Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Bruna Rezende e Xênia Cassete. Para acessar, clique aqui.
Desde o sábado 03 de junho de 2021, circula um vídeo nas mídias sociais do ex-vereador Fernando Borja, no qual o político defende que os direitos LGBTQIA+ não podem ditar o que é “pregado” e que “devemos colocar limites na militância gay”. Nele, o político também acusa os “comunistas” de quererem acabar com a liberdade religiosa e se opõe à ideia de trabalhar assuntos como educação sexual nas escolas, alega ser absurdo falar sobre bissexualidade, homossexualidade e poliamor, assim como declara que as conquistas alcançadas pela população LGBTQIA+ até hoje, se resumem a reprimir a fé das crianças.
A criação do vídeo foi motivada pela publicação de uma reportagem da TV Globo, no telejornal MGTV, na qual informam que a Comissão de Diversidade Sexual da OAB/MG (Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais) passou a investigar um vídeo produzido pelo Colégio Batista Getsemâni, como um possível caso de LGBTfobia.
No vídeo divulgado pelo colégio, alunos e alunas se posicionam contra a “ideologia de gênero”, afirmando “Meu Deus não errou”. O vídeo foi uma resposta a um comercial da rede Burguer King, veiculado pelo Dia do Orgulho LGBTQIA+ (28 de junho), em que crianças falam, com naturalidade, quanto ao que pensam sobre esta causa. O Colégio acusou a rede de sanduíches de fazer “confusão mental nas crianças”.
Até o fechamento desta matéria, a publicação realizada pelo ex-vereador já tinha sido assistida por 48.936 pessoas.
O vídeo em resposta ao comercial do Burger King
O vídeo produzido pelo Colégio Batista Getsêmani em Belo Horizonte e postado em suas redes sociais, causou polêmica entre a comunidade LGBTQIA+. Nele, crianças da escola falam que a sua resposta à ideologia de gênero é: “O nosso Deus nunca erra! Ele me fez menina; Ele me fez menino.”
A reportagem da Rede Globo Minas Gerais entrevistou o presidente da Comissão de Diversidades da OAB-MG Alexandre Bahia, que afirmou estar avaliando a possibilidade de uma ação civil pública contra a escola.
Segundo o diretor-geral do Colégio Batista Getsemani, pastor Jorge Linhares, a OAB não fez nenhum contato com a instituição. “Estamos aguardando com o nosso departamento jurídico preparado. Os comportamentos e as leis mudam de país para país”, disse o diretor.
Segundo o pastor, o vídeo feito pelo colégio quis “marcar a posição de que Deus não erra e dar uma resposta à empresa Burger King – local onde a escola leva seus alunos para festas de conclusão de cursos e outras – e não ser conivente com a propaganda que utiliza crianças para apoiar práticas homossexuais”.
Ele explicou que o Colégio Batista Getsemani é uma escola com princípios cristãos fundada há 30 anos em Belo Horizonte. “Nós prezamos pela fé e prática da Bíblia, na qual aprendemos com Jesus ‘Deixai vir a mim as crianças e não as embaraceis’.”
Apesar disso, Jorge Linhares afirma que o ex-vereador Fernando Borja não fala em nome do colégio.
O que dizem os documentos curriculares
O vídeo de Fernando Borja faz críticas à discussão sobre sexualidade no contexto escolar. Entre elas, o político afirma que “ao se falar de sexualidade nas escolas, também queiram incentivar a homosexualidade, bissexualidade e o poliamor.” Sobre isso, a professora de educação infantil e mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Paula Myrrha, argumenta que “todos os documentos curriculares se voltam ao combate à homofobia e à transfobia. Não há nenhum documento curricular em âmbito nacional, estadual ou municipal que diga que as crianças devem se tornar homossexuais”.
Myrrha informa ainda que já existem muitas pesquisas mostrando que há benefícios em se trabalhar com crianças a diversidade de configurações familiares e o combate à LGBTfobia.
