Publicado originalmente em COVID-19 DivulgAÇÃO Científica. Para acessar, clique aqui.
Embora tenha possivelmente um comportamento sazonal, o SARS-CoV-2 continuará circulando no país, podendo causar surtos locais – não está na hora de baixar a guarda!
Nos últimos meses, observamos que a pandemia de COVID-19, em países do hemisfério Norte – particularmente, na Europa –, desacelerou durante o período mais quente do ano. Em seguida, com a chegada do outono e de um clima mais frio, vários desses países viram nascer a famosa e temida segunda onda, com novo aumento no número de casos e retorno a medidas como as quarentenas. No Brasil, onde o clima começa a esquentar rumo ao verão, algumas pessoas já apostam que o calor nos livrará da COVID-19. Infelizmente, é pouquíssimo provável que isso aconteça.
O crescimento do número de casos no país, embora venha observando uma ligeira desaceleração nas últimas semanas, ainda está em um patamar considerado alto e o número de mortes é maior do que aquele observado em outras partes do mundo (acompanhe os dados oficiais na página criada pelo Ministério da Saúde). “Provavelmente, essa tendência de queda seguirá até o verão”, acredita o sanitarista Christovam Barcellos, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz. “Mas, mesmo durante a queda, podem aparecer surtos localizados, como já observamos em Florianópolis, Manaus, Cuiabá. Isso significa que o vírus continua circulando e que, ao relaxarmos as medidas de contenção, o número de novos casos pode subir novamente”.
Para a epidemiologista e infectologista Gerusa Maria Figueiredo, do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo, a situação da COVID-19 no Brasil apresenta muitas particularidades. “Nossa curva parece ser única no mundo”, diz. “Enquanto em outros locais a curva sobe, desce e, depois, por algum motivo, sobe de novo, nós tivemos uma subida e uma manutenção, e agora uma queda, mas em patamares ainda muito altos”.
Comparar o que acontece no Brasil com o comportamento da pandemia nos países europeus tem algumas limitações, a começar pelas dimensões geográficas de cada território. Outro fator que dificulta a comparação são as diferentes medidas tomadas em cada país para conter a COVID-19: enquanto alguns países adotaram a testagem massiva como estratégia, outros implementaram lockdown após um grande número de casos, por exemplo. No Brasil, houve uma reação mais desorganizada.
Sazonalidade da COVID-19
Um estudo publicado na PNAS no dia 3 de novembro sugere que a COVID-19 possa ter um comportamento sazonal, isto é, que varie de acordo com a estação do ano. A conclusão surgiu a partir de um modelo criado para prever o comportamento da doença diante de certos parâmetros de temperatura, umidade e radiação ultravioleta – fatores que, segundo estudos anteriores, interferem na propagação do novo coronavírus. “As projeções sugerem que, sem intervenções, a COVID-19 vai descrescer temporariamente durante o verão, com retomada no outono e pico no próximo inverno”, escreveram os autores do artigo, submetido em maio, antes do verão no hemisfério Norte. O texto admite, porém, que ainda há muita incerteza, e que outros fatores além do clima interferem em como a doença se comporta. “Assim, o mundo precisa continuar vigilante”, alerta o texto.
Figueiredo reforça a mensagem, dizendo que ainda é cedo para chegarmos a conclusões definitivas sobre a sazonalidade da COVID-19. Por outro lado, um dado que corrobora a hipótese é que outras doenças infecciosas do trato respiratório, como as gripes, também se comportam de maneira sazonal, com aumento do número de casos durante o inverno.
“O pico da COVID-19 na Europa aconteceu no final do inverno; no Brasil, foi durante o inverno. E nesta segunda onda na Europa, ao que parece, o pico será no inverno novamente. O clima tem, provavelmente, uma participação”, avalia Barcellos, lembrando, no entanto, que a variação de temperatura entre as estações no Brasil não é tão drástica quanto na Europa.
Ainda assim, segundo o especialista, o inverno brasileiro tem algumas características que favorecem a transmissão da COVID-19, como a baixa umidade. Além disso, os casos tendem a ser mais graves no clima mais frio e seco. “Mesmo se o contágio for mais ou menos o mesmo, a forma clínica tende a ser mais grave, pois há uma penetração maior do vírus no trato respiratório inferior”, explica. Ele ressalta, ainda, a alta incidência de queimadas como fator de risco para o agravamento da pandemia no Brasil durante os meses de inverno: “A coexistência entre exposição à fumaça e ao vírus é muito perigosa, pois torna as pessoas mais vulneráveis”.
Oportunidade de planejamento
Se a queda no crescimento dos casos de COVID-19 se mantiver de fato durante o verão brasileiro, esse “respiro” pode ser uma brecha valiosa para reorganizar o que for necessário para encarar um novo aumento quando o clima voltar a esfriar. “Temos uma oportunidade de reformular o sistema de saúde brasileiro, olhando o que deu certo e o que deu errado em outros países”, defende Barcellos. “É importante fortalecer a atenção primária em saúde, que vai fazer aconselhamento, cuidar dos mais vulneráveis, encaminhar os casos mais graves para o hospital. E também incrementar as ações de vigilância em saúde, não só com a testagem, mas também com a investigação dos casos e o rastreio dos contatos”.
Quanto à população, o sanitarista orienta que mantenha-se atenta às medidas de prevenção, como distanciamento social, uso de máscara e higienização das mãos. “Já é consenso na comunidade científica que os locais mais perigosos para se contaminar são os lugares fechados, sem exposição ao sol, não arejados, com muitas pessoas, conversando alto, cantando”, alerta. Ele sugere, portanto, evitar espaços como boates, e destaca iniciativas que promovam a interação ao ar livre, como têm feito algumas escolas.