Publicado originalmente em Agência Lupa por Ítalo Rômany. Para acessar, clique aqui.
Circula nas redes sociais post afirmando que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não devolveu os presentes recebidos por ele referentes aos dois primeiros mandatos presidenciais (2003–2010). A publicação traz um trecho de um vídeo em que o próprio Lula afirma que saiu da Presidência com 11 contêineres de acervo. Falta contexto.
Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que esse conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação?:
Lula assume que levou 11 containers do Palácio do Planalto – Veja o vídeo
– Legenda de post que circula no WhatsApp
Falta contexto
O vídeo deturpa uma declaração dada por Lula em 4 de março de 2016 sobre possuir 11 contêineres com bens recebidos por ele referentes aos dois primeiros mandatos presidenciais (2003–2010), sugerindo que o então ex-presidente deixou de devolver os objetos à União. À época, havia um entendimento de que o acervo não precisava ser devolvido, mas deveria ser preservado pelos ex-presidentes. Somente após acórdão publicado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em setembro de 2016, é que o petista devolveu os presentes recebidos.
De acordo com a Lei nº 8.394/1991, que foi regulamentada em 2002 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso através do Decreto nº 4.344/2002, os objetos recebidos em cerimônias oficiais de troca de presentes com chefes de Estado e de governo são considerados patrimônio da União, a não ser em casos de caráter personalíssimo (medalhas personalizadas e grã-colar [condecoração]) ou de consumo (bonés, camisetas, gravata, chinelo, perfumes, entre outros). Presentes oferecidos por cidadãos e entidades costumam permanecer com o ex-presidente.
À época, segundo o Instituto Lula, os documentos que constituíam o acervo presidencial privado eram, na sua origem, de propriedade do presidente da República, “inclusive para fins de herança, doação ou venda”. Em seu argumento, o instituto citou a Lei nº 8.394/1991, que de fato afirma, em seu artigo 2º, que “os documentos que constituem o acervo presidencial privado são na sua origem, de propriedade do Presidente da República, inclusive para fins de herança, doação ou venda”. “Quando Lula deixou o governo, a Presidência da República catalogou todos os objetos de seu acervo e providenciou a mudança para São Paulo”, diz trecho de nota publicada à época pelo Instituto Lula.
Entretanto, por causa de interpretações diversas sobre quais presentes recebidos deveriam constar como patrimônio da União, o TCU determinou em setembro de 2016 à Secretaria de Administração da Presidência da República e ao Gabinete Pessoal do presidente da República que incorporassem ao patrimônio da União todos os documentos e presentes recebidos pelos ex-presidentes, excluindo apenas os itens de natureza personalíssima ou de consumo próprio. Ou seja, todos os presentes, independentemente de serem entregues em evento oficial ou não, deveriam ficar em acervo da União e não mais de presidentes ou ex-presidentes.
Somente após acórdão do TCU — que se deu seis meses após a fala de Lula que circula nas redes — que houve, portanto, esse entendimento. Assim, após a decisão do TCU, Lula devolveu inicialmente 360 objetos, que estavam armazenados em um galpão no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP). Outros 74 itens foram considerados perdidos à época, com valor calculado de R$ 199.436,04. Segundo o TCU, em nota encaminhada em checagem anterior, após nova inspeção, restaram apenas 8 bens a serem localizados, cujo valor alcançava R$ 11.748,40. O TCU informa que esse montante foi integralmente recolhido aos cofres da União pelo presidente Lula.
A ex-presidente ??Dilma Rousseff (PT) realizou a devolução de 111 itens. As peças estavam em Eldorado do Sul (RS), armazenadas em um contêiner na Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre. Os seis itens sumidos de Dilma custariam em torno de R$ 4,8 mil. O TCU considerou o valor como de “baixa materialidade” e não realizou a cobrança.
Checagem similar foi produzida por Aos Fatos e UOL Confere.
Caso Bolsonaro
O trecho do vídeo em que Lula afirma que saiu da Presidência levando 11 contêineres de acervo voltou a circular após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirar o sigilo do relatório da Polícia Federal que pede o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no esquema de venda ilegal das joias recebidas de autoridades estrangeiras durante seu governo. De acordo com a PF, Bolsonaro teria formado uma associação criminosa para desviar mais de R$ 6 milhões em presentes recebidos por ele em visitas oficiais para outros países enquanto Chefe de Estado.