“Não se trata de incentivar as crianças a se tornarem homossexuais. Até mesmo porque orientação sexual não é uma escolha. Nenhum documento curricular incentiva as crianças a se tornarem homossexuais, mas falam de respeito às comunidades LGBTQIA+”, explica a mestre em Educação.
Myrrha, que também é cristã, declara que todos os documentos curriculares falam sobre liberdade religiosa, mas que essa liberdade não se abre ao direito de atacar grupos específicos.
Falta de entendimento
O advogado e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, professor convidado da Fundação Dom Cabral, Daniel Lança, diz que a Igreja não entendeu até agora o que significa respeitar os diferentes tipos de sexualidade.
Contudo, Lança afirma que não sabe se uma ação civil pública, ou até criminal, contra a escola seria bem sucedida, apesar de ser possível encontrar uma base jurídica. “O que observamos é que nem o Poder Judiciário nem a comunidade LGBTQIA+ se manifestaram, neste caso específico, dizendo que a igreja não pode falar”, diz o advogado.
Com base nesta verificação, Bereia classifica o conteúdo do vídeo produzido pelo político mineiro Fernando Borja como enganoso e falso. O vídeo é opinativo e o ex-vereador tem o direito de expor publicamente sua opinião sobre quaisquer temas, no entanto, o Bereia alerta leitores e leitoras a se manterem atentos quanto a conteúdos embalados como informação, mas que estão recheados de opiniões falsas e enganosas, promovendo a intolerância a qual Fernando Borja acusa a emissora de TV de praticar.
1 – É enganoso que a Rede Globo promova intolerância religiosa com a reportagem veiculada, pois as afirmações do vereador configuram uma distorção da mensagem, uma vez que não apresenta a reportagem na íntegra, desvirtua o sentido e desinforma sobre direitos fundamentais.
2 – É falso que as escolas ensinem sobre sexualidade a fim de promover a homosexualidade, a bissexualidade e o poliamor, assim como é falsa a acusação de Borja à Prefeitura de Belo Horizonte, por ter “criado diretrizes para questionar a sexualidade de crianças de três anos na escola pública”. Nos documentos públicos das proposições curriculares municipais de Belo Horizonte, não há questionamento quanto à sexualidade de crianças ou quanto ao tipo de relacionamento que deveriam seguir quando adultas.
4 – É falso que a única conquista da comunidade LGBTQIA+ até hoje foi reprimir a fé das crianças. Esta afirmação não corresponde à verdade, pois o movimento pelos direitos de gênero não tem por objetivo atingir a liberdade religiosa e a fé de quaisquer pessoas (o que seria crime de intolerância, segundo as leis do país). As conquistas LGBTQIA+, nos últimos 50 anos se localizam no campo de direitos como: realizar cirurgias de redesignação sexual pelo SUS (2008); a Lei Maria da Penha passou a incluir mulheres LGBTQIA+ (2006), a fim de coibir a violência doméstica contra lésbicas, trans e travestis; casais homossexuais agora podem adotar crianças (2010); foi aprovada a realização do casamento homoafetivo em cartórios (2013); uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero (2016); a alteração do nome e gênero no registro civil em cartórios (2018); a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ passa a ser crime (2019); e cai a suspensão da restrição para a doação de sangue por homosexuais (2020).
5 – É falso que “comunistas queiram acabar com a liberdade religiosa”. Não há qualquer ação concreta neste sentido e se houvesse seria denunciada e condenada por lei. A Constituição Federal, inspirada no artigo 18º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, garante a liberdade de crença e de culto religioso, conforme o inciso 6º do art. 5º da Constituição Federal. Importa registrar que foi um deputado do Partido Comunista pelo estado de São Paulo, o escritor brasileiro Jorge Amado, quem escreveu a emenda constitucional 3218, que inseriu a liberdade de culto religioso pela primeira vez na Constituição Brasileira de 1946.
Sobre a desinformação denominada “ideologia de gênero” Bereia já publicou diferentes matérias, leia uma delas aqui.
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