Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.
Podemos não lembrar exatamente qual letra ou termo designa a geração atual – afinal, são muitas as definições –, mas há um senso comum quando se fala das habilidades dessas crianças e jovens que estão crescendo com acesso ininterrupto ao TikTok e aos conteúdos de influenciadores digitais: a ideia de que eles sabem e entendem como usar as plataformas digitais muito melhor do que os adultos de suas famílias. Como se esse conhecimento fosse algo inato a esses nativos digitais, que “já nasceram sabendo”. Este é um mito que precisa ser desconstruído, e quem nos mostra isso são os próprios jovens.
Dados da mais recente TIC Kids Online Brasil mostram que 57% da população entre 11 e 17 anos afirma ser verdade que crianças e adolescentes sabem verificar se uma informação encontrada na internet está correta, o que significa que quase metade deles admite ter dificuldades para realizar essa checagem. Quando questionados sobre como verificar se um site é confiável, a taxa é de 62%. A pesquisa é realizada desde 2012 pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) com o objetivo de detalhar como essa faixa etária usa as redes.
É interessante observar as diferenças percentuais nas respostas do levantamento. Ao serem perguntados se crianças e adolescentes sabem instalar aplicativos e proteger um aparelho com algum recurso de segurança, as taxas são de 94% e 84%, respectivamente. Ou seja, quando se trata de habilidades consideradas operacionais, os números aumentam consideravelmente. Já entre habilidades vinculadas à compreensão do universo informacional, eles próprios assumem que se trata de algo mais dificultoso.
Acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático em todos os seus formatos e modelos, o que abrange veículos impressos e digitais, são requisitos fundamentais na formação de qualquer cidadão no contexto em que vivemos. Este conhecimento deve ser construído – não é algo dado, como nos acostumamos a pensar – e a escola tem um papel basilar na educação midiática de alunos e alunas desde o ingresso no sistema de ensino.
Se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional determina que “a educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania”, apoiar esse processo é uma atribuição das unidades escolares e suas equipes pedagógicas, que devem ser preparadas para isso. A mediação dos professores e professoras é essencial para que crianças e jovens aprendam a ler, escrever e participar de forma consciente, autônoma, responsável e crítica dos ambientes informacionais, o que inclui desenvolver habilidades como as descritas na TIC Kids Online Brasil.
A novela Travessia, que teve seu último capítulo exibido na semana passada, foi bem didática nesse aspecto, por meio de três personagens adolescentes: um garoto que fez uma montagem fotográfica que viralizou, prejudicando a vida da protagonista da trama; um menino que apresentava dependência de games online, e uma garota que, ao fazer uma amizade com uma suposta influenciadora, acabou enredada por um pedófilo. Nas três histórias, os jovens precisaram da ajuda da família e de apoio especializado para compreenderem a dimensão das suas atitudes e consequências.
Por mais que seja ficção, não faltam dados para entendermos que a realidade é bastante semelhante ao narrado na trama. Denúncias recentes feitas pelo Fantástico e por esta Folha, revelaram como menores de idade têm atuado em grupos no Discord, divulgando e compartilhando vídeos extremamente cruéis e criminosos, envolvendo violência sexual e outros delitos gravíssimos.
Ao passo que as big techs e os governos precisam atuar de forma macro, com mais transparência nos processos e por meio da criação de políticas públicas, respectivamente, é preciso também incentivar a educação midiática das crianças e jovens tanto nas famílias como nas escolas, para que formemos jovens capazes de distinguir entre informação e desinformação no Tik Tok e nas futuras plataformas que ainda surgirão, num mundo em constante e acelerada mudança.
*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta