde dura cerca de 6 minutos, porém, o vídeo que circula nas redes sociais utiliza apenas um breve trecho, descontextualizando a fala da jornalista.

Após a pergunta, Eliane Cantanhêde então menciona o voto do senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, que foi favorável à PEC. Ela diz que esteve em contato com um ministro do Supremo — sem revelar o nome do magistrado — e que ele declarou que o voto de Wagner foi interpretado como uma “traição rasteira”. Segundo informações obtidas com o ministro, a Corte estaria pressionando o governo para trocar o líder do governo no Senado.

Ela diz ainda que existe, de acordo com os ministros, um “outro lado da moeda” sobre decisões liminares e monocráticas, que nem todas são ruins e que tiveram muitas  determinações positivas, a exemplo daquelas tomadas durante a pandemia.

Enquanto continuava o raciocínio, ela foi interrompida pelo âncora do programa, que retomou a informação de que um ministro disse que a corte estaria pedindo a saída de Jaques Wagner e questionou se isso não seria “uma interferência entre os poderes”. Ele então pede mais informações sobre o que o ministro disse à jornalista. 

Após a indagação, ela cita alguns exemplos de divergências entre o STF e o Senado, como em relação ao marco temporal — rejeitado pelo STF, mas aprovado no Congresso Nacional. Ela complementou a fala dizendo que o voto de Jaques Wagner não foi interpretado pelo ministro como sendo uma decisão pessoal, mas uma escolha que ocorreu com o consentimento do ministro da Casa Civil, Rui Costa, e do próprio presidente Lula. A jornalista mencionou ainda uma ligação telefônica do ministro do STF Gilmar Mendes para Jaques Wagner.

Em seguida, após esses apontamentos de discordâncias entre o Senado e o STF, Eliane Cantanhêde diz: “Então a coisa tá indo mal. E o que que a gente vê? A gente vê que o Supremo tá se sentindo traído. Por quê? Porque a eleição do Lula dependeu do Supremo, a vitória do Lula. Toda essa reviravolta que houve dependeu do Supremo, e o Supremo foi o carro-chefe na defesa da democracia. Essa é a posição deles”. Neste momento, a jornalista fazia referência, por exemplo, à decisão do STF de anular os processos contra o ex-presidente, o que o tornou elegível no pleito de 2022.  

O vídeo, contudo, não exibe todo o contexto da fala de Cantanhêde e insinua que o STF teria influenciado ilegalmente o resultado das eleições de 2022, favorecendo a vitória de Lula, o que não corresponde à realidade. 

Comentário de Miriam Leitão 

Já o comentário de Miriam Leitão foi retirado do programa ‘Central GloboNews’, transmitido às 23 horas do dia 23 de novembro de 2023. O programa também dedicou a edição daquele dia para debater sobre a aprovação por parte do Senado da PEC que limita decisões individuais de ministros do STF. 

Os comentaristas da GloboNews também recordaram o voto do senador Jaques Wagner, favorável à PEC, e relataram que essa decisão surpreendeu ministros do STF e o próprio governo Lula.

Miriam Leitão dá sequência aos comentários dos colegas e diz que ocorreram decisões monocráticas que foram importantes para a preservação da vida durante a pandemia de Covid-19. Neste momento, após 22 minutos do início da transmissão, ela cita uma decisão do ministro do Supremo Luís Roberto Barroso de suspender atos da Fundação Nacional do Índio (Funai) que negavam proteção a terras indígenas não homologadas

No programa, a jornalista diz que, durante a apuração para um dos seus livros, ela conversou “com um cara do Ibama que tava atuando, firmemente, mesmo em pleno governo, que dizia que eles não podiam queimar equipamentos”. Em seguida, ela acrescenta que questionou-o por que eles queimavam equipamentos se o governo “falava que não podia”, e o homem respondeu que a instituição “recebeu ordem do Supremo para fazer isso”.

O vídeo viral, contudo, omite o trecho seguinte da fala de Miriam Leitão, no qual ela afirma que “era uma ordem do ministro Barroso, que tomou a decisão na 709 e [ele disse]: ‘Vai lá e preserva essas terras’. Ele estabeleceu o que fazer, deu ordens pro governo sobre o que fazer na preservação de terra indígena e na preservação da vida de indígenas”. Depois, ela argumenta que esse é um de “outros exemplos de decisões tomadas pela Corte que evitaram o pior em muitas áreas da vida do país”. 

Ou seja, Miriam Leitão não tratava sobre uma queima de equipamentos pelo Ibama como um ato que supostamente teria relação a incêndios florestais, como sugere a legenda do vídeo que circula pelas redes sociais, ela apenas comentava sobre uma decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso que foi providencial para proteção territorial e de comunidades indígenas. 

Em nota, o Ibama informou que não possui autorização para “por fogo” em florestas e que a queima mencionada no vídeo “refere-se exclusivamente à destruição controlada e segura de equipamentos apreendidos, não a áreas florestais”. O Ibama esclareceu ainda que “quando o STF valida a queima de maquinários, isso ocorre em situações específicas onde a destruição total do equipamento é necessária para evitar sua reutilização em atividades ilícitas”. 

Decisão do ministro Barroso

Em fevereiro de 2022, o ministro do STF Luís Roberto Barroso suspendeu atos da Funai que retiravam a proteção de terras indígenas não homologadas, o que abria espaço para invasões e riscos à saúde dessas comunidades, principalmente por doenças como a Covid-19. O ministro argumentou que tais atos contrariam normas constitucionais e fragilizam os direitos indígenas garantidos pela jurisprudência do STF. 

Ele destacou que a Funai deve garantir a proteção dessas áreas, independentemente de homologação, sob pena de crime de desobediência. A decisão veio após um pedido judicial da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), incidentalmente, nos autos na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709. De acordo com o STF, a omissão da Funai facilitaria invasões por grileiros e madeireiros, comprometendo a segurança dos povos indígenas.

Conteúdo semelhante foi verificado por Estadão Verifica.

